Apontamentos de Direitos das Obrigações

                                                                                                                          Elaborado por: Emilio Abner Mavie



A relação obrigacional é constituída, no mínimo, por duas partes: sujeito activo (credor) e o sujeito passivo (devedor). A obrigação terá como objecto a prestação (acção ou omissão) do devedor para com o credor. Essa relação, ainda é vista como uma submissão a uma regra de conduta, onde a autoridade é reconhecida ou forçosamente se impõe.

O vínculo da relação obrigacional se divide em duas partes: débito e responsabilidade. O débito é a prestação a ser realizada pelo devedor. A responsabilidade é a garantia do adimplemento, a tutela jurídica, isto é, são os meios que o credor possui para exigir o cumprimento da prestação.

O direito das obrigações, todavia, emprega o referido vocábulo em sentido mais restrito, compreendendo apenas aqueles vínculos de conteúdo patrimonial, que se estabelecem de pessoa a pessoa, colocando-as, uma em face da outra, como credora e devedora, de tal modo que uma esteja na situação de poder exigir a prestação, e a outra, na contingência de cumpri-la. (João Franzen de Lima, Curso de direito civil brasileiro, v. II, t. I, p. 14; Roberto de Ruggiero, Instituições de direito civil, v. III, p. 3-4; Clóvis Beviláqua, Direito das obrigações, p. 12.)

O conceito clássico de Obrigação, para Washington de Barros Monteiro, diz que: “obrigação é a relação jurídica, de carácter transitório, estabelecida entre o devedor e o credor e cujo objecto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio”.

Características

Dentro das características das obrigações, temos:

Coercitividade ou jurisdicidade: relação intersubjetiva entre os sujeitos qualificada pela lei.
Transitoriedade: é transitório, de modo que ela existe para se extinguir; o cumprimento do dever jurídico exerce a relação entre as partes. O fim natural da obrigação é o adimplemento (pagamento).
Relatividade: o direito só é exercido em face em face do dever do outro. A relação jurídica é estabelecida e gera efeitos entre os seus participantes.
Pessoalidade: Uma obrigação é devida de uma pessoa específica para uma pessoa ou mais pessoas. As obrigações são pessoais, são entendidas como pagamentos ou débitos e podem ser renunciadas.
Economicidade: de modo, que sirva para produzir ou circular riquezas.
Patrimonialidade: o devedor responde por suas obrigações com o seu patrimônio, garantido pelo credor. Respondem os bens presentes e futuros do devedor. A obrigação deve ser avaliável em dinheiro ou em valor (conteúdo econômico).

Diferença entre deveres jurídicos, obrigações, direitos potestativos e ônus;

O conceito de dever jurídico, em regra geral, encontra-se inserido no conceito amplo de obrigação. O Dever jurídico trata-se da necessidade de comportar-se de certa maneira. Contrapõe-se ao direito subjetivo. O seu desrespeito gera consequências amplas para aquele que o descumpriu e para a outra parte. O autor baiano, Orlando Gomes, define dever jurídico como: “a necessidade que corre a todo o indivíduo as ordens ou comandos do ordenamento jurídico, sob pena de incorrer numa sanção, como o dever universal de não perturbar o direito do proprietário” (Obrigações..., 1997, p. 6). Como por exemplo o comprador está obrigado a pagar o preço; o inquilino se acha obrigado a conservar o imóvel locado e a restituí-lo ao locador, findo o contrato e etc. Sendo assim, o dever jurídico relaciona-se com todas as obrigações de natureza real, além dos variados ramos jurídicos.

Já a obrigação possui caráter transitório que, muitas vezes, não é observado no dever jurídico. Segundo Giselda Hironaka e Renato Franco “em sentido mais estrito, situar-se-á a ideia de obrigação, referindo-se apenas ao dever oriundo à relação jurídica creditória (pessoal, obrigacional). Mas não apenas isto. Na obrigação, em correspondência a este dever jurídico de prestar (do devedor), estará o direito subjetivo à prestação (do credor), direito este que, se violado – se ocorrer a inadimplência por parte do devedor –, admitirá, ao seu titular (o credor), buscar no patrimônio do responsável pela inexecução (o devedor) o necessário à satisfação compulsória do seu crédito, ou à reparação do dano causado, se este for o caso” (Direito das obrigações..., 2008, v. 2, p. 32).

Por outro lado, o ônus dá a ideia de fardo, encargo. Deve atender apenas a própria vontade e não a vontade alheia, ou seja, o sujeito age de certo modo em prol dos interesses particulares. Não atendido o ônus, as consequências serão somente para a parte relacionada ao instituto.
O ônus é, por isso, o comportamento necessário para conseguir-se certo resultado, que a lei não impõe, apenas faculta.

Já o direito potestativo é definido por Francisco Amaral “é o poder que a pessoa tem de influir na esfera jurídica de outrem, sem que este possa fazer algo que não se sujeitar”. Em outras palavras, a parte não sujeitou-se ao poder do titular do direito potestativo, mas o exercício do poder por este titular fará com que o sujeito seja responsabilizado às consequências advindas da alteração produzida, em sua própria esfera jurídica.

Direitos obrigacionais e direitos reais

Os direitos reais são também conhecidos como direitos das coisas, representa uma ligação entre o indivíduo e a coisa que a ele pertence. O poder direto e imediato sobre determinado objeto, ao qual é chamado de direito real. Dessa maneira, o direito real conta como elementos o sujeito ativo, a coisa e o poder do titular sobre a coisa[1].

Já os direitos obrigacionais consistem numa relação entre dois sujeitos, aquele que tem o poder de exigir (ativo) e aquele que deve cumprir (passivo). O credor, sujeito ativo, tem o poder de exigir o cumprimento da obrigação e, caso essa não seja cumprida, possui o direito de recorrer a esfera judicial.

As principais divergências entre os direitos reais e os direitos obrigacionais são:

Inerência - No caso dos direitos reais o sujeito fica ligado a coisa, ao objeto, sem a necessidade de outro sujeito. Já no direito obrigacional a ligação é entre os sujeitos, ativo e passivo.
Absolutismo- No direito real, o poder do titular sobre o objeto tem efeito erga omnes, enquanto no direito obrigacional é relativo;
Perpetuidade- Os direitos reais não extinguem-se. Já os obrigacionais possuem caráter transitório, ou seja, uma vez que a obrigação for cumprida ela se extingue.
Legalidade- Os direitos reais são criados apenas por lei. Já os obrigacionais podem ser criados de acordo com a vontade das partes.
Publicidade- Os direitos reais devem ser conhecidos, ou pelo ao menos presumidos pela sociedade. Os direitos obrigacionais não exigem essa visibilidade, pois eles vinculam apenas os sujeitos da relação bastando apenas um acordo de vontades.

Elementos das obrigações

As obrigações são constituídas de elementos subjectivos, objectivos e de um vínculo jurídico.

Elemento subjectivo: formado pelos envolvidos: credor (sujeito activo) e devedor (sujeito passivo).

Elemento objectivo da obrigação: objecto imediato e mediato da obrigação: O objecto da obrigação se caracteriza por ser uma conduta ou ato humano, sendo chamado de prestação, podendo ser positiva (dar e fazer) ou negativa (não fazer), logo a prestação é o objecto imediato da obrigação. A prestação consiste, em regra, numa actividade ou numa acção do devedor (entregar uma coisa, realizar uma obra, patrocinar alguém numa causa, transportar alguns móveis, transmitir um crédito, dar certo número de lições, etc.). Mas também pode consistir numa abstenção, permissão ou omissão (obrigação de não abrir estabelecimentos de certo ramo do comércio na mesma rua ou na mesma localidade; obrigação de não usar a coisa recebida em depósito; obrigação de não fazer escavações que provoquem o desmoronamento do prédio vizinho). A prestação é o fulcro da obrigação, é o seu alvo prático. Distingue-se do dever geral de abstenção próprio dos direitos reais, porque o dever jurídico de prestar é um dever específico (que apenas atinge o devedor), enquanto o dever geral de abstenção é um dever genérico, que abrange todos os não titulares do direito (real ou de personalidade). (ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações..., 2005, v. 1, p. 78-79). Se observarmos a actividade de compra e venda notamos que o objecto imediato dessa obrigação de dar é a entrega da coisa, essa é a prestação, o objecto imediato da prestação é a própria coisa que será entregue, logo o objecto mediato da obrigação. Na obrigação de dar o objecto mediato da obrigação é a própria coisa, na obrigação de fazer esse objecto é a obra ou serviço encomendado. Para que a obrigação seja válida seu objecto imediato deve obedecer alguns requisitos devendo ser lícito, possível, determinável ou determinado, e ser, também, economicamente apreciável, essa economicidade se deve ao fato que “o interesse do credor pode ser patrimonial, mas a prestação deve ser susceptível de avaliação em dinheiro”, esse conceito é exposto também no Código Civil italiano. Alguns doutrinadores discordam da necessidade de economicidade da prestação, no entanto, mesmo quando não há valor económico para a prestação cabe ao juiz, como nos casos de reparação de danos, um valor que se equivalha a acção, como exemplo observamos a indemnização por dano moral. Portanto, o objecto mediato da obrigação é o objecto imediato da prestação, que pode ser uma coisa ou tarefa a ser feita, variando de acordo com o tipo de obrigação.
vínculo jurídico: determinação que sujeita o devedor a cumprir determinada prestação em favor do credor.

Classificações das obrigações
Quanto aos vínculos

Obrigação moral: Baseada nos fundamentos morais, cabe ao individuo fazê-la ou não, mediante os seus princípios, não podendo ele sofrer nenhum tipo de sanção caso não cumpra esta obrigação

Obrigação civil - É a que permite que seu cumprimento seja exigido pelo próprio credor, mediante ação judicial.

Obrigação Natural - Neste tipo de obrigação existe a dívida, mas não existe a responsabilidade de pagamento. Ou seja, permite que o devedor não cumpra a obrigação e não dá direito ao credor de exigir sua prestação. Entretanto, se o devedor realizar o pagamento da obrigação, não terá o direito de requerê-la novamente, pois não cabe o pedido de restituição. Caso o devedor seja coagido a pagar a prestação, este poderá requerer de volta o quantitativo pago[2].

