Conceito de sucessões
A expressão pode ser usada para exprimir situação diversas. Num sentido mais amplo e vulgar esta palavra traduz a conexão existente entre dois ou mais momentos ou entre acontecimentos separados no espaço e no tempo, mas que se interligam entre si.
Assim, existindo factos que ocorrem em ocasiões distintas e se seguem uns aos outros, numa sequência lógica e natural, pode – se dizer que estamos perante uma sucessão de factos. Consequentemente, pode se dizer-se que, no sentido etimológico da palavra e bastante amplo, o termo sucessão exprime uma relação de continuidade de factos ou coisas no tempo e no espaço, registando-se uma conexão entre eles. Como resultado que se possa falar de sucessão, sempre que uns se seguem aos outros. Concluindo, em sentido amplo e vulgar, por sucessão pode designar – se a relação existente entre prius e um posterius. De facto, na etimologia jurídica e ainda num sentido demasiado genérico, sucessão significa a substituição de uma por outra ou substituição de uma coisa por outra.
Como se pode ver, esta é uma noção que já se distancia do conceito inicialmente apresentado. É uma noção menos ampla, na medida em que se circunscreve tão só a uma certa espécie de situação. Sendo verdade, porém, que é mais precioso o conceito de sucessão entre pessoas no sentido jurídico, mesmo assim ele pode apresentar – se numa perspectiva mais ampla ou menos.
O Prof. Pereira Coelho apresentar, da seguinte forma, a noção jurídica de sucessão: ''há um fenómeno de sucessão sempre que uma pessoa assume, numa relação jurídica que se mantém idêntica, a mesma posição que era ocupada por outra pessoa.
A noção acima apresentada corresponde, sem dúvida alguma, ao conceito amplo de sucessão em sentido técnico-jurídico. Assim, neste sentido, definiremos sucessão como o fenómeno de substituição de uma pessoa viva nas relações jurídico-patrimoniais de que era titular uma pessoa falecida. Este conceito de sucessão de pessoas, em sentido jurídico restrito, mais não corresponde senão ao conceito de sucessão mortis causa. E como se pode ver, este é um conceito de âmbito mais restrito e preciso, quando comparado com a noção inicialmente apresentada.
Herança e Legado
Critério Geral de Distinção Entre Herança e Legado
Considerado o quadro em que se processa a instituição de herdeiro e legatário, e inclusivamente os títulos pelos quais estes sucessores são chamados, interessa agora saber como é que se distinguem as figuras (herdeiros e legatários).
Herança e Legado – Constituem dois aspectos do acervo transmissível. A herança é uma universalidade de bens e direitos que permanecem íntegros e indivisos até a sua individuação pela partilha, enquanto o legado são bens certos e determinados deixados pelo testador a alguém.
Quem recebe herança sucede à título universal, no todo ou em quota-parte indeterminada, e é chamado de herdeiro.
Quem recebe o legado sucede à título singular, coisa certa, individuada, caracterizada e determinada e é chamado de legatário. Orlando Gomes -diz que a “Herança é o patrimônio do defunto.” E complementa “Compreende todos os direitos que não se extinguem com a morte. Excluem-se os que se não concebem desligados da pessoa, com os direitos de personalidade. Integram-na bens móveis e imóveis, direitos e acções, obrigações. Abrange também coisas futuras. Sendo universalidade de direito, é susceptível, abstratamente, de aumento ou diminuição.”
O herdeiro responderá pelos créditos, débitos e dívidas do defunto na proporção da herança herdada enquanto que o legatário, salvo disposição contrária no testamento, não responde pelas dívidas da herança e somente pelas dívidas inerentes ao próprio legado. O herdeiro, desde a abertura da sucessão, tem direito a receber a herança deixada pelo de cujus independente de qualquer formalidade, enquanto que o legatário adquire, com a morte do testador, o direito de reivindicar o bem dado em legado, recebendo os frutos que a coisa produzir, exceto se dependente de condição suspensiva ainda não verificada, ou de termo inicial.
Tabaiana De Oliveira resume desta forma: “A expressão herança é empregada em dois sentidos – lato e restrito:
I- No sentido lato, a herança é uma universalidade de direito (universitas juris), existindo mesmo sem objectos materiais que a componham, consistindo em meros direitos e podendo, até, liquidar-se em encargos; e por isso não se confunde com a universalidade de fato (universitas facti), que é o complexo de coisas determinadas por quantidade, número, medida ou por outras qualquer indicação específica, como o lugar, a natureza do objecto, etc. Neste sentido próprio e técnico, diz-se que a herança é uma universalidade de direito, enquanto o legado é uma universalidade de facto. Assim, a herança compreende a universalidade de todos os direitos ativos e passivos, de todos os bens móveis, imóveis e semoventes, tais quais existiam ao tempo da morte do de cujus
. Neste sentido lato, a palavra herança é sinônimo de: sucessão, monte mor, acervo comum, espólio, monte da herança. – No sentido restrito, a herança só compreende os bens partíveis, também chamados alodiais, indicando o patrimônio enquanto objecto da transmissão ao herdeiro, ou como objecto do direito hereditário propriamente dito. Assim, somente após a dedução do passivo devido aos credores, é que há herança propriamente dita e, consequentemente, quando os herdeiros e legatários poderão receber, mediante partilha, as suas heranças e legados. Neste sentido restrito, a palavra herança é sinônima de: monte partível, quinhão hereditário, quota hereditária, legítima etc.”
Critério legal de distinção entre herdeiro e legatário
A própria lei cuida de definir o que deva entender-se por herdeiro e por legatário e, por outro lado, procura estabelecer o critério de distinção entre duas figuras jurídicas.
É neste sentido que no n.°2 do artigo 2030° do C.C se consagra, de forma, expressa: '' Diz – se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados''.
Ora, conforme se pode concluir da análise deste preceito legal, o critério de distinção adoptado pela lei assenta, concretamente, na determinação dos bens deixados pelo de cujus.
Tendo por base um tal critério, terá a qualidade de herdeiro, quem vier a receber bens indeterminados e terá a qualidade de legatário, quem vier a ser contemplado com bens determinados.
No entanto, porque este conceito se apresenta com algumas imprecisões e mesmo demasiado simplista, convém clarificar melhor o que deva entender-se, por um lado, por quota e, por outro lado, por bens ou valores determinados, a que se refere o n.°2 do artigo 2030° do C.C.
Expressão quota adoptado pelo C.C, deve ser entendida, como refere o Prof. Pereira Coelho, no sentido de quota ideal ou abstracta, isto é, uma quota-parte abstracta do todo que é afinal de contas a herança. Por outro, a expressão bens ou valores determinados tem de ser interpretada de forma restritiva, pois bens determinados, para a lei, não pode querer significar o mesmo que bens concretos ou específicos. Se assim fosse então deixava de se poder compreender a qualificação feita pelo próprio legislador nos artigos 2253° (legado de coisa genérica), 2263° CC (legado de recheio de casa).
Procurando clarificar o conceito legal, Pereira Coelho define as duas figuras, do modo seguinte:
''Legatário é o que sucede em bens determinados (especificados ou não), o que sucede apenas em certos bens, com exclusão dos restantes bens do de cujus.''
Pelo contrário, o herdeiro não é chamado a suceder em bens determinados, isto é, somente em certos bens e não nos outros, mas o seu direito estende-se real ou menos, virtualmente à totalidade da herança ou a uma quota – parte dela. Para uma melhor perpceção, exemplificaremos a noção dada da primeira figura, com os casos a seguir indicados. A deixa a B o conjunto de coisas e bens existentes no interior da sua casa. A deixa a B os livros que compõem a sua biblioteca; A deixa a B todos os discos existentes na sua discoteca; A deixa a B as quotas que possui no grupo de empresas EAM e as acções que detém na Movitel.
Como exemplos da noção apresentada em relação à segunda figura podem indicar-se os seguintes: a deixa a B metade dos seus bens; C deixa a D2/ 5 do seu património. Como forma de melhorar clarificar as noções supra referenciadas, Pereira Coelho acrescenta ainda, que o herdeiro é um sucessor a título universal, enquanto o legatário é apenas um sucessor a título singular. Quanto ao legatário, este é chamado a suceder somente em certos bens, com exclusão dos restantes que compõem a herança. Assim sendo, porque fica excluído, de imediato, em relação aos demais patrimónios hereditário, nunca pode vir a receber mais do que os bens deixados. Isto acontecerá mesmo no caso de gozar do direito de acrescer (artigo 2302° do C.C). Na verdade, no que se refere ao legatário, o direito de acrescer funciona apenas no caso de, sobre o mesmo bem, terem sido designados vários legatários. Quando esta situação ocorrer e um ou vários co-legatários não puder ou não quiser aceitar a sua parte no legado, então os demais co-legatários poderão ver acrescida a quota inicial. Ligada à sucessão voluntaria, que abrange a sucessão testamentária e a sucessão contratual, está a instituição de herdeiro e a nomeação de legatário, por via negocial. Figuras jurídicas de que se começou a tratar e cujo critério de distinção legal de distinção constituiu o derradeiro momento da nossa reflexão.
Aplicação prática do critério legal de distinção
De seguida, procurar-se-á algumas situações concretas, em relação às quais nem sempre se mostra cristalina a sua qualificação, quando se deite mão, exclusivamente, do critério legal de distinção.
Qualificação de herdeiro
Deixa da totalidade ou de quota (alíquota) da herança
Vejamos, por exemplos, o caso em que o de cujus deixa a alguém a totalidade dos bens que compõem a herança ou a situação em que o falecido deixa a outrem metade, um quinto ou um oitavo do seu património. Exemplificando este tipo de situação:
A deixa a B todos os seus bens; C deixa a D ½ dos bens que integram o seu património. Tendo em consideração que, em ambos os exemplos, patentes se mostra que se está perante situação, em que o sucessível sucede em bens indeterminados, duvidas não restarão de que se trata de caso evidente de herança, aplicando – se o critério legal de distinção consagrado no n.°2 do artigo 2030° do C.C.
Deixa de quota (não alíquota da herança)
Poderá acontecer que o defunto deixa a outrem uma parte ou uma fracção aritmética, que adicionadas não perfazem a unidade, ou seja, que não cabem no todo um número exacto de vezes (ex: 3/5, 2/3. 40%). Num caso desta natureza será que também se estará perante indeterminação de bens.
A resposta a dar a esta pergunta terá de ser forçosamente positiva, atentas as razões acima indicadas, a propósito da deixa da totalidade ou de quota da herança. Na verdade, não se deixa de estar perante situação de quota abstracta da herança, que se expressa no facto de existir indeterminação, quando aos bens que integram cada uma daquelas fracções aritméticas.
Deixada do remanescente da herança, de quota do remanescente ou do remanescente de quota da herança
Três espécies de situações se podem verificar a propósito do remanescente da herança.
Situação que se podem apresentar do modo seguinte:
A deixa a B bens determinados e a C o remanescente do património hereditário. Exemplificando este caso: A, no seu testamento, deixa a B a casa de praia do Bilene e a D os restantes bens que possui.
A deixa a B bens determinados e a C 2/3 do remanescente da herança. Exemplificando esta situação: No seu testamento, A deixa a B a viatura automóvel da marca Toyota Alteza, com chapas de matrícula MLR-23-24 e a C 2/3 dos restantes bens que possui.
A deixa a B 50% da herança e a sair dos restantes 50%, atribui a C o prédio X e o remanescente daquela quota deixa-a a D.
Os exemplos acabados de apresentar traduzem – se em situações em que, tendo por base o critério estabelecido n.°2 do artigo 2030° do C.C, não se torna possível qualifica –los facilmente como herança ou como legatário .
Por razão, como meio de obstar a eventuais dificuldades, o legislador cuidou de clarificar possíveis dúvidas, introduzindo no citado preceito legal o principio enunciado no n.°3, que estabelece: '' É havido como herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes''. Recorrendo a este princípio legal, resulta claro que, no primeiro exemplo acima apresentado, C tem de ser qualificado como herdeiro, constituindo a sua situação um caso perfeito, do que se pretende tutelar através do disposto pelo referido n.°3 do artigo 2030° do C.C. No que concerne às situações de C e D, respectivamente , no segundo e terceiro exemplos acima indicados , já não seta suficiente uma mera aplicação do principio contido no n°3 do artigo 2030° do C.C, para se lograr uma correcta qualificação . Para esse efeito, torna-se necessário conjugar aquele princípio, com o que se acha disposto no n°2 do mesmo preceito legal. E, só assim possível concluir que C e D são, de facto, herdeiros de A. Assim terá de ser, não só porque C e D estão a receber quota do remanescente ou remanescente de quota que, em ambos os casos, se traduz em quota abstracta, mas também porque o conjunto de bens a eles deixados se mostra como indeterminados. Para concluir, tendo em consideração que, nos três casos apresentados, existe indeterminação relativamente aos bens deixados pelo autor da sucessão, inequivocamente que se terão de qualificar tais situações como de herança.
Herdeiro ex re certo
Estamos perante uma situação em que o de cujus quer deixar a uma outra pessoa uma quota – parte dos seus bens, ou seja instituir um herdeiro, mas pretende utilizar o seu poder de compor a quota desse herdeiro em face do que lhe atribuir essa sua quota em bens determinados, na convicção de que, compondo assim a quota, integra e preenche a quota-parte do sucessível naquilo ou naquele valor que o autor conta serem os seus próprios bens. A este respeito, a doutrina tem – se dividido.