Quanto a natureza de seu objecto

Obrigação de dar: Pode ser coisa certa ou incerta. No primeiro caso, o devedor não pode trocar a coisa contratada por outra; no segundo caso a coisa é determinada pelo gênero e quantidade, cabendo a escolha ao devedor, se o contrário não decorrer do contrato. Quando realizada a escolha, passa a ser tratada como uma obrigação de dar coisa certa.
Dar a coisa certa - A coisa certa é perfeitamente identificada e individualizada em suas características. É quando em sua identificação houver indicação da quantidade do gênero e de sua individualização que a torne única.
Dar a coisa incerta - Quando a especificação da coisa não é dada de uma primeiro momento, porém género e quantidade são determinados (por exemplo: entrega de 20 cavalos. Não se determinou a raça específica mas o género - cavalos - e quantidade - 20).
Restituir - É a devolução da posse da coisa emprestada.


Obrigação de fazer: O devedor tem a obrigação de fazer um ato que a ele foi imposto. Porém esse tipo de obrigação se divide em duas partes:
Obrigação de fazer fungível ou substituível: Neste tipo, a obrigação pode ser feita por qualquer pessoa que possua a mesma habilidade da pessoa devedora. (ex: pintar uma casa).
Obrigação de fazer não fungível ou personalíssima: Essa obrigação só poderá ser feita por uma pessoa específica, não podendo outra pessoa substituí-la.

Observação: Se em cada um desses casos, o devedor não puder realizar a obrigação por motivos culposos (sem culpa), ele ficará isento e a obrigação será dada como resolvida. Porém se ele não cumprir a obrigação por vontade própria, ele responderá por perdas e danos.

Obrigação de não fazer: Neste tipo de obrigação, o objecto da prestação é uma abstenção, uma proibição. O devedor se abstém de um direito ou acção que poderia exercer (ex: uma pessoa com lote praiano que assina contrato com um hotel para ceder o espaço como estacionamento. A pessoa tinha todo direito/acção de construir uma casa no lote, mas se obriga a NÃO fazer em razão do contrato com o hotel).
Quanto ao modo de execução

Simples - Tem por objecto a entrega de uma só coisa ou execução de apenas um ato.

Cumulativa - Obrigação conjuntiva de duas ou mais prestações cumulativamente exigíveis, o devedor exonera-se com o prestar das prestações de forma conjunta (regra do "E" = por exemplo, um contrato de aluguel onde ao término o devedor se obriga a entregar o imóvel reformado E pintado E com piso novo. Somente todas as cláusulas em conjunto satisfazem a obrigação).

Facultativa - Obrigações com faculdade alternativa de cumprimento da ao devedor possibilidade de substituir o objecto prestado por outro de carácter subsidiário, já estabelecido na relação obrigacional.

Alternativa - Caracteriza-se pela multiplicidade dos objectos devidos. Mas, diferentemente da obrigação acumulativa, na qual também há multiplicidade de objetos devidos e o devedor só se exonera da obrigação entregando todos. (regra do "OU" = por exemplo, contrato de aluguel onde ao término o devedor se obriga a entregar o imóvel reformado OU pintado OU piso novo. A execução de qualquer uma das cláusulas satisfaz a obrigação).

Quanto ao tempo de adimplemento

Instantânea - Se consuma num só ato em certo momento, como, por exemplo, a entrega de uma mercadoria; nela há uma completa exaustão da prestação logo no primeiro momento de seu adimplemento.
Execução continuada - se protrai no tempo, continuada,caracterizando-se pela prática ou abstenção de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais ou menos longo de tempo - por exemplo, a obrigação do locador de ceder ao inquilino, por certo tempo, o uso e o gozo de um bem infungível, e a obrigação do locatário de pagar o aluguel convencionado.
Execução diferida - exigem o seu cumprimento em um só ato, mas diferentemente da instantânea, sua execução deverá ser realizada em momento futuro.

Quanto ao fim

De meio - o sujeito passivo da obrigação utiliza os seus conhecimentos, meios e técnicas para alcançar o resultado pretendido sem, entretanto, se responsabilizar caso este não se produza. Como ocorre nos casos de contratos com advogados, os quais devem utilizar todos os meios para conseguir obter a sentença desejada por seu cliente, mas em nenhum momento será responsabilizado se não atingir este objetivo.

De resultado - o sujeito passivo não somente utiliza todos os seus meios, técnicas e conhecimentos necessários para a obtenção do resultado como também se responsabiliza caso este seja diverso do esperado. Sendo assim, o devedor (sujeito passivo) só ficará isento da obrigação quando alcançar o resultado almejado. Como exemplo para este caso temos os contratos de empresas de transportes, que têm por fim entregar tal material para o credor (sujeito ativo) e se, embora utilizado todos os meios, a transportadora não efetuar a entrega (obter o resultado), não estará exonerada da obrigação.

De garantia - tem por conteúdo a eliminação de um risco, que pesa sobre o credor; visa reparar as consequências de realização do risco; embora este não se verifique, o simples fato do devedor assumi-lo representará o adimplemento da prestação.

Quanto aos elementos acidentais.
Incidental - são estipulações ou cláusulas acessórias que as partes podem adicionar em seu negócio para modificar uma ou algumas de suas consequências naturais (condição, modo, encargo ou termo).
Condicional - são aquelas que se subordinam a ocorrência de um evento futuro e incerto para atingir seus efeitos.

Quanto aos sujeitos

Divisível
- é aquela suscetível de cumprimento parcial, sem prejuízo de sua substância e de seu valor; trata-se de divisibilidade econômica e não material ou técnica; havendo multiplicidade de devedores ou de credores em obrigação divisível, este presumir-se-á dividida em tantas obrigações, iguais e distintas.

Indivisível - é aquela cuja prestação só poder ser cumprida por inteiro, não comportando sua cisão em várias obrigações parceladas distintas, pois, uma vez cumprida parcialmente a prestação, o credor não obtém nenhuma utilidade ou obtém a que não representa parte exata da que resultaria do adimplemento integral; pode ser física (obrigação restituir coisa alugada, findo o contrato), legal (relativa às ações de sociedade anônima em relação à pessoa jurídica), convencional ou contratual (contrato de conta corrente), e judicial (indenizar acidentes de trabalho).

Solidária - é aquela em que, havendo multiplicidade de credores ou de devedores, ou uns e outros, cada credor terá direito à totalidade da prestação, como se fosse o único credor, ou cada devedor estará obrigado pelo débito todo, como se fosse o único devedor; se caracteriza pela coincidência de interesses, para satisfação dos quais se correlacionam os vínculos constituídos. Art. 265. Ex: lei de locação
Obrigação solidária ativa: Quando existe 2 ou mais credores e apenas 1 devedor. Nela cada um os credores tem o direito de exigir do devedor o pagamento da dívida. Ou seja, apenas um dos credores pode exigir o pagamento em nome dos demais. O devedor pode pagar a divida em partes iguias para todos os credores, quitando-se a dívida. Caso ele pague a divida apenas a um dos credores, sua divida também será quitada. Caberá agora aos demais credores cobrarem do credor que recebeu a divida, a parte do débito correspondente a eles.

Obrigação solidária passiva: Quando existe 2 ou mais devedores e apenas um credor. O credor em questão tem o direito de receber a dívida de todos por igual ou cobrar a divida a apenas um ou alguns dos devedores. Caso um devedor pague a dívida por inteiro, esta será quitada, cabendo agora a este devedor cobrar dos demais devedores a parte a mais que ele pagou.

Quanto a liquidez

Líquida - é aquela determinada quanto ao objeto e certa quanto à sua existência. Expressa por um algarismo ou algo que determine um número certo.
Ilíquida - depende de prévia apuração, já que o montante da prestação apresenta-se incerto.

Extinção das obrigações

As obrigações são extintas pelo pagamento ou adimplemento, os quais caracterizam o cumprimento voluntário da obrigação. Também podem ser extintas por Execução Judicial que é o pagamento forçado em virtude de decisão judicial, e Prescrição, o direito de exigir torna-se mais fraco, passando a ser um direito de pretender. A prescrição faz com que o cumprimento da obrigação seja uma obrigação natural cujo cumprimento não pode ser exigido. Também são extintas as obrigações por compensação, quando ambos os sujeitos da obrigação são, ao mesmo tempo, reciprocamente credor e devedor por obrigações exigíveis, extinguindo-se ambas as obrigações até o valor em que se compensarem.


Responsabilidade Civil

Entre as fonte das obrigações, nos artigos. 483. °, o legislador inclui a responsabilidade civil. Tendo em conta o regime especifico da responsabilidade Civil e as suas consequências, a fonte da obrigação de indemnizar é exclusivamente legal, não cabendo à doutrina ou à jurisprudência criar situações de responsabilidade civil não previstas na lei. Razão pela qual não de admitir novidades jurisprudências ou doutrinárias que levem a constituir situações de responsabilidade civil não prevista na lei ou com contornos diversos da previsão legal.
Não obstante a fonte da responsabilidade Civil ser a lei, não está totalmente contactada a autonomia privada, podendo, previa, ou posteriormente, lesante e lesado ajustarem certos aspectos, mormente relativos à obrigação de indemnizar.
Termo responsabilidade é, por vezes, usado num sentido amplo, abrangendo várias realidades: responsabilidade política, penal, administrativa, etc. interessa tão –somente a responsabilidade civil, no sentido que decorre do artigo 483. °.
A responsabilidade civil relaciona-se com a ressarcibilidade de danos sofridos numa esfera jurídica, que serão suportados por outrem ou seja responsabilidade civil é a obrigação em que o sujeito activo pode exigir o pagamento de indemnização do passivo por ter sofrido prejuízo imputado a este último. É necessário, porém, ter em atenção que o princípio geral é o oposto ao da responsabilidade civil, pois, por via de regra, os danos são suportados na esfera jurídica onde ocorrem. A responsabilidade Civil é a expceção. Verificados determinados pressuposto, afasta-se o princípio geral, e os prejuízos sofridos por um sujeito são ressarcidos por outro, mediante uma indemnização a pagar pelo responsável.