Há quem entenda estarmos neste caso perante um legatário e quem defenda que houver lugar à instituição de um herdeiro. Parece –nos , porém , ser melhor doutrina a defendida por Pereira Coelho e que aponta no sentido de nos encontrarmos aqui perante a figura de herdeiro. A tal não impede o n° 5 do artigo 2030° do C.C, pelo qual ''a qualificação dada pelo legislador aos seus sucessores não lhes confere o título de herdeiro ou legatário''. Com efeitos, o que está em causa nesta ultima disposição é um problema de qualificação jurídica como herdeiro ou legatário face a um certo conjunto de factos. Ora, distinto desta questão é o problema da investigação dos factos emergentes da manifestação de vontade do testador, correctamente interpretada.
Os critérios de interpretação da vontade do testador estão previstos prima facie no artigo 2187.°, dizendo o seu n° 1 que ''na interpretação das disposições testamentarias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador conforme o contexto do testamento '' e acrescentando o n° 2 que ''é admitida prova complementar , mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto do testamento um mínimo de correspondência , ainda que imperfeitamente expresso '', só se aplicando as regras gerais de interpretação dos negócios jurídicos previstos nos artigos 236.° e segs. do C.C , quando não briguem com as normas especiais atrás referidas .
Na situação de nos ocupamos temos pois de saber, e em primeiro lugar, qual era a vontade do testador, isto é, se a vontade do testador era fazer com que determinada pessoa sucedesse em bens certos e determinados e com exclusão de quaisquer outros bens e, neste caso, não há duvida que estamos perante um legado, ou a se intenção do testador era a de atribuir a essa pessoa uma quota – parte dos seus bens mas simplesmente usou seu poder de compor essa quota atribuindo –lhe bens certos e determinados . Neste derradeiro caso, embora aparentemente estejamos face a um legado ou legados por conta da quota, todavia , porque a intenção do testador , expressamente afirmada ou deduzível por factos indiciários , era a de atribuir uma quota , e tal intenção é juridicamente relevante nos termos do artigo 2187°. do C.C, estamos no fundo perante a instituição de um herdeiro.
Repare-se que não há nisto qualquer contradição com o n.º 5 do art. 2030°, porque o que esta disposição veda é que o testador possa alterar a qualificação de legatário ou de herdeiro que resulta da lei em função dos factos por ela pressupostos e verificados em cada caso concreto.
Exemplo: A, testador, atribui a B bens determinados com exclusão de outros bens, v.g. a sua quinta no Minho e seu relógio de pulso, mas declara ou qualifica B, no testamento como seu herdeiro.
Pois aqui estamos perante uma situação nítida de legatário e a qualificação de herdeiro feita pelo testador (que é um problema distinto da interpretação da sua vontade em matéria de repartição de bens), não pode prevalecer sobre o critério de qualificação da lei, até porque há que ter conta interesses públicos que poderiam ser efectados com alteração da qualificação. Dai que as qualificações legais de herdeiro e legatários tenham um caracter imperativo, não podendo ser ilididas por vontade em contrário dos particulares.
Diferente será o caso se chegarmos à conclusão – pela interpretação do testamento e até, nos termos do n.º 2 do artigo 2187°, de cartas ou outras provas complementares que tivessem um mínimo de correspondência no contexto do testamento de que a vontade do testador era atribuir uma quota do seu património, que desde logo compôs preenchendo – a com os bens que na sua convicção a integravam.
Exemplo: A, testador, declarara expressa ou tacitamente no seu testamento que quer instituir B em um quinto do seu património hereditário, dizendo que essa quota é composta pela sua quinta no Minho mais o seu relógio ómega.
Neste caso, se chegarmos à conclusão de que a intenção de A testador era a de instituir B numa quota da sua herança, estamos perante uma figura de herdeiro, como tal considerado para efeito de aplicação do regime geral da instituição de herdeiros.
Exemplo: A, testador, declarara expressa ou tacitamente no seu testamento que quer instituir B em um quinto do seu património hereditário, dizendo que essa quota é composta pela sua quinta no Minho mais o seu relógio ómega.
Neste caso, se chegarmos à conclusão de que a intenção de A testador era a de instituir B numa quota da sua herança, estamos perante uma figura de herdeiro, como tal considerado para efeito de aplicação do regime geral da instituição de herdeiros.
Qualificação do legatário
Temos agora uma situação bem diferente em que, e por aplicação do critério legal do n.º 2 do artigo° 2030, do C.C, existe uma sucessão em bens ou valores determinados com exclusão de outros bens. Simplesmente, o legado pode ter lugar em caso de sucessão em coisas determinadas quer especificadas, quer não especificadas.
Legado de coisas determinadas e especificadas
Casos que não oferecem duvidas quanto á sua qualificação, como legados são aqueles em que se sucede em coisas determinadas (por oposição à sucessão na totalidade ou universalidade patrimonial ou em quota – parte do património) e especificadas, ou seja coisas simples ou singulares (os arts, 203 e 206. n.°2, do CC).
São os casos de A deixar por sua morte a B, em testamento ou escritura antenupcial, um prédio com um certo número de polícia em determinada rua, ou um lote de 100 acções nominativas e numeradas do capital social de empresa X.
Neste caso é evidente que se instituem legados, uma vez que está em causa sucessão em bens determinados, individualizadas com exclusão de sucessão em outros bens.
Legados de coisa determinadas não especificadas
Há legados ainda em casos em que as coisas não sejam especificadas (coisas compostas, fungíveis, etc.) mas haja determinação dos bens ou valores objectos de sucessão, relativamente aos quais se processo a sucessão, com exclusão de outros bens do património do de cujus. Assim a característica da especificação ou não especificação das coisas, objectos de sucessão, não arreda a qualificação de legados, um o critério reflectido no n.°2 do art. 2030° do CC, assenta na determinabilidade e exclusividade dos bens em que se sucede , como condições necessárias e suficientes de qualificação.
Legados de universalidade de facto
Define o n.°1 do art. 206.° CC como coisa composta ou universalidade de facto ''pluralidade de coisas moveis que, pertencendo à mesma pessoa, tem um destino unitário''.
Exemplos-são casos clássicos a deixa, testamentária ou por doação mortis causa, de A a B do seu rebanho, da sua biblioteca ou sua colecção de selos ou de moedas. Em cada uma destas universalidades de facto pode variar, respectivamente, de livros ou selos e moedas (pode o dono da biblioteca ou da colecção comprar mais algum livro, selo ou moeda ou vender ou deteriorarem –se outras peças), mas continua a haver uma universalidade de facto suficientemente determinada que não se cofunde com os outros bens do património do património do autor da sucessão , ou seja , apesar de os bens não serem especificados , há uma determinação , uma vez que por ex., a panela da cozinha ou outros moveis e imoveis do património do de cujus não fazem parte da biblioteca , que o gato ou outros bens ou valores não fazem parte do rebanho , ou o que o jogo de talheres ou outros bens ou valores não fazem parte do rebanho das coleções de selos ou de moedas , desde que com elas não tenham uma relação de unidade de destino ou de integração.
Há, pois, determinação e exclusividade nas universalidades de facto, embora não existindo especificação, pelo que os respectivos interessados são chamados a suceder apenas nessas universalidades, com exclusão dos outros bens do património do autor da sucessão, com o que estamos na presença do legatário.
Legado do património autónomo ou de unidades jurídicas
Deixa de herança ou de quota de herança não partilhadas. Há um património autónomo quando, dentro do património geral de uma pessoa, existe uma massa de bens ou valores patrimoniais ou um conjunto de relações jurídicas patrimoniais submetidos a um tratamento jurídico particular e unitário, estando por isso o conjunto dos seus elementos patrimoniais sujeitos a uma especial destinação e a um particular regime de responsabilidade por dívidas. Tal património está como que enquistado no património geral do respectivo sujeito, a ponto de os autores afirmarem que tal centro autónomo não tem outra ligação com o património geral ou com patrimónios vizinhos também autónomos, afora o liame, extrínseco de ter o mesmo sujeito.
Neste contexto, tende-se a afirmar que em caso de deixa testamentária ou de doação mortis causa de um património autónomo estamos perante nomeações de legatários.
A herança não partilhada é o caso mais seguro de património autónomo e, do mesmo modo, assim se devem entender as quotas-partes dessa herança.
Exemplo: A aceita de C uma herança (a totalidade do património de C ou uma quota parte desse património), pelo que A é herdeiro de C. mas se A aceite a herança e não tiver havido ainda partilha, tal herança constitui no património geral de A um património autónomo e este poderá, por doação mortis causa, excepcionalmente, ou por testamento, deixar o seu direito a tal património a B ora, esta deixa a B é considerada como legado.
Na verdade, há em caso de deixa de herança não partilhada uma determinação de bens, pois o sucessível vai ser chamado apenas nos bens que constituem o património autónomo e só nesses, não sucedendo em outros bens do autor da sucessão, exactamente por a herança não partilhada ser um património autónomo nos termos atrás referidos.
Deixa de estabelecimento comercial
Também estamos perante um legado, se bem que não tenham faltado autores a pretender considerar o estabelecimento comercial, na sua natureza jurídica, como um património autónomo, a melhor doutrina aponta no sentido de o considerar como uma unidade jurídica, há nele um conjunto de bens integrados funcionalmente e que por isso estão, e só eles, determinados a um certo centro de imputação de interesse, estando dele excluídos outros bens ou valores não efectados ao estabelecimento comercial, mesmo que pertencentes ao mesmo titulares do mesmo titulares do estabelecimento, pelo que a sua deixa testamentária ou por doação mortis causa constitui um legado.
Deixa de herança ou de quota de herança em que sucede o testador
Exemplificando a situação descrita na epígrafe, considera-se que B deixa a C a totalidade ou uma quota da herança recebida de A, que ainda não se acha partilhada, no momento em que é feita a liberdade.
Não resta dúvidas de que B é um herdeiro de A e que, dentro do património geral de B, a herança ou a quota por ele aceita constituem um património autónomo.
Assim sendo, C será chamado à sucessão de B só pelos bens que integram o património autónomo, isto porque o referido património é composto por um conjunto individualizado de bens, enquanto uma unidade jurídica, já que não se confunde com o património do herdeiro, neste caso B, e, por outro lado, porque a intenção de B fora a de deixar a C apenas esses bens, com exclusão de todos os demais. Como tal, inevitavelmente que se está perante a situação de legado.
Deixa de usufruto da herança ou de quota da herança
Usufruto é, nos termos do art. 1439.°do CC, ''o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua a sua forma ou substância esclarecendo do artigo seguinte do mesmo diploma que ''o usufruto pode ser constituído por contrato, testamento , usucapião ou disposição da lei.
Nos casos em que o usufruto é constituído por doação mortis causa ou por testamento estamos, por forca de lei imperativa, perante legado. Com efeito, o n.°4 do art. 2030 do CC, diz –nos que ''usufrutuário ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do património é havido como legatário e o n.°5 do mesmo artigo , impõe a inalterabilidade de tal qualificação face a eventual vontade qualificatória do autor da sucessão em considerar o usufrutuário como herdeiro.
A posição que veio a prevalecer foi a de considerar o usufrutuário como legatário, admitindo-se, contudo, que, num ou noutro ponto, a lei lhe possa atribuir o regime da herança.
É, efectivamente, o usufrutuário de herança não sucede na totalidade ou numa quota do património hereditário mas apenas adquire ''mortis causa ''um direito (e, recorde-se os direitos são coisas jurídicas nos termos art. 202.° do CC) determinado, que embora possa abranger o direito de propriedade indeterminado de bens, não abrange o direito de propriedade sobre a raiz desses bens, adquirindo pois o usufrutuário um certo direito (de usufruto) com exclusão de quaisquer outros direitos (ou coisas). Além de que, adquire apenas um direito com caracter precário, que se extinguir com a sua morte nos termos do art.1443.°do CC.
Em conclusão, o usufrutuário, mesmo que da totalidade ou de quota do património hereditário, é considerado, face ao n.°4 do artigo 2030.°CC, como legatário, para a generalidade dos efeitos decorrentes de tal qualificação. Simplesmente, e até como na comissão Revisora se admitiu, pode haver situações particulares em que a lei trate o usufrutuário da totalidade ou de quota do património hereditário como herdeiro para certos efeitos jurídicos restritos. É o que parece dever entender-se, com Pereira Coelho, no que concerne à legitimidade do usufrutuário de quota da herança para requerer inventário (n.°1 do artigo 2052.°do CC), e à obrigatoriedade de aceitação a benefício do inventário do usufruto de quota de herança quanto deferido a menor, interdito, inabilitado ou pessoa colectiva (n.°1 do artigo 2053.° e n.°2 do artigo 2102°do CC). Embora tais artigos se refiram a ''herança'' e a ''herdeiro'', o certo é que desde logo o artigo 2249.°do CC manda tornar extensivo aos legados, no que lhes for aplicável, e com as necessárias adaptações, o disposto sobre aceitação e repúdio da herança e o n.°2 do artigo 1326 do CPC preceitua, quanto ao inventário facultativo, que este pode ser requerido pelas pessoas directamente interessadas na partilha. Ora, o usufrutuário de quota de herança é interessado na partilha e como pode ser muito prejudicado com ela, é um interessado directo, pelo que deve ter legitimidade para requerer o inventário facultativo e deverá ser obrigatória a aceitação a benefício de inventário quanto ele se encontre numa das situações descritas no n.°1 do artigo 2053.°do CC, tendo então o Ministério Público legitimidade para requerer o inventário obrigatório, nos termos da parte final do n.°2 do artigo 1326°do CPC.