Aliás, é mesmo possível que um qualquer facto possa gerar responsabilidade civil e penal, ou só responsabilidade civil, ou só responsabilidade penal.
Tipos de responsabilidade civil
Dentro deste instituto, temos várias modalidades.
Responsabilidade Civil, criminal, disciplinar, responsabilidade obrigacional, extra obrigacional, responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil extra contratual, que se subdivide em responsabilidade por factos ilícitos, responsabilidade pelo risco e, ainda, responsabilidade por factos lícitos. Desde logo, é de distinguir a responsabilidade civil, criminal e responsabilidade disciplinar.

Responsabilidade Civil, criminal e disciplinar
As responsabilidade civil e criminal, parcialmente, tiveram origem comum, mas autonomizaram-se atendendo à diversidade de escopo prosseguido.
Essencialmente, a responsabilidade civil visa ressarcir o dano e a responsabilidade penal tem vista punir o agente. Não obstante a diversidade de escopo, a mesma situação pode gerar ambas as previsões, integrando, simultaneamente, as duas responsabilidade. Assim, se A dolosamente rasga o livro de B., além do crime de dano (responsabilidade penal), há a obrigação de indemnizar o prejuízo (responsabilidade civil).
As duas responsabilidade distinguem-se:
-Quanto à previsão, dano (responsabilidade civil), crime (responsabilidade penal);
-Quanto às consequências, indemnização (responsabilidade civil, pena (responsabilidade penal).
Há, ainda, certas particularidades. A responsabilidade pena assenta no princípio da tipicidade, a pena é moldada em função do crime e do agente, pressupõe sempre ilicitude e, normalmente, dolo. Diferentemente, a responsabilidade civil assenta numa cláusula geral, tem por base o dano causado, não pressupõe sempre a ilicitude do acto e, por via de regra, basta a mera culpa, podendo haver responsabilidade civil sem culpa.
Responsabilidade disciplinar autonomizou –se da responsabilidade civil, apesar de também nalguns aspectos, ter por fonte a responsabilidade penal, e apresenta particularidades, essencialmente, em sede de Direito Administrativo (responsabilidade disciplinar do funcionário público) e de Direito do Trabalho (responsabilidade disciplinar do trabalhador).

Responsabilidade obrigacional e extra-obrigacional

A responsabilidade civil é a obrigação em que o sujeito activo pode exigir o pagamento de indemnização do passivo por ter sofrido prejuízo imputado a este último. Classifica-se como obrigação extra-negocial, porque sua constituição não deriva de negócio jurídico, isto é, de manifestação de vontade das partes (contrato) ou de uma delas (acto unilateral). Origina-se, ao contrário, de acto ilícito ou de facto jurídico. O motorista que desobedece às regras de trânsito e dá ensejo a acidente torna-se devedor da indemnização pelos prejuízos causados: o acto ilícito (desobediência às regras de trânsito) gera sua responsabilidade civil.
A seu turno, o empresário que fornece ao mercado produto ou serviço defeituoso deve indemnizar os prejuízos derivados de acidente de consumo: o facto jurídico (explorar actividade econômica de fornecimento de produtos ou serviços) origina, aqui, a responsabilidade civil.
A obrigação de indemnizar prejuízos pode também nascer de relação negocial. O inadimplemento de qualquer contrato implica, em regra, para o inadimplente a obrigação de pagar perdas e danos, como já examinado. Indemnizar danos, portanto, nem sempre é responsabilidade civil, nem sempre é obrigação não negocial. Ao contrário, pode ser decorrência do estabelecido em cláusula de contrato negociado entre o devedor e o credor da indemnização. Assim, se toda responsabilidade civil é obrigação compensatória de danos sofridos pelo sujeito activo, o inverso não se pode afirmar. Veja que, no inadimplemento de contrato, indemnizar danos é consectário, enquanto na responsabilidade civil corresponde à própria prestação.
A classificação da responsabilidade civil como extra - negocial não significa que entre os sujeitos da relação obrigacional nunca exista negócio jurídico. Ele até pode existir, mas não será o fundamento da obrigação. Entre o passageiro e a empresa de transporte existe um contrato de consumo. Se houver acidente de trânsito durante a execução do contrato, a empresa deve indemnizar os danos sofridos pelo passageiro. A obrigação de indemnizar, porém, não nasce do contrato de transporte, mas sim do facto jurídico de ser o transportador empresário. O negócio jurídico é, neste caso, circunstancial; representa aspecto secundário da questão. Tanto assim que, se for nulo o contrato — por incapacidade absoluta de um dos contratantes, por exemplo —, isso não desconstitui a obrigação: a empresa continua obrigada do mesmo jeito.

Responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil extra contratual
Responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil extra contratual (subdivide em responsabilidade por factos ilícitos, responsabilidade pelo risco e, ainda, responsabilidade por factos lícitos).
A primeira, responsabilidade contratual, ao contrário do que o nome pareça indicar, para além de pressupor um contrato, basta-se também com uma relação jurídica entre as partes, que não obrigatoriamente um contrato.
No âmbito da responsabilidade extracontratual, a ilicitude do facto (pressuposto do artigo483. ° n.°1 do Código Civil), reside na violação de direitos absolutos.
Quando estejam preenchidos os requisitos da responsabilidade contratual e os requisitos da responsabilidade extracontratual, encontramos divergências na doutrina.
Podemos optar pelo cúmulo de responsabilidades, que é uma acção híbrida, ou seja, o lesante tem a possibilidade de escolher os pressupostos da responsabilidade que lhe seja mais favorável, ou seja, opta ou pela responsabilidade contratual ou opta pela responsabilidade extracontratual. Esta tese tem um carácter dominante na doutrina.
Por seu lado, Almeida e Costa defende o sistema do não cúmulo de responsabilidades, que também tem o nome de princípio da consumpção. Segundo este autor, só se aplicará o regime da responsabilidade contratual, dado o carácter excepcional desta.
Há vários aspectos em que os dois tipos de responsabilidade se distinguem, mas, sem dúvida,a principal diferença reside na prova da culpa, no ónus de provar a culpa.
No âmbito da responsabilidade extracontratual, cumpre ao lesado provar a culpa do lesante. É o que resulta do artigo 487. ° n.°1 do Código Civil. Já na responsabilidade contratual, as coisas não se passam assim. Pelo contrário, é ao lesante que cabe o ónus de provar que não teve culpa. Assim sendo, nesta modalidade da responsabilidade civil, há uma presunção de culpa do lesante, em vista a proteger os interessesdo lesado. É o que resulta do artigo 799. ° n.°1 do Código.
No entanto, também no seio da responsabilidade extracontratual encontramos casos em que há uma presunção de culpa do lesante: são os previstos nos artigos 491, 492, 493 e 503. ° n.°3 C.C.
Estas presunções de culpa no âmbito da responsabilidade extracontratual têm reflexo no artigo 570. ° n.°2 do C.C, que nos diz que havendo culpa do lesado exclui o dever de indemnizar, nos casos emque o lesante responde por culpa presumida. A culpa do lesado exclui a responsabilidade dolesante, em conclusão.
Convém referir que estas presunções são elidíveis mediante prova em contrário, logo são presunções iuris tantum. Outra diferença reside na responsabilidade subjectiva agravada, de que temos exemplo oartigo 503. ° n.°3 do C.C. Neste artigo, a culpa é presumida, porque o condutor por conta de outrem é em regra um condutor profissional e, assim sendo, em muitos casos, não conduz um veículo próprio, advindo daí a possibilidade de haver desleixo por parte do comissário, precisamente por não conduzir um veículo seu.
Já no caso dos condutores por conta própria, a culpa não é presumida, cabendo ao lesado provar que houve culpa do lesante.
Temos também a possibilidade de haver uma pluralidade de responsáveis no âmbito da responsabilidade civil extracontratual. São os casos dos artigos 513;497; e 507 do C.C, (por esta ordem).
Já no âmbito da responsabilidade contratual, esta regra não vale, salvo nos casos em que a obrigação violada tinha, ela própria, uma fonte solidária de responsabilidade. Assim sendo,esta situação tem um carácter excepcional na responsabilidade contratual
Outra forma de diferenciação entre a responsabilidade extracontratual e contratual reside no facto de, na primeira, haver uma ligação à ilicitude, se bem que isto tenha reflexos na responsabilidade pelo risco, pois nesta não se exige que haja culpa, nem a prática de um actoilícito. Tem, portanto, um carácter excepcional. De facto, encontra o referido paralelo nos artigos 499. ° e seguintes, para além do artigo 494. °. Aqui o volume da culpa é diminuto.
Por seu turno, de acordo com a melhor doutrina, os artigos 499. ° e seguintes não são aplicáveis no âmbito da responsabilidade contratual, se bem que o Professor Pessoa Jorge os considera extensíveis.
Já quanto aos prazos de prescrição, na responsabilidade extracontratual, de acordo com o artigo 498. ° C.C, o prazo é e 3 anos (36 meses), sem prejuízo de ser aplicável o prazo supletivo de 20 anos. Por seu turno, na responsabilidade contratual não encontramos nenhum artigo que nos dê um prazo, daí que se aplique o prazo supletivo de 20 anos, havendo a possibilidade de haver prazos de prescrição mais curtos, desde que expressamente previsto na lei.
Outra importante diferença reside em dois artigos:
a) artigo 500. ° do C.C – consagra-se um caso de responsabilidade sem culpa – responsabilidade (objectiva) do comitente. Para que este artigo funcione, o facto praticado pelo comissário tem que ser ilícito, tem que haver o dever de indemnizar por parte do comissário e tem que haver uma relaçãode comissão, no sentido em que o comitente possa dar ordens ao comissário.
b) Artigo 800. ° do C.C – Neste artigo, o devedor utiliza pessoas para o auxiliar e este vai responder pelos actos que o auxiliar cometa, não havendo aqui qualquer relação de comissão entre ambos.
Em regra, a responsabilidade civil extracontratual é subjectiva, ou seja, só há um dever de indemnizar havendo culpa.
Os requisitos da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos encontram se no artigo 483. ° n.°1 do Código. São eles:
a) Culpa (dolo ou mera culpa);
b) Facto voluntário;
c) Ilícito;
d) Causador de dados
e) Nexo de causalidade entre o facto ilícito culposo e o dano ocorrido no lesado (tese dateoria da causalidade adequada, ou da adequação).
Este tipo de responsabilidade extracontratual é subjectiva e vem prevista no artigo 483. ° n.°1, C.C. No entanto, também o artigo 798. ° do C.C reside naqueles requisitos, se bem que não haja uma enumeração taxativa, como acontece e ocorre na responsabilidade civil, para além de que na responsabilidade contratual não haja a violação de um direito absoluto, mas sim um direito decrédito.
Temos também modalidades de responsabilidade que são de carácter objectivo, ou seja, prescindem da culpa, nos termos do artigo 483. ° n.º 2. São elas a responsabilidade pelo risco (artigo 499. ° e seguintes do C.C) e a responsabilidade por actos lícitos, responsabilidade está espalhada em vários artigos ao longo do código: artigo 399. °,1322. °, entre muitos outros exemplos.
Estes dois tipos de responsabilidade têm um carácter excepcional e, como tal, não comportam aplicação analógica, para além de serem de carácter objectivo. Responsabilidade pelo risco – quem obtém as vantagens de uma conduta, deve também arcarcom as desvantagens da mesma.
A lei permite o exercício de uma actividade perigosa, como por exemplo, a circulação rodoviária, mas diz que quem as realizar, tem que sofrer com as desvantagens do exercíciodessa actividade.
Responsabilidade por factos lícitos – é um tipo de responsabilidade que também prescinde daculpa e encontra-se prevista ao longo de todo o código, encontrando maiores reflexos no âmbito dos direitos reais. Sirvam como exemplos os artigos 339. °, C.C, que se refere aos actos praticados em estado de necessidade e o artigo 1322, do C.C, que faculta ao dono do enxame de abelhas persegui-las no terreno do vizinho, respondendo pelos danos que causar.