Legados de coisa genérica e legados alternativos
De acordo com o artigo 2253.°do CC ‘‘é valido o legado de coisa indeterminada de certo género, ainda que nenhuma coisa deste género se encontrasse no património do testador à data do testamento e nenhuma ai se encontre à data da sua morte, salvo se o testador fizer a declaração prevista no artigo seguinte'' .
Por sua vez, face ao artigo 2267° do CC, ''os legados alternativos estão sujeitos ao regime, devidamente adaptado, das obrigações alternativas'' sendo por isso igualmente válidos e compreendendo, nos termos do n.°1 do artigo 543°do CC, duas ou mais prestações , mas em que o devedor se exonera efectuando aquela que , por escolha , vier a ser designada. São situações em que não existe a especificação das coisas no momento da designação sucessória , só se concretizando com a escolha após a abertura e a aceitação sucessórias, mas em que , desde logo e em todo o caso, existe prévia determinação dos bens , nos quais se sucede com exclusão dos outros bens , pelo que estamos perante casos de legado.
Legado de todos os móveis ou de todos os imoveis
Quando o autor da sucessão, deixa, por testamento ou doação mortis causa, a outrem os seus móveis (artigo 205.°do CC) ou todos os seus imoveis (artigo. 204 do CC), normalmente a sua intenção é deixar a tal pessoa apenas cada uma dessas categorias de bens, com exclusão dos outros bens. As coisas deixadas, embora não especificadas, são determinadas, pelo que estamos face a legados.
Diferentemente se podem passar as coisas se o autor da sucessão dispõe de todos os seus imoveis para outra. Aí estaremos caídos no problema da interpretação da vontade negocial e tudo se resumirá a saber se, na intenção do testador (na sucessão testamentária) ou face às declarações de vontade das partes (na sucessão testamentária) ou face às declarações de vontade das partes (na sucessão contratual), houve ou não a intenção de instituir os sucessíveis em quotas de herança ou apenas em certas categorias de bens determinados, com exclusão de outros bens. É um problema análogo ao da instituição de herdeiro ex re certa, para cujas soluções remetemos.
Legado em substituição de quota
Os mais frequentes são os legados em substituição da quota legitimária admitidos nos n.°1 e 2 (parte inicial ) do artigo 2165.°do CC, segundo os quais ''pode o autor da sucessão deixar um legado ao herdeiro legitimário em substituição da legitima'' e ''a aceitação expressa ou tácita do herdeiro legitimário, que pode declarar expressamente que repudia o legado (parte final do n.°2 do artigo 2165.°do CC), só se tendo por aceite o legado, fora dos casos de aceitação expressa e do repúdio expresso ou tácito, caso o herdeiro seja notificados nos termos do n.°1 do artigo 2049.°do CC e nada declarar (n.°3 do artigo 2165° do CC).
Mas também poderá acontecer que o autor da sucessão nomeie legados, por testamento ou disposição mortis causa, de forma a substituir por sua expressa vontade a quota que um mero sucessível legal fosse chamado a suceder na ausência de sua disposição voluntária (artigo 2131.° do CC).
Neste caso, porém, o legatário testamentário em substituição de quota em sucessão meramente legitima não pode optar entre a aceitação ou não legado e a aceitação ou da herança, uma vez que a disposição testamentária em causa elimina a possibilidade de se verificar quanto a ele a ocorrência de vocação hereditária e não se verificam os pressupostos da sucessão legitimária.
Estamos aqui perante situações diferentes dos casos de legados por conta de quota legitimaria ou de quota em sucessão legitima porque, nestes últimos casos, como vimos, a intenção do testador, permanece em atribuir uma quota-parte da herança, enquanto nos legados em substituição de quota, o direito à quota da herança desaparece em caso de aceitação ou perfeição do legado, em sua substituição.
Estrutura da herança e legado
Conhecido o conceito de herança e de legado, sabido qual é o critério legal de distinção entre duas figuras jurídicas, e verificadas as situações que poderão suscitar duvidas, quanto á sua qualificação, está-se assim em condições de compreender melhor qual é a estrutura da herança e do legado.
No que concerne a esta questão sempre se terá, contudo, de ter presente a posição que defende cada uma das duas correntes doutrinais, acerca do conceito de sucessão por morte, uma vez que, tanto a primeira figura jurídica, como a segunda, têm ambas a ver co o fenómeno sucessório.
Para autores como o Prof. Galvão Telles, que entendem a sucessão como uma transmissão de direitos, ou seja, que equiparam sucessão a aquisição de direitos, naturalmente, consideram não haver grande distinção entre herança e legado, no que respeita à sua estrutura.
Apreciando a referida questão nesta perspectiva, ter-se-á de concluir que herança e legado são, estruturalmente, aquisição.
Já, pelo contrário, para os autores que defendem o ponto de vista, de que sucessão não é o mesmo que transmissão ou aquisição, herança e legado têm de ser entendidas como figuras jurídicas distintas, no que toca à sua estrutura. Assim, parta tais autores, entre os quais se inclui o Prof, Pereira Coelho, quanto à sua estrutura a herança é sucessão, e enquanto o legado, estruturalmente, é aquisição.
Na sucessão linha doutrinária se situa igualmente o Prof. Oliveira Ascensão. Dai que se compreenda, no dizer de Pereira Coelho que, o processo técnico mediante o qual se opera a sucessão universal seja ainda hoje o mesmo que era no direito romano: a substituição de um sujeito por outro na titularidade de certas relações jurídicas.
Função da herança e do legado
Quanto à questão da função da herança e do legado e sua distinção, ela pressupõe que, previamente, se tenha tomado também posição, quanto às correntes referidas no ponto anterior.
Pois, conforme a posição assumida, assim se terá de perspectivar, pelo menos em parte menos em parte, qual seja a função de uma e da outra figura. E, diz-se em parte, tendo em conta que, embora o resultado final a que, eventualidade, se chegue possa ser idêntico, no entanto, a posição de partida sempre terá sido diferente, na medida em que para uns autores, pelo contrário, a herança se liga ao sistema de sucessão patrimonial.