Responsabilidade Civil Extracontratual. Pressupostos do artigo483. ° n.°1 do Código e sua análise:
1. Facto voluntário;

2. Facto ilícito;
3. Culpa e omissão;
4. Dano;
5. Nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Facto voluntário:
Com este requisito, a lei está a restringir os factos praticados, daqueles que não são praticados e controlados pela vontade humana – fenómenos naturais, por exemplo.
Exclui-se, portanto, a responsabilidade civil aos factos naturais que ocorrem porcausas fortuitas, como por exemplo, o vento, ciclones, furacões, etc.
Não contando com estes fenómenos naturais, são valorados os restantes actos controlados pela vontade humana e que causem danos. Estes factos voluntários, tanto podem ser positivos – seja o caso de alguém destruir uma coisa alheia – ou podem ser negativos – são estes factos negativos, as omissões, previstas no artigo 486.
Assimsendo, de acordo com este preceito, também as omissões são tuteladas e valoradas pelo direito e podem ser também causas de responsabilidade civil extracontratual.
2. O segundo requisito do artigo 483. ° n.°1 do Código é a prática de um facto que, para além de voluntário, seja também ilícito.
No âmbito da responsabilidade civil, temos três formas de ilicitude, que também encontram paralelo neste artigo. São elas:
a) Violação de um direito subjectivo absoluto, pertencente a outrem. Ainfracção consiste precisamente nessa dita violação. Pode incidir sobre direitos de personalidade, direitos reais, entre outras hipóteses tuteladas pelo direito.
b) Violação de uma disposição legal destinada à protecção de interessesparticulares. Esta “norma”, tutela interesses particulares e, se for violada, há que ver quais os interesses particulares que são violados.
São estes os casos do comportamento alternativo lícito, em que cumpre ver se a norma se destina a proteger aquele bem jurídico e, destinando-se, ver se o agente teria actuado de forma lícita, se tivesse considerado a hipótese estatuída na norma. Esta tese tem o nome de Teoria Hipotética de Frank (tese esta que encontra também paralelo no Direito Penal, no âmbito da imputação objectiva do resultado àconduta, se bem que não seja a tese seguida).
c) Temos por último o abuso de direito, previsto no artigo 334 do Código e que tem um carácter subsidiário. Cumpre ver se o agente exerceu o seu direito de forma abusiva, causando, consequentemente, danos a terceiros.
Sempre que alguém viola um direito absoluto, viola uma norma destinada à tutela de interesses alheios, ou então o facto foi praticado em abuso de direito, estamos perante factos ilícitos, geradores de responsabilidade.
Assim sendo, também as omissões podem dar origem a responsabilidade civil, conforme prescreve e aduz o artigo 486 do Código Civil como casos especiais de ilicitude temos os previstos nos artigos 484 (o Professor Varela não exclui a ilicitude da conduta aí prevista), o artigo 485. ° n.°2 do C.C (estamos perante a assumpção de um risco. Há um dever jurídico de aconselhar, quando o facto a praticar pelo agente seja punível. É só nos casos deste artigo que os conselhos, recomendações ou informações podem dar lugar a uma indemnização.
Temos por último o artigo 486. °, que se refere as omissões e já foi referido que estas podem dar origem a responsabilidade civil.
Estes três casos analisados são, como diz o Professor Varela, casos especiais de ilicitude. Todavia, temos também causas de exclusão da ilicitude.São elas:
a) Acção directa;
b) Legitima defesa;
c) Estado de necessidade;
d) Consentimento do lesado.
Análise das causas de exclusão da ilicitude
a) A acção directa é o uso da força para assegurar um direito. Há uma impossibilidade de recorrer aos meios coercivos normais. Esta causa de exclusão da ilicitude baseia-se em juízos de proporcionalidade e na proibiçãodo excesso, ou seja, a força usada não pode exceder o necessário para assegurar o direito, o interesse.
É um expediente de emergência e, como o próprio nome indica, tem um conteúdo activo.
Todavia, é possível que haja um erro sobre os pressupostos da acção directa. Aí estaremos face a uma acção directa putativa e o acto torna-se licito, ou melhor, excludente da ilicitude, se o erro for desculpável, de acordo com o que expressa o artigo 338. ° do C.C.
b) A legítima defesa é uma reacção contra uma agressão ilícita e actual. Vem prevista no artigo 337. ° do C.C e tem como requisitos: agressão actual e ilícita; no interesse próprio ou de terceiro; impossibilidade de recorrer aos meios coercivos normais; o prejuízo não pode ser superior ao que pode resultar da agressão.
Todavia, pode haver desproporção, desde que esta não seja manifesta.
Assim como a acção directa, tem reflexos no artigo 338, ou seja, podemos estar face a uma legitima defesa putativa quando há um erro sobre os pressupostos eeste erro pode ser excludente da culpa e da ilicitude, se for desculpável, nos mesmos termos da acção directa.
c) No estado de necessidade, reage-se contra uma situação de perigo. Tem como pressupostos: que o perigo seja actual; esse perigo deve ameaçar um bem jurídico, a conduta deve ser necessária; por último, os interesses a proteger devem ser (ligeiramente) superiores aos interesses sacrificados. Encontra-se previsto no artigo 339 do C.C.
No estado de necessidade, exclui-se a ilicitude da conduta, mas não o dever de indemnizar, como consta do artigo 339. ° n.°2.Quanto a animais, põe-se um problema. Devemos seguir pela legítima defesa ou pelo estado de necessidade? Parece que deveremos ir pelo estado de necessidade, porque um animal não há intencionalidade, logo, não pode praticar um acto ilícito.
d) Consentimento do lesado – artigo 340 C.C.
O consentimento pode ser presumido,de acordo com o artigo 340. ° n.°3.

Culpa – Este requisito do artigo 483. ° n.°1 do Código pode ser analisado sob duas perspectivas: a do dolo e a da negligência, ou mera culpa, de acordo com a letra do artigo em questão.
Consiste em ser um juízo de censura e este juízo impõe, ou melhor, diz-nos que o agente devia ter actuado de outra forma, ou seja, de uma maneira lícita. Fala-se também, a propósito, da imputação do facto ao agente, chamando-se a esta imputação, no âmbito do direito penal, imputação objectiva do resultado à conduta (do agente).
Aliás, as duas expressões são sinónimas uma da outra. Para que se possa ser alvo de culpa, alvo do juízo de censura que esta figura comporta, o agente tem que ser imputável, nos termos do artigo 488 do Código.Consiste a imputabilidade no seguinte: a imputabilidade é a capacidade que o agente tem de querer e entender as consequências do seu acto.
O artigo em análise, no seu número 2, estabelece uma presunção legal iuris tantum,quanto à idade de imputabilidade. Como toda e qualquer presunção legal iuris tantum,é elidível mediante prova em contrário, nos termos do artigo 350 do Código Civil.
Por outro lado, o artigo 489 do C.C, admite uma forma de responsabilidade sui generis! Neste artigo é aceite e admitida a responsabilidade de inimputáveis por razões de equidade.Quanto a este aspecto, mais uma vez, encontramos divergências na doutrina.O Professor Varela considera que esta é uma forma de responsabilidade por factos ilícitos, embora atenuada, visto que se a conduta partisse de um imputável, então seriauma conduta culposa, logo o agente estaria obrigado a indemnizar. Ora, como aconduta é realizada por um inimputável, de acordo com este autor, a sua responsabilidade será atenuada, tendo portanto, o dever de indemnizar de acordo comjuízos de equidade.
Já os Professores Almeida e Costa e Brandão Proença, consideram que este tipo de responsabilidade é de carácter objectivo. A este propósito referem os actos praticados por alguém em estado de sonambulismo, hipnose não culposa, isto como exemplo de condutas que possam ser praticadas por um agente, em regra imputável, mas naqueles casos, responderá de acordo com juízos de equidade, precisamente porque as condutas em causa não serão condutas humanas, mas sim condutas de Homem.
Já, todavia, quando o sujeito se coloca, com culpa, num estado de inimputabilidade, esse facto não relevará, e o agente responderá nos termos normais da responsabilidadecivil, precisamente por essa inimputabilidade ser temporária e a lei não tecer qualquer preocupação com essa mesma situação.
Esquecendo agora estes casos especiais de responsabilidade e em que o agente terá que indemnizar de acordo com juízos de equidade, nos termos do artigo 489. ° do C.C. vamos admitir que o indivíduo é imputável, é passível do juízo de censura da culpa, leva-nosisto para as duas formas da culpa.
Temos o:
a) Dolo:
aa) Dolo directo;
aaa) Dolo necessário;
aaaa) Dolo eventual – o agente conforma-se com o resultado.
b) Negligencia:
bb) Consciente;
bbb) Inconsciente