Para autores que defendem esta ultima posição, como o Prof. Galvão Telles, tanto o herdeiro como o legatário são adquirentes de património. A diferença entre um e outro assenta, contudo no facto de que o herdeiro é ''um adquirente do património como unidade'', ou seja, o herdeiro é um adquirente de uma universalidade patrimonial, ao passo que o legatário é um adquirente de uma singularidade.
No entanto, quanto à função da herança e o legado, de certa maneira, estes autores estão em consonância com aqueles outros, que perfilham entendimento diferente, no que respeita à estrutura das referidas figuras jurídicas.
De facto, o Prof. Galvão Telles diz, a este propósito, que o herdeiro não só é um adquirente do património como unidade, como é também, sempre um continuador dessa unidade.
Ora, os autores que associam a herança a um sistema de sucessão pessoal, como o Prof. Pereira Coelho, entendem que à herança está reservado um interesse essencialmente objectivo, que se destina a dar continuidade às relações que devam perdurar para além da morte do seu titular, ou seja, o interesse social de que haja alguém que, subingressando na posição jurídica do de cujus, dê continuidade às relações jurídicas de que aquele era titular.
Como se vê, em ambas as correntes há uma identidade de pontos de vista quanto à função da herança, pois que para que as duas correntes a herança tem por finalidade dar continuidade a direitos ou relações jurídicas.
No entender de Pereira Coelho diferente é a situação no que diz respeito ao legado, pois a este está reservado um interesse subjectivo, ou seja, um interesse pessoal do de cujus ou das pessoas indicadas pela lei.
Neste último caso, por forma a satisfazer interesses pessoais do autor da sucessão , está-lhe atribuída a possibilidade de alienar a posição jurídica de quem, em princípio , lhe sucederia, praticando liberalidades económicas a favor de outra pessoa. E, quanto à função do legado, o Prof. Galvão Telles não se distancia muitos desta anterior concepção , ao considerar o legatário como um sucessor particular do de cujus.
Regime jurídico da herança e do legado
Com a estrutura da herança e função da herança e legado, de certo modo, relaciona-se também o regime jurídico de uma e outra figura. Como já tivemos oportunidade de constatar, há diferença assináveis entre herança e legado.
No entanto, para certos e determinados aspectos, estas duas figuras são tratadas de modo igual pelo CC, designadamente, no que toca à caducidade da instituição de herdeiro e da nomeação de legatário e à sucessão da posse, situações essas que se acham reguladas, respectivamente, nos artigos 2318° e 1255°, daquele mesmo Código.
Naturalmente que, no caso especifico das situações agora referidas, o facto da lei as tratar de modo igual tem inevitáveis reflexos, no que respeita ao respectivo regime jurídico. No primeiro caso, como se pode verificar do preceituado pelo n.°1 do artigo 2318° do CC, o regime jurídico consagrado pela lei é igual, tanto para a herança, como para o legado.
Em ambas as situações o direito caducará, se o testador, à data da instituição ou da nomeação, ignorava a existência de descendentes seus, nascidos ou concebidos, e se lhe sobreviver algum desses descendentes e estes aceitar a herança.
No segundo caso, no que respeita ao regime jurídico da sucessão da posse, a lei também não estabelece nenhum tratamento diferenciado entre a herança e o legado.
Direito de exigir partilha
Este é um direito que, a lei, apenas reconhece aos herdeiros. De facto, o n.°1 do artigo 2101°do CC, dispõe expressamente que, qualquer co-herdeiro ou cônjuge meeiro tem direito de exigir partilha quando lhe aprouver, o que é confirmado também pelo n.°2 do artigo 1326°do CPC, ao dizer que, ''o inventário pode ser requerido pelas pessoas directamente interessadas na partilha..
E, bem se compreende que assim seja, uma vez que não sendo atribuído aos herdeiros bens determinados, forçosamente que estes têm direito, ou seja, que lhes pertence. Pelo contrário, como os legatários esta situação não se coloca, tendo em conta que estes, desde o início do fenómeno sucessório, conhecem os bens que, concretamente, lhes foram atribuídos, porquanto a que têm direito, ou seja lhes pertence.
Esta será, naturalmente, razão de fundo que terá determinado a posição assumida pelo legislador, ao consagrar o princípio referido no n°1 do artigo 2101°do CC.
Ainda a propósito desta mesma questão, interessará não confundir o direito de exigir a partilha com o direito de exigir a divisão, direito este reconhecido, pela lei, aos comproprietários, conforme se extrai do disposto pelo artigo 1412°do CC.
À primeira vista poderia ser-se levado a crer que se estaria perante figuras semelhantes. Mas, se atentar para uma e outra figuras, com a devida atenção, logo se entenderá que trata de situações bem diferenciadas. No caso do direito de exigir partilha, está – lhe subjacente o interesse de tornar certo e determinado um conjunto patrimonial, que no inicio se apresentava completamente indeterminado.
Dai que aceite que este direito seja, pela lei, reconhecido apenas aos herdeiros.
Ao contrario, o direito de exigir a divisão respeita, mais concertadamente, a bens certos e determinados que, porém, se acham em situação de indivisibilidade. E , neste caso, porque se está em presença de bens determinados, compreende-se que a lei reconhece aos legatários o direito de fazer cessar a indivisibilidade, não já na posição jurídica de legatários, mas sim por se lhes reconhecer a posição de comproprietário , conforme o estatuído pelo n.°1412°do CC.
No entanto, deve ter-se em atenção que os herdeiros também se podem ver colocados na posição de comproprietários em relação a certos bens ou a grupos de bens. Quando tal se verifique, de igual modo, a lei lhes reconhece o direito de exigir a divisão. Todavia, esta situação só poderá ocorrer em momento completamente distinto do que em relação aos legatários , se tiver em conta o desenvolvimento do fenómeno sucessório. O direito de exigir a partilha está intimamente relacionada com o momento da liquidação da herança, mais precisamente com a partilha do património hereditário, de modo a possibilitar o ingresso de cada sucessível na titularidade das relações jurídico-patrimoniais, que pertence ao de cujus.
Portanto , trata-se de uma fase do processo de devolução sucessória prévia ao completo ingresso na titularidade das relações jurídicas. No que toca ao direito de exigir a divisão, pelo contrário, pressupõe-se que o fenómeno sucessório já chegou ao seu final, ou seja, já se devolveu o património aos sucessíveis, de que era titular o autor da sucessão. E compreensível se mostra que assim seja, na medida em que, para se poder estar investido, de forma plena, na posição de comproprietário, no caso da sucessão, exige-se que já tenha operado o ingresso dos sucessíveis na titularidade das relações jurídico – patrimoniais que pertenciam ao de cujus.