Dolo

O dolo exprime um juízo de censura bastante forte, enquanto que, por seu turno, na negligencia, seja ela consciente ou inconsciente, mas excluindo a negligencia grosseira, estamos perante juízos de carácter ético e a dose de reprovação, de censura será, como élógico, bastante menor do que num facto praticado com dolo.
Na responsabilidade civil extracontratual, o padrão adoptado para a análise da culpa é o do homem médio, do bom pai de família, conforme o artigo 487. ° n.°2 do C.C.
O critério é, portanto, um critério objectivo e a culpa é apreciada em abstracto.Também no âmbito da gestão de negócios, o critério adoptado para a análise da culpa dogestor é este, mas só nas situações de gestão mista, do artigo 470, porque, de resto, neste instituto a culpa é apreciada em concreto, de acordo com um critério subjectivo. Assim sendo, como consequência, a negligência pode ser limitada:
a) Culpa grave
b) Culpa leve – tipo de negligência em que não cairia o tal bom pai de família;
c) Culpa levíssima – mesmo o bom pai de família

Todavia, a propósito da negligência, o Código Civil não adopta qualquer destas teorias da culpa, salvo nos artigos 494 e 570, artigos nos quais interessa saber qual o grau de culpa do agente, para além de diversos artigos espalhados pelo Código, se bem que não cumpra aqui analisar.
Não esquecer, no entanto, que há causas que atenuam ou excluem mesmo a culpa, como por exemplo, a acção directa e legitima defesa putativas.
4. Dano
O dano é outro dos requisitos do artigo 483. ° do C.C, cumulativo, aliás, como os outros. Ou seja, não se gera a responsabilidade civil, não nasce o direito a indemnizar,sem a existência de um dano.
Temos vários sentidos de dano. Em primeiro lugar, surge-nos o conceito de dano num sentido corrente. De acordo com este sentido, o dano pode e é considerado como o prejuízo sofrido por causa de um qualquer evento.
De acordo com o sentido normativo, este traduz-se no seguinte: é a lesão de bens ou interesses patrimoniais, ou não patrimoniais, juridicamente tutelados. Subdivide-se em:
a) Dano real – é a perda “in natura” que o lesado sofreu: morte, ferimentos, físicos, perda do bom nome, etc.
b) O dano de cálculo corresponde à expressão monetária do dano real. No exemplo anterior será o valor de reparação ou de substituição.
c) Dano patrimonial – é este o reflexo do dano real na esfera patrimonial do lesado: pode revestir na forma dos lucros que o lesado deixou de obter, entre vários exemplos possíveis.
Este dano patrimonial mede-se através da teoria da diferença: situação emque o lesado estaria, se não tivesse ocorrido o dano real).
O dano patrimonial pode ter também o nome de dano de cálculo e aavaliação do prejuízo, de acordo com a teoria da diferença, pode-se fazer deduas formas: avaliação do prejuízo em abstracto – valor real do objecto – euma avaliação em concreto (subjectivamente) – consiste em ver qual era ovalor que o dito objecto tinha para o próprio lesado.
Dentro dos danos patrimoniais, temos também os danos emergentes elucros cessantes, que são, respectivamente: os prejuízos nos bens do lesado (existentes à data da lesão) e os benefícios que o lesado deixou de obter, mas a que ainda não tinha direito, à data da lesão.
c) Danos patrimoniais – são os que são avaliáveis em dinheiro. O acto ilícito ou acidente podem causar somente danos patrimoniais. Considere, por exemplo, o esbulho de um terreno baldio. Por mais incômodos que o evento traga ao proprietário, não implica nenhuma dor merecedora de compensação pecuniária. De outro lado, eles podem implicar somente danos não patrimoniais. Pense na dor experimentada por quem lê no jornal notícia falsa do falecimento de familiar.
d) Danos não patrimoniais – não são avaliáveis em dinheiro. Sãocompensáveis, mas não indemnizáveis. Aqui é também feita uma análise deacordo com juízos de equidade, conforme prescreve o artigo 496. °, n.º do C.C.
A indemnização do não patrimonial foi amplamente criticada por duas razões:
-O dano moral não pode ser contabilizado para efeito de cálculo do montante a indemnizar;
-Seria imoral pagar a dor, pois estão em causa valores não avaliáveis economicamente.

A dificuldade de determinação do montante pode ser superada pela natureza compensatória e, eventualmente, punitiva, da responsabilidade civil. Por outro lado, a dificuldade de cálculo verifica –se também em certos danos patrimoniais, como a indemnização de clientela. A imoralidade de se pagarem, valores morais é superada pela injustiça da não reparação de tais danos. O código Civil, no artigo. 496. ° prevê a figura dos danos não patrimoniais.
Dois esclarecimentos:
-O dano não patrimonial não se circunscreve às situações em que tenha havido morte, como se poderia deduzir numa leitura menos ponderada do artigo.496. ° C.C. independentemente de ter ocorrido uma morte, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito;
-A indemnização por danos não patrimoniais não se circunscreve às situações enquadráveis no âmbito da responsabilidade extra- obrigacional; o incumprimento de obrigação também pode gerar danos não patrimoniais indemnizáveis.

Dano morte

Apesar de o Código Civil, no artigo.495. °, sobre a indemnização a terceiros, e no artigo.496. °, n.º s 2 e 3, relativo ao dano não patrimonial, aludir à morte, não autonomiza a morte como dano, pois trata dela a propósito da determinação dos lesados, fixando regras diversas das queresultariam do Direito Sucessório. A morte de uma pessoa representa um dano, pois a vida é um bem tutelado a vários níveis, incluindo no Direito Civil.
Há que distinguir: A morte de uma pessoa que constitui um dano não patrimonial para certos familiares, delimitados no artigo. 496. °, n.º 2. Do dano resultante para aquele que faleceu.
Contudo, com a morte cessa a personalidade (artigo. 68. °, n.º 1), não podendo o morto ser ressarcido. Razão que leva alguma doutrina não considerar que não tem sentido autonomizar o dano morte. Em sentido autonomizar o dano morte. Em sentido diverso, dir. –se- á que a morte seria um dano causado à vítima, que se transmitiria aos sucessores do falecido; neste caso, a indemnização não corresponde à compensação do dano moral sofrido pelos sucessores, mas à aquisição, via sucessória, do direito à indemnização. Acresce que pode acusar –se de conceptualismo a tendência que considera não indemnizável o dano morte por cessado a personalidade jurídica do lesado, ou seja, por não poder adquirir o direito a indemnização que se iria transmitir aos sucessores.
Atendendo aos valores em presença e não obstante a dificuldade conceptual de justificar a indemnização do dano morte, não pode deixar de se aceitar a autonomização do dano morte, cuja transmissão não está sujeita aos limites do artigo. 496. °, n.°2, do CC, seguindo as regras gerais do Direito das Sucessões. Os tribunais, com parcimônia de valores, têm admitido a autonomia do dano morte.
Por sua vezes, o legislador alude, com o sentido da contraposição anterior, o danos materiais e danos pessoas (por exemplo, artigos. 504. ° e 508. °). Certa doutrina acrescentam uma terceira categoria: os designados danos corporais, com algumas particularidades por afectarem a pessoa humana.
De acordo com o Professor Varela, não deve haver distinção entre a compensação dos danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual, se bem que seja este o único autora seguir e a adoptar esta tese.
e) Danos directos – provocados no próprio lesado
f) Danos indirectos – são estes os que são uma consequência mediata do dano directo.
Há quem lhes chame dano indirecto ao prejuízo reflexo em terceiros, que podem ser titulares de relações jurídicas, que sofrem prejuízos reflexamente com o prejuízo do lesa.

Distinguem-se do dano patrimonial indirecto que é o dano que ocorre emvirtude de uma lesão.
Em determinados casos, o nosso legislador aceita que haja uma indemnização aos lesados mediatos, por uma determinada relação que estes tenham com o lesado.
Só em casos excepcionais é que o terceiro tem direito a ser indemnizado. São eles os referidosnos artigos 495 (danos patrimoniais) e artigo 496 (danos não patrimoniais).
De notar que, quando o lesado preste alimentos a outrem a título de obrigação natural, olesante passa a ter que os prestar também, transformando-se, portanto, a referida obrigação natural em obrigação civil.
O artigo 496 diz nos que têm o direito de ser indemnizadas as pessoas próximas do lesado que sofrem este dano não patrimonial, os danos sofridos pelo lesado e o dano da própria perda davida.
Convém distinguir este tipo de danos não patrimoniais do artigo 496, visto haver na doutrina,uma divergência acerca do dano da perda da vida.
O comum a todos os autores, é que consideram que este dano deve ser compensado devidamente. Há aqueles que dizem que este dano nasce na esfera jurídica e no património do morto e transmite-se aos seus herdeiros, de acordo com as regras da sucessão legitima e legitimaria, isto na opinião de Menezes Leitão.
Por seu turno, Varela, Capelo de Sousa, entre muitos outros, consideram que o dano nasce originariamente na esfera jurídica e no património destes familiares, isto porque a personalidade jurídica cessa com a morte, e na pessoa de um morto, não pode haver aquisição de direitos. Apesar de fazer sentido, todavia, esta doutrina é minoritária.
Temos, no entanto, um outro problema: analisar o dano da perda da vida objectivamente, isto é, em abstracto? Ou analisar o dano da perda da vida subjectivamente, isto é, em concreto? Almeida e Costa parece inclinar-se para esta última solução.

Danos emergentes e lucros cessante
A contraposição entre danos emergente e lucros cessantes encontra –se no artigo. 564. °, do C.C o dano emergente resulta da frustração de uma vantagem (por exemplo, o proprietário fica sem livro que ficou destruído num incêndio). O lucro cessante pressupõe a não concretização de uma vantagem, que ocorreria caso não houvesse lesão (a companhia de aviação teria vendido as passagem aéreas se o avião, atempadamente, tivesse sido reparado para voar).

Danos presente e futuros
Relacionado com os danos emergentes e lucros cessantes, cabe contrapor os danos presentes e futuros.
A distinção entre dano presente e futuro depreende –se dos próprios termos usados, relacionando com danos emergentes, temos:
-Dano emergente presente, frustração de uma vantagem actual (por exemplo, destruição do livro no incêndio);
-Dano emergente futuro, frustração previsível de uma vantagem a ocorrer posteriormente (gastos hospitalares futuros que o lesado terá para a sua recuperação)
Idêntica relação terá de ser feita com os lucros cessantes, e então temos:
-Lucros cessantes presentes, vantagem não obtida (por exemplo, como o avião ficou em terra não foram vendidas as correspondentes;
-Lucro cessante futuro, vantagem que, futuramente, não serão obtida, por exemplo o trabalhador sinistrado, em razão da lesão, nunca mais poderá ter o mesmo ritmo de trabalho, não conseguindo obter o mesmo rendimento. Com contornos similares à contraposição entre danos presentes e futuros, também se alude a danos próximos e subsequentes.


Natureza do danos

O dano resulta de uma perda de vantagem tutelado pelo Direito. O dano é determinado em concreto e não em abstracto, não obstante a sua qualificação poder ser fixada com base em aspectos subjectivos, atendendo à teoria da diferença, constante do artigo. 566. °, n.º 2 do C.C.
Assim, o dano tem uma natureza concretizada, podendo ser avaliado com base na situação patrimonial do lesado. De facto, sendo a indemnização fixada em dinheiro e não por via da reconstituição natural, pode atender – se- à medida da diferença na situação patrimonial do lesado.

Nexo de causalidade – Este é o último requisitodo artigo 483. ° n.°1
Entre o facto e o dano, tem que haver um nexo de causalidade, ou seja, tem que haver umarelação entre o facto lesante e o dever de indemnizar. Assim tem que ser, de facto, pois senão ficaríamos numa situação naturalística, ou seja, poderia o lesante indemnizar danos que não teria que indemnizar.
É necessário arranjar um ponto de equilíbrio entre o dever de indemnizar e o dano, emconcreto.O nexo causal não se pode interromper.Foi consagrada a tese da causalidade adequada, que encontra paralelo no artigo 563. ° n.º do C.C. De acordo com esta teoria, não basta que o facto praticado tenha sido condição do dano.Pelo contrário, é necessário que, em abstracto, o facto A gere o tipo de danos B. Esta teoria baseia-se em critérios de experiência social, daí que se tenha que considerar o factoem concreto.
O artigo 563 do C.C, consagra uma formulação negativa: o facto que causou o dano vai ser considerado causa adequada e só vai deixar de o ser se, em abstracto, aquele facto é detodo indiferente para a produção daquele dano. No caso concreto, o dano só ocorreu, mercê de situações extraordinárias, daí que, se em abstracto aquele facto não é idóneo a produzir aqueles danos, entram o nexo causal estará interrompido e não haverá lugar a uma indemnização.
Compete ao lesado a prova do nexo de causalidade: como lhe cabe provar a culpa dolesante, cabe-lhe também provar a relação de causalidade entre o facto e o dano sofrido.



Hipoteca
Noção e valor da hipoteca

A palavra hipoteca deriva do grego, hypotheke, e significa o “oferecimento de um bem, geralmente imóvel, como garantia de um empréstimo pecuniário” e, ainda, um “direito real que tem o credor de uma dívida sobre imóvel, bem de raiz ou, por excepção, certos móveis (navios, aviões etc.) dados em garantia pelo devedor, e que somente pelo não pagamento da dívida se converte em posse efetiva do credor” (HOUAISS, 2007, p. 1.540). De sua etimologia extrai-se que os institutos da hipoteca e do penhor têm a mesma origem, distinguindo-se modernamente por um ter como garantia bens imóveis (e os considerados imóveis para o direito) e o outro, bens móveis, além do diferencial possessório.
A sua anotação jurídica, contudo, remonta ao Direito Romano, onde era comum nas actividades rurais, nas quais o agricultor deixava os bens de seu trabalho afetados pelas dívidas que contraía, o que no Direito contemporâneo, confundir-se-ia com o penhor, dado o tipo de bem garantidor e sua posse. Antes da codificação de Justiniano1, a hipoteca consistia em o devedor dar em garantia gado, escravos e utensílios, embora continuasse na posse dos mesmos (VENOSA, 2006, p. 553).
A hipoteca é conceituada como “direito real de garantia de natureza civil, incidente em coisa imóvel do devedor ou de terceiros, sem transmissão da posse ao credor”.
Nos termos do art. 686.⁰, 1 do C.C, a hipoteca é a garantia especial que confere ao credor o direito de se pagar do seu credito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas imóveis ou a elas equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiros.
Continua a ser assim a natureza do seu objecto – coisas imóveis ou equiparadas – que caracteriza a hipoteca me face das duas outras garantias reais (o penhor e a consignação de rendimentos).
E é ainda a natureza (imobiliária), dos bens por ela abrangidos que não só explica a importância prática extraordinária que a ainda a solução excepcional de a eficácia da hipoteca depender do seu registo, mesmo em relação às partes (art. 687.⁰). Embora seja, como as restantes garantias (quer pessoas, quer reais), um direito acessório que só existe em função da obrigação cujo cumprimento assegura, a hipoteca pode garantir uma obrigação futura ou obrigação condicional (art. 686.⁰, n.⁰2 do C.C). E pode mesmo acrescentar-se que são obrigações futuras as que as chamadas hipotecas legais visam, por via de regra, garantir.
A constituição da hipoteca antes de a obrigação existir ( em casos como os gestores de fundos públicos, responsáveis pela tutela ou curatela dos bens do incapaz, pela prestação de alimentos, caso de o gestor, o tutor, o curador, o devedor da prestação alimentícia virem a incorrer na obrigação indemnizar, se a hipoteca estiver devidamente constituída antes de a obrigação surgir , o credor hipotecário tem sobre os demais credores, em relação aos bens hipotecados, a posição de prioridade correspondente à data da inscrição da hipoteca ( no registo0 e não à data da constituição efectiva da obrigação.
E, à semelhança do que sucede com penhor (art.676.⁰), também não é a acessoriedade da hipoteca que impede a transmissão dela para cobertura de uma outro credito do mesmo devedor ou para outro credor com garantia hipotecária sobre os mesmo bens ( arts. 727.⁰ a 729.⁰ do C.C).
A hipoteca, di-lo expressamente o artigo 686.⁰ do C.C, sendo em regra constituída sobre bens do devedor, também pode recair sobre bens de terceiro. É o corolário logico da regra sobre o cumprimento. Se, recaindo embora a obrigação sobre o devedor, qualquer terceiro, interessado ou não no cumprimento, pode realizar, em princípio, a prestação devida (art. 767.⁰, n.⁰ 1 do C.C), por maioria de razão poderá garantir, com imóveis seus, o cumprimento da obrigação de outrem.
Não há processo especial para a venda da coisa hipotecada e o subsequente pagamento do credor hipotecário. Há, todavia, duas disposições especiais que interessam de modo particular à execução do credito hipotecário.
Relativamente à legitimidade das partes, diz no artigo 56.⁰, n.⁰ 2, do Código de Processo Civil, com a sua redacção, que a execução por dívida provida de garantia real sobre bens do terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia.
Quer isso significar que, encontrando –se os bens hipotecados na posse de terceiro (seja por ter sido ele quem constituiu a hipoteca, seja por ter sido ele quem adquiriu da mão de terceiro ou do devedor a coisa hipotecada), o possuidor tem legitimidade (passiva) para ser executado na execução hipotecário, apesar de não ser devedor do exequente. E se os bens hipotecados não chegarem para satisfação integral do credito exequendo, pode a execução prosseguir, no mesmo processo, contra o patrimônio do devedor, se o exequente tiver chamado este logo na proposição da acção. Não tendo o devedor sido inicialmente chamado, poderá a execução prosseguir contra ele, nos termos do n.⁰ 2 do mesmo artigo 56.⁰.
Acrescenta –se, por outro lado, no artigo 835.⁰ do mesmo diploma, anda a propósito da execução, que, tratando –se de dívida com garantia real, que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora começará, independentemente de nomeação, pelos bens sobre que incida a garantia, só podendo recair sobre outros, quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução.
A preferência resultante da hipoteca cede, no entanto, perante os privilégios creditórios imobiliários, mesmo que posteriormente constituídos (art. 759.⁰, n.⁰2 do C.C), pelas razões adiante expostas.