Responsabilidade pelos encargos da herança
Esta acha-se devidamente regulada no CC. Na verdade, o artigo 2068°do CC estabelece que, ‘‘a herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágio do seu autor, com os encargos com a testamentária, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido, e pelo cumprimento dos legados.
Como se pode ver deste preceito legal, o herdeiro não só responde pelas dividas do autor da herança, como também pelas despesas relacionadas com o funeral, missas e outras cerimónias fúnebres, bem como ainda com ainda as relativas à administração e liquidação do património. É verdade que o herdeiro responde por todos estes encargos, mas só dentro do limite das forcas da herança, isto é, ate onde o património hereditário puder suportar as respectivas despensas, encargos e dividas, como diziam os latinos ''intra virs hereditartis''.
De facto, o artigo 2071°do CC prescreve em que termos se estabelece a responsabilidade do herdeiro. A propósito da responsabilidade deste tipo de sucessível, importa destacar, porém, que não competirá ou competirá ao herdeiro provar que não existem outros bens da herança, que possam responder pelos seus encargos, conforme a herança, seja aceite a benefício de inventário ou aceite pura e simplesmente. Principio este que se retira, de forma expressa, do consignado nos n.°s 1 e 2 do artigo 2071° do CC. Já no que toca ao legatário, a situação é bem diversa, pois este só responde pelos encargos da herança, dentro dos limites da coisa que lhe foi legada, conforme resulta do disposto pelo n°1 do artigo 2276.° do CC, lhe foi legada, conforme resulta do disposto pelo n.°1 do artigo 2278°do CC.
Portanto o legatário não responde pelos encargos da herança, mas antes pelos encargos do legado. No entanto, duas excepções se verificam relativamente a está regra ou princípio geral.
A primeira acha-se prevista no artigo 2227°do CC, ao estabelecer que , ''se a herança por distribuída em legados ,são os encargos dela suportados por todos os legatários em proporção dos seus legados , excepto se o testador houver disposto outra coisa''.
Supomos que se trata de situação de fácil compreensão , uma vez que, não existindo herdeiro ou herdeiros, forçoso se torna que os credores do de cujus se tenham de dirigir aos legatários ,para poderem ver satisfeitos os seus créditos. Como se pode concluir , havendo encargos da herança a solver , não existindo herdeiros, compreensível se torna que por eles respondam os legatários , enquanto também sucessíveis do de cujus.
A segunda excepção verifica-se quando, havendo herdeiro ou herdeiros, os bens da herança, a excluídos os legados, não se mostrarem suficientes para garantir o pagamento dos encargos hereditários. Aliás, a corroborar claramente esta asserção, encontramos a regra fixada pelo artigo 2278°do CC, segundo a qual, se os bens da herança não chegarem para cobrir os legados, são pagos rateadamente, exceptuam-se os legados remuneratórios, os quais são considerados como dividas da herança. Assim sendo, que se tenha de concluir que, num caso desta natureza, o legado responde também pelos encargos da herança.
Direito de acrescer
Há direito de acrescer, em geral, quando nos termos dos artis. 2137.°, n.°2 e 2301 e 2302, sendo chamados vários sucessíveis um deles não queira ou não possa aceitar a sucessão pelo que, se não houver lugar de acordo com os artigos 2138.°e 2304.° a direito de representação , a outra forma de devolução sucessória ou a inereditabilidade do objecto sucessório em causa a que foi chamado acresce a outros sucessíveis com uma relação mais intima com tal objecto.
Os herdeiros têm um direito de acrescer bastante amplo. Assim, e quanto aos herdeiros legais prevê-se no n.°2 do artigo 2137.° do CC, que , se porem , apenas algum ou alguns dos sucessores não puderem ou não quiserem aceitar a sua parte acrescerá à dos outros sucessíveis da mesma classe que com eles concorram à herança . Também os herdeiros testamentários têm um direito de acrescer dotado de grande amplitude e forca expansiva, uma vez que de acordo com o n. °1 do artigo 2301 do CC, ''se dois ou mais herdeiros forem instituídos em partes iguais em totalidade ou numa quota dos bens, seja ou não conjunta a instituição e algum deles não puder ou não quiser aceitar a herança , acrescerá a sua parte à dos outros herdeiros instituídos na totalidade ou na quota.''
Diferentemente sucede quanto aos legatários. Estes, na sequência do facto de sucederem em bens determinados com exclusão de outros bens, só têm direito de acrescer relativamente à coisa que é objecto do seu próprio legado, como decorre do n.°1 do artigo 2302.° do CC, segundo o qual há direito de acrescer entre os legatários que tenham sido nomeados em relação ao mesmo objecto seja ou não conjunta a nomeação.
Exemplos: A deixa por testamento um prédio rústico de 12 hectares em compropriedade e em partes iguais a 4 sobrinhos (nomeação conjunta) ou esse mesmo prédio rústico aos mesmos 4 sobrinhos mas declarando que deixava a cada um deles três hectares que logo delitimou (nomeação singular não conjunta). Se um dos sobrinhos repudia o legado, a sua quarta parte no prédio ou a parte do prédio a que fora chamado vai acrescer aos outros 3 legatários. Porém, se outros legatários relativamente a outras coisas ou um herdeiro não quiserem ou não puderem aceitar a sucessão nem por isso esses três legatários, que acabam por receber todo o prédio rústico, poderão vir a suceder, como tais, em quaisquer outros bens, cingindo – se pois o seu acrescer ao bem determinado em que são chamados a suceder.
Inoponibilidade de termo inicial à instituição de herdeiro
Sobre este assunto estabelece o artigo 2243° do CC:
No n.º 1, ''o testador pode sujeitar a nomeação do legatário a termo inicial, mas este apenas suspende a execução da disposição, não impedindo que o nomeado adquira o direito ao legado''. E, no n.º2 , ''A declaração do termo inicial na instituição de herdeiro , e bem assim a declaração de termo final tanto na instituição de herdeiro como na nomeação de legatário , têm-se por não escritas, excepto, quanto a esta nomeação , se a disposição versar sobre direito temporário''.
Resulta assim evidente que, em conformidade com o que preceitua o n.°2 daquela disposição legal, não é permitida a aponibilidade de termo , quer inicial, quer final, na instituição de herdeiro. Quando ao legatário, a lei permite sempre a aponibilidade de termo final, esta só é admitida quanto o legado incida sobre direito temporário.
Exemplo de direito temporário, será, entre outros, o direito de usufruto. Reparar-se que a consequência jurídica da violação do princípio estabelecido pelo artigo 2243.° do CC, consistirá em se considerar como não escrita a respectiva cláusula testamentária.