Objecto da Hipoteca

Depois de referir, no artigo 686. ⁰ do C.C, que a hipoteca recai sobre coisas imóveis ou elas equiparadas, a lei (art. 688.⁰ do C.C) concretiza os bens podem ser hipotecados.
A primeira categoria os bens destacada como objecto possível da garantia hipotecaria é constituída pelos prédios rústicos (parte delimitada do solo, incluindo as construções nele existente sem autonomia econômica art.204.⁰, n.⁰2 do C.C) e os prédios urbanos (edifícios incorporados no solo, com os terceiros que lhe sirvam de logradouro).
Quer uns, quer outros, mas principalmente os prédios rústicos, podem ser hipotecados em toda a sua extensão (e com os limites na vertical, resultantes do disposto no art. 1344. ⁰ do C.C) ou apenas em parte dela. E o preceito do n.⁰ 2 do artigo 688.⁰ do C.C, permite mesmo que a hipoteca recaia sobre as partes do prédio que possam ser objecto de propriedade autônoma sem perda da sua natureza imobiliária.
Pode assim constituir –se hipoteca sobre uma quota ideal do prédio, visto nada impedir, na nossa lei, que o proprietário singular, alienando uma fracção ideal dela, constitua uma compropriedade sobre ele. De igual modo, se sobre o imóvel recair um direito de usufruto, também o nu-proprietário de raiz pode hipotecar o seu direito. E o mesmo pode afirmar –se, mutatis mutandis, quando sobre o imóvel recaia um direito de superfície, que em relação ao titular do solo, quer relativamente ao superficiário (art. 1540.⁰ e 1541.⁰).
Mas já não será possível hipotecar, isoladamente, as partes integrantes do prédio (as janelas, as portas, o para-raios, etc.), visto se trata de coisas que, uma vez separadas materialmente do prédio, passam à categoria de moveis, perdendo a sua qualidade imobiliária, resultante da ligação permanente ao imóvel. Admite –se também expressamente a hipoteca do direito de superfície, em qualquer das modalidade que pode revestir (art. 688.⁰, n.⁰ 1, alínea c, do C.C), importando, entretanto, ter em conta as repercussões que, por forca da lei ( arts. 1539.⁰, n.⁰ 2 e 1541.⁰ do C.C), pode ter a extinção do direito de superfície hipotecado sobre a garantia ainda não executada.
Tal como, na hipoteca do direito resultante de concessão em bens que sejam do domínio público, importa naturalmente atender às condições em que esse direito pode ser transmitido.
Relativamente ao usufruto, cuja hipotecabilidade (passe o neologismo) também é admitida, interessa apenas salientar que só o usufrutuário – em relação, por conseguinte, ao usufruto já constituído – terá condições de hipoteca-lo. Não poderá, por conseguinte, fazê-lo o proprietário pleno, por faltar nesse caso, o ponto de referência da duração do usufruto dado pela vida do usufrutuário (art. 1443.⁰ do C.C).
São, por fim, hipotecável as coisas moveis que a lei, para o efeito da constituição da garantia, equipara aos imóveis (art. 1443.⁰ do C.C).
Não bastaria, com efeito, para justificar a solução o facto de, relativamente a alguns moveis (como os automóveis, os navios e os aviões), haver um sistema de registo público é aplicável o regime das coisas moveis em tudo o que não seja especialmente regulado.
Diz –se, com efeito, no artigo 205.⁰, n.⁰2 do C.C, que às coisas moveis sujeitas a registo público é aplicável o regime das coisas moveis em tudo o que não seja especialmente regulado.

Princípios gerais aplicáveis

Entre os princípios gerais aplicáveis às hipotecas, destacam –se, pelo seu interesse teórico e importância prática, a proibição do pacto comissório (art. 694.⁰ do C.C) e a indivisibilidade da hipoteca (art. 696.⁰ do C.C). À semelhança do que sucede com a consignação de rendimentos (art. 665.⁰ do C.C) e com o penhor (art. 678.⁰ do C.C), e pelas mesmas razões de fundo, a lei não permite que o credor e devedor convencionem que aquele fique com a coisa hipotecada, caso de este não cumprir.
Era uma cláusula fácil de extorquir para o credor e que o devedor facilmente aceitaria, dado o estado de necessidade econômica em que geralmente se encontra à dado da constituição da dívida e do oferecimento da garantia.
E nenhuma garantia podem existir de que, reconhecida a validade da cláusula, ela se não prestaria a graves injustiças e a reprováveis extorsões por parte do credor.
Por isso, o pacto comissório – assim se chama às cláusulas desse estilo – aparece proibido, não apenas na lei moçambicana, mas também na generalidade das leis estrangeiras.
O fundamento da proibição do pacto identifica-se, não só com a ratio da norma que pune a usura (art. 1146.⁰ do C.C), mas ainda com o pensamento subjacente à condenação dos negócios usurários em geral (art. 282.⁰ do C.C).
Tem –se perguntado se a proibição só atinge a cláusula anterior ao vencimento da obrigação ou abrange de igual modo a convenção posterior a esses momento.
Para ser coerente com o pensamento do legislador e garantir a liberdade de decisão que a lei pretende preservar, o interprete não pode deixar de estender o campo de aplicação da proibição às próprias cláusulas subsequente ao devedor para uma operação prejudicial a este, com a ameaça de recurso às vias judiciais para execução da dívida.
O credor pode só ter concedido a dilação do prazo pedido pelo devedor mediante a inserção do pacto comissório posterior ao vencimento da obrigação. E só o aspecto dessa suspeição repugna ao espírito da lei.

Princípio da indivisibilidade

A indivisibilidade, nesse caso, diz respeito ao vínculo real existente entre o cumprimento da obrigação e o bem, e não pode ser confundida no que diz respeito ao bem e a dívida, que podem muito bem ser fracionados.
O princípio da indivisibilidade da hipoteca, enunciado no artigo 696.⁰, não corresponde a um preceito imperativo da lei. A indivisibilidade da garantia pode ser afastada por convenção das partes em contrário.
A regra da indivisibilidade (da hipoteca) desdobra –se num duplo aspecto. Por um lado, se a hipoteca recair sobre dois ou mais prédios, homogêneos, e a garantia recai por inteiro sobre cada um deles e não apenas parcelarmente, ou fragmentariamente, em proporção ao valor de cada um deles. Se o crédito 50 mil MT estivesse garantindo por dois prédios, cada um dos quais valha aproximadamente também 50 mil MT, o credor pode executar a sua garantia por inteiro sobre qualquer dos imóveis.
E o mesmo regime se aplica à hipótese de o prédio onerado com a hipoteca vir a ser dividido em dois ou mais prédios distintos. Sobre cada uma das partes do imóvel dividido ou fraccionado recai, por inteiro, o encargo da dívida assegurada.
A aplicação do princípio, sobretudo no que respeita ao seu primeiro aspecto, tem sido alvo de alguns reservas. Graças à faculdade reconhecida ao credor hipotecário de executar o seu crédito, por inteiro, sobre qualquer dos imóveis compreendidos na garantia, coloca-se nas suas mãos o poder de prejudicar arbitrariamente os segundos credores hipotecários de um ou outro dos imóveis onerados.
Apesar dessa possibilidade, que é real e incontestável, tem-se entendido que a orientação supletiva da lei deve ser mantida, pela justa vantagem que se concede ao credor hipotecários de se libertar do risco da perda ou desvalorização de uma das coisas hipotecadas ou de uma ou outra parte do prédio posteriormente dividido.
Além disso, não pode esquecer –se a possibilidade de os segundos credores hipotecários se sub-rogarem na posição jurídica dos primeiros credores, mediante o pagamento dos seus créditos.

Espécies de hipoteca

Espécies de hipotecas: legais, judiciais e voluntárias. São três as espécies de hipotecas.
Diz o artigo 704.⁰ do C.C, a propósito da primeira das três espécies, que as hipotecas legais resultam imediatamente lei, sem dependência da vontade das partes, e podem constituir –se desde que exista a obrigação a que servem de segurança.
A leitura atenta da disposição revela que a possibilidade de constituição da hipoteca legal resulta imediatamente da lei, não depende da vontade das partes. Mas também mostra que a constituição das hipotecas (legais) nasce dum acto posterior à criação da respectiva norma (as hipotecas legais. Podem constituir –se, como quem diz por acto das partes), que não pode deixar de ser, em obediência ao disposto no artigo 687.⁰ do C.C, o registo da garantia.
Com uma particularidade que importa realçar. Nas hipotecas judiciais e nas hipotecas voluntarias, a hipoteca nasce da sentença, do contrato ou da declaração unilateral, que é o seu título constitutivo, não sendo o registo senão um requisito de eficácia da garantia, quer em relação a terceiros, quer perante as próprias partes (art. 687.⁰ do C.C).
Nas hipotecas legais - o acto de registo é que constitui o berço da garantia, porque a hipoteca não tem existência jurídica antes do registo, no qual se especificam os bens onerados e se fixa a identidade, especialmente o montante, do crédito assegurado.
A selecção dos credores com direito a hipoteca legal, feita no artigo 705.⁰ do C.C, tem manifestamente por base a necessidade especial de assegurar o cumprimento de certos créditos, em atenção à qualidade dos credores (o Estado e demais pessoas colectivas publicas), à posição do credor em face do devedor (art. 705.⁰, al, c), do C.C)) ou à natureza da dívida.
A hipoteca judicial - a que se refere o artigo 710.⁰ do C.C, é a que nasce da sentença que condene o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível.
A forma como o artigo 710.⁰ do C.C, define o papel da sentença condenatória na constituição da hipoteca, dizendo que ela é título bastante, para o seu registo, indica de modo claro que é com base na sentença, juntando certidão dela, que o autor há-de promover, através do registo requerendo ao conservador, a constituição da hipoteca e há –de obviamente especificar, na altura, bens do devedores (condenado), devidamente identificados, sobre os quais a hipoteca deve recair.
De acordo com Marinoni e Mitidieiro (2008, p. 442), a constituição de hipoteca judicial independe de requerimento e, mesmo que exista uma condenação genérica, será procedente ainda que não resolvido o arresto de bens do devedor ou quando o credor promover a execução provisória. Silvio de Salvo Venosa entende que a hipoteca de navios, aeronaves, minas e pedreiras devem ser classificadas como hipotecas especiais, devido às suas peculiaridades (2006, p. 560).
A lei (art. 710.⁰ do C.C), prescrever que a hipoteca (judicial) pode incidir sobre quaisquer bens do obrigado não significa, de modo nenhum, que, no seu conjunto, excedam manifestamente o valor do crédito objecto da condenação. Se, na sua indicação, o requerente desprezar essa regra elementar de bom senso, como o excesso pode prejudicar gravemente, quer o devedor, quer outros credores do condenado, reconhece-se a qualquer dos interessados a faculdade de requerer a redução da hipoteca a limites adequados (art.720.⁰ do C.C).
Apesar de ser incluído ao lado das duas outras espécies de hipotecas, sem qualquer discriminação, a verdade é que a hipoteca judicial não tem, compreensivelmente, a mesma força que possuem as hipotecas voluntárias e as hipotecas legais.
No rol das espécies de hipoteca distinguidas no artigo. 703.⁰ do C.C, figuram, por último, as hipotecas voluntarias, que são as mais importantes na prática negocial. Como o próprio nome indica, as hipotecas voluntarias são as que nascem dum acto de vontade das partes. Hipoteca voluntaria, diz ainda com mais precisão o artigo 712.⁰ do C.C, é a que nasce de contrato ou declaração unilateral.

Redução e expurgação da hipoteca

Entre as vicissitudes especificas da relação de garantia hipotecária, interessa conhecer, pela importância especial que revestem, a redução e a expurgação da hipoteca.