Como por exemplo de aponibilidade de termo podem apresentar – se os seguintes:
A institui B, como seu herdeiro, mas só quando vier a perfizer 21 anos de idade;
B nomeia C, como legatário, mas apenas o será se e quando vier a ter um filho. Iremos apreciar, de seguida, uma última questão relativa ao regime jurídico da herança e do legado.
75. Direito de preferência na venda da herança
A este respeito, de forma expressa, afirma-se na lei, no n.°1 do artigo 2130° do CC, quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário , os co-herdeiros gozam do direito de ´preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários''. Decorre daqui que a lei concede aos herdeiros, e só a eles, o direito de preferência na venda da herança.
Daquele mesmo preceito legal, é também possível concluir que, para operar o direito de preferência, é necessária a verificação de dois requisitos, a saber:
Que o adquirente do quinhão hereditário seja uma terceira pessoa e que se trate de alienação a título oneroso.
Pressupostos estes que têm de se verificar cumulativamente. Por outro lado, importa ainda reter que a lei, ao aplicar à venda da herança o regime da compropriedade, não pretende com isso reconhecer os co-herdeiros, como compropriedade.
A este mesmo propósito, deve ter-se também presente que a compropriedade incide sobre bens determinados, ao invés da herança que abrange bens indeterminados.
No que respeita ao legatário, já a situação é diferente. No caso do legado, só poderá operar de preferência entre co-legatários, que tenham sido nomeados sobre o mesmo bem ou coisa. Quando tal acontecer, uma vez aberta a sucessão, se um deles quiser vender a sua quota indivisa, os restantes co-legatários já poderão exercer o direito de preferência, na medida em que se está em presença de verdadeira compropriedade, conforme ressalta do n.°1 do artigo 1409° do CC.
Assim sendo, e por consequência, importará reter que o legatário não detém qualquer direito de preferência em relação ao restante património hereditário, ou mesmo relativamente a outros legados.
Exemplificando esta questão:
A atribui a B, C e D o seu estabelecimento comercial. Aberta a sucessão de A, C pretende vender a E, sua quota-parte no legado. Neste caso, os co-legatários B e C poderão exercer o direito de preferência relativamente à alienação que C pretende efectuar, uma vez que se trata de situação equivalente à de compropriedade.
Para outros efeitos
Mas, a distinção entre herdeiro e legatário releva ainda para outros efeitos. Nomeadamente, só herdeiros, e já não os legatários, estão sujeitos às sanções por sonegação de bens da herança previstas no art.2096° CC, só aqueles gozam do direito de aceitar ou repudiar heranças de sucessíveis chamados a herança sem a haver aceitado ou repudiado (art. 2058°, n.°1, CC), só os herdeiros têm legitimidade para requerer providências face aos direitos de personalidade de pessoas falecidas (art.71°, n.°2, do CC) e é prioritariamente sobre os herdeiros que, face aos legatários, são reduzidas as liberalidades testamentárias inoficiosas (art. 2171.° do CC).
Sucessão Testamentária
No n.1 do art. 2179°
do C.C define testamento como sendo o acto unilateral e revogável do qual
alguém dispõe, para depois da sua morte, de todos os seus bens ou de parte
deles.
Trata-se como se
pode concluir, de uma noção imperfeita , na medida em que, por testamento , se poderá dispor não só de bens,
mas também de direitos ou coisas não patrimoniais.
Tenha-se presente
que, por meio do testamento, o autor da sucessão podee nomeadamente:
Ø Confessar-n.4
do art 358;
Ø Perfilhar-alínea
c) do art 1830 do C.C
Ø Designar
tutor-n. 3 do art 1928 do C.C
Ø Reabiltar
um indigno-n.1 do art 2028 do C.C
Ø Revogar
o testamento-art 2312 do C.C, etc.
Um outro exemplo de
disposição testamentária incidindo sobre direito, que não reveste natureza
patrimonial, poderá ser caso em que o autor da sucessão, no seu testamento,
deixa a favor de uma fundação os direitos morais respeitantes a direitos de
autor , que possui em relação a uma sua obra literária.
Caracteres
ü O testamento é um
negócio individual, porque a lei, no art 2181° do C.C, não permite a existência
de testamentos de mão comum.
Por
testamento de mão comum deve entender –se aquele em que intervêm duas ou mais
pessoas fazendo disposições em proveito recíproco ou dispondo a favor de
terceiros.
É sabido
que comummente os cônjuges procuram dispôr entre si dos bens que possuem , mas
, quando assim pretenderem proceder , então cada um deles terá de fazer o seu
próprio testamento , para se poderem conformar com o que determina a lei.
Ø O testamento é um
negócio Mortis Causa
Trata-se assim de um negócio jurídico
para produzir efeitos para depois da morte.
Quando se fala num negócio jurídico que apenas produz efeitos para além
da morte, tem-se presente um duplo sentido , na medida em que abrange não só o
testador, como também os seus beneficiários (herdeiros e legatários).
Ø O testamento é um
negócio formal
Diz –se que o
testamento é um negócio formal, porque está sujeito a determida forma.
As formas comuns
(testament público e testamento cerrado), acham-se reguladas nos arts 2204.° e
2209° do C.C, e as formas especiais mostram –se tratadas nos arts 2210.° e
seguintes daquele mesmo Código.
Vocação Originária e Subsequente
Tal como vocação
ou chamamento tanto pode acontecer no próprio momento da abertura da sucessão,
como no momento posterior. Tendo em conta esse facto, por vocação originária
designa-se a que se efectua no momento da abertura da sucessão , e por vocação
subsequente entende-se a que ocorre em momento posterior ao da abertura
da sucessão.
A vocação
subsequente está prevista no n° 2 do art 2032° do C.C.
Exemplo típico de vocação subsequente ocorre no
caso de se verficar a situação de repúdio da herança. Neste caso, quando aos
primeiros sucessíveis não quiseram aceitar a herança, serão chamados
subsequentemente os seguintes. Significa iso que serão chamados os sucessíveis
de grau seguinte dentro da mesma classe, e esgotada esta passar-se-á depois à
classe subsequente , e assim sucessivamente.
Bibliografia
-Direito das sucessões-F.M. Pereira Colho-Editora Almedina, 1974;
-Direito das Sucessões, Noções Fundamentais-I. Galvão Telles – Coimbra Editora, 1980;
-Direito civil-sucessões-Prof. Oliveira Ascensão-Coimbra Editora-1980;
-Sangramento, Luís Filipe, Do Amaral, Aires José. Direito das Sucessões-2ᵅ Edição revista e aumentada. Editor: Livraria Universitária, UEM. Maputo, 1997.
http://direitomozeam.blogspot.com/p/blog-page_4.html
http://direitomozeam.blogspot.com/p/blog-page_4.html
Legislação
-Código Civil
-Código de Processo Civil
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