A. Redução da hipoteca
Desde que a finalidade essencial da hipoteca, com relação acessória que é, consiste em assegurar o cumprimento de certo crédito, é perfeitamente compreensível que tanto o devedor como os demais credores deles (que não o titular da hipoteca) queiram em certas circunstancias obter a redução da hipoteca, seja porque os bens hipotecados aumentaram entretanto de valor, seja porque a dívida diminuiu ou se revela aquém do montante previsto.
O código civil no artigo 781.⁰, alude, porém, de modo explícito, à redução voluntária e à redução judicial, querendo abranger tanto as hipotecas legais e judiciais (art.720.⁰ do C.C), como as hipotecas voluntárias. Essencial é que, no caso da redução voluntaria, o credor possua a necessária capacidade de disposição, mandando a lei compreensivelmente aplicar à redução da garantia o regime estabelecido para a renuncia à hipoteca (vide arts. 719.⁰ e 730.⁰, alínea d) e 731.⁰ do C.C).
Quer isto dizer, tal como a renúncia, também a redução voluntária necessita de declaração expressa, está sujeita à forma exigida para a constituição da hipoteca e não precisa de aceitação, nem do devedor, nem do autor da garantia.
Do que não pode é prescindir –se da capacidade de disposição do credor, mesmo que a redução não vá abaixo do valor de prédio hipotecado, visto a redução importar numa diminuição da garantia prestada e, consequentemente, a disposição de um direito do credor.
Quanto, porém, se tratar de hipoteca voluntaria ou de hipoteca legal ou judicial com menção expressa dos bens onerados ou da quantia assegurada, a lei é compreensivelmente mais exigente quanto à possibilidade de redução judicial.
Neste caso, a redução (judicial) só é permitida em dois grupos de situações.
 Primeiro, se, por virtude do cumprimento parcial ou de outra causa de extinção, o credito garantido ficar reduzido a menos de dois terços de seu montante inicial. Se o abatimento for menor, a diminuição da dívida ficará dentro da faixa de carência ou imodificabilidade da hipoteca (art. 720.⁰, n.⁰ 2, alínea a, do C.C);
 Segundo, se, mercê de acessões naturais ou benfeitorias, os bens hipotecados se tiverem valorizado em mais de um terço do seu valor, à data da constituição da hipoteca (art. 720.⁰ n.⁰ 2, alínea b do C.C).
Pela forma como os requisitos da redução judicial são formulados nesses casos (hipoteca voluntária e hipoteca legal ou judicial com indicação da coisa onerada ou da quantia assegurada), o interessado requerente terá logo na petição de redução de alegar o montante da diminuição do crédito ou da valorização dos bens onerados.
B. Expurgação da hipoteca
A expurgação da hipoteca consiste na faculdade reconhecida ao adquirente do imóvel onerado de eliminar (expurgar) a hipoteca, para que o imóvel fique nas suas mãos livre de encargos.
Não se trata de limpar ou expurgar a hipoteca, mas de limpar os bens imóveis da sujidade (do fardo ou encargo) que é a execução hipotecária.
Claro que essa faculdade concedida ao novo proprietário só se compreende desde que ela não envolva demasiado sacrifício para o credor hipotecário.
E a lei considera esta ressalva satisfeita por uma de duas vias:
 Ou pagando o adquirente dos bens todas as dívidas dos credores hipotecários, que oneram os bens adquiridos.
 Ou prontificando –se a entregar aos credores, para satisfação dos créditos, até à garantia pela qual obteve os bens (quanto a título oneroso os tenha adquirido), ou até à quantia em que os avalia, quando os tenha adquirido a título gratuito ou não tenha havido fixação de preço (apesar de carácter oneroso da aquisição).
No primeiro caso, porque os credores não sofrem prejuízo, a não ser eventualmente o da perda do prazo estabelecido a seu favor, a operação processual da expurgação é muito simples (arts. 998.⁰ a 1000.⁰ do Código Proc. Civil.
Mais difícil e complexo é naturalmente o segundo caso, quer porque o preço de aquisição pode ser inferior ao valor real dos bens hipotecados, quer porque pode ser também inferior a este a estimativa feita pelo novo proprietário.
Neste caso, tem naturalmente de conceder –se aos credores hipotecários a oportunidade de impugnarem o preço de aquisição ou valor oferecido pelo requerente da expurgação (art. 1002.⁰ do Código Proc. Civil), desde a quantia declarada por este seja inferior ao montante dos créditos hipotecários registados e dos créditos privilegiados (art. 1003 do Código Proc. Civil.).
Havendo impugnação, terão os bens que ser postos em hasta publica para serem arrematados pelo maior lanço que obtiverem acima do valor declarado pelo adquirente, nada impedindo que este concorra à arrematação, dispondo-se a entregar todo o valor nela oferecendo para pagamento dos credores.
Havendo na praça oferta superior ao valor declarado pelo adquirente, será essa indicação aceite como boa, com todas as consequências daí decorrentes (art. 1003.⁰, n.⁰ 3 do C.C).
O risco que o novo proprietário, requerente da expurgação, corre deste modo de ver declarada a venda judicial dos bens por ele adquiridos e de os bens se lhe escaparem das mãos através da arrematação em hasta publica fá-lo-á, por certo, pensar duas vezes antes do requerimento da expurgação e da indicação da quantia que está disposto a depositar para pagamento dos credores.
7. Transmissão da hipoteca
A hipoteca, como direito acessão que é do credito garantido, transmite-se, em princípio, com o próprio crédito que ela guarnece.
A transmissão do crédito hipotecário, quer a transmissão se dê Inter vivos, quer se opere por sucessão mortis causa, envolve normalmente, como mero efeito da modificação da pessoa do credor, a titularidade da hipoteca.
Quando, porém no código civil (artigos. 727.⁰ e segs.) se alude à transmissão da hipoteca, não é a esta transferência por mero arrastamento do crédito, mas à transferência autônoma da garantia que a lei pretende aludir.
São duas as formas de transmissão (autônoma) das hipotecas previstas e reguladas na lei: uma, feita pelo credor hipotecário a favor do credor comum do mesmo devedor, que abrange toda a garantia; outra, mais sofisticada, realizada pelo credor hipotecário a favor de outro hipotecário, que no fundo se limita a uma simples cessão do grau da hipoteca.
A primeira, já conhecida do direito romano, mas afastada por algumas legislação, conduz à sub-hipoteca, como quem diz à hipoteca da hipoteca, contra a qual importa sobretudo acautelar os interesses do autor da hipoteca (aquele que constituiu a garantia). Objectivo que a lei procura alcançar através de duas disposições adequadas, por um lado, limita a garantia cedida à importância do crédito originário (art. 728.⁰, n.⁰1 do C.C); por outro lado, exige o consentimento do autor da hipoteca, no caso de a hipoteca ter sido constituída por terceiro (art. 727.⁰ do C.C).
Dois requisitos estabelece a lei para que a transmissão da hipoteca se possa assim efectuar.
Exige –se, em primeiro lugar, que a hipoteca não seja inseparável da pessoa do devedor. A hipoteca recaia, por exemplo, sobre os bens do autor, curador ou administrador legal de bens ou do obrigado à prestação alimentícia (art. 705.⁰, alíneas, c) e e do C.C) não pode ser transmitida a outro credor do mesmo devedor, porque elas são inerentes à qualidade ou posição em que o obrigado se encontra. Há nestes casos uma espécie de não fungibilidade da hipoteca, porque ela nasce para reforçar determinado crédito e não pode, consequentemente, ser transferida para guarnecer outro crédito, sem quebra do nexo teleológico essencial que a prende àquele vinculo creditício.
Torna –se necessário, em segundo lugar, que o cessionário seja credor do mesmo devedor.
À perturbação que a admissibilidade de transmissão da hipoteca a favor de credor de outro devedor poderia causar nas relações entre as partes não encontra compensação nas necessidades práticas que a operação pudesse satisfazer.
E é evidente que, para não prejudicar injustamente os demais credores, quer comum ou quirografários, a cessão só pode aproveitar ao cessionário nos limites do crédito originariamente garantido (art.728.⁰, n⁰.1, do C.C).
Admitamos que A, devedor, tinha três credores: B, credor hipotecário, pela soma de 5.000 MT; C e D, credores comuns, respectivamente pelo valor de 10.000 e 20.000.
Se, em determinado momento, B quisesse ceder a sua hipoteca a D e a cessão aproveitasse que C poderia ficar grave e injustamente lesado. E o mesmo poderia afirmar-se em relação a um segundo credor hipotecário do mesmo devedor.
E é esse prejuízo injustificado que o artigo 728.⁰, n.⁰1 do C.C, pretende decididamente esconjurar.
A cessão da hipoteca está sujeita, por forca do disposto no artigo 727.⁰, n.⁰ 1 do C.C, ao regime da cessão de créditos (arts. 577.⁰ e segs.). Aliás, a mesma solução resultaria já do disposto no artigo 588.⁰ do C.C.
A cessão da hipoteca necessita ainda de ser registada (n.⁰1, alínea h do art.⁰ 2 do Código de Registo Predial), tal como sucede com a hipoteca.
Com uma diferença, aliás não despicienda. Se não for registada, a cessão da hipoteca não produz efeitos em relação a terceiros, de harmonia com a directriz de ordem de ordem geral traçada para os actos sujeitos a registo. Mas não deixa de ser eficaz entre as partes, visto a norma excepcional do artigo 687.⁰ do C.C, ser aplicável à constituição, mas não à cessão da hipoteca.
A limitação imposta no n.⁰2 do artigo 728.⁰, por forca da qual o credor hipotecário cuja garantia incide sobre mais de uma coisa ou direito só pode cedê-la à mesma pessoa e na sua totalidade, constitui um simples corolário do princípio da unidade.
A segunda modalidade de cessão da hipoteca é, a que se reduz à simples cessão do grau hipotecário) art. 729.⁰ do C.C).
O grau hipotecário - a ordem de prioridade no direito de prelação é, como se sabe, determinado pela data do registo.
A terceira causa extintiva da garantia hipotecária é dada pelo perecimento da coisa hipotecada (art. 730.⁰, al, c, do C.C.). Com a extinção ou desaparecimento da obrigação principal, a hipoteca deixará de existir, posto que ela possui a característica de acessória, bem como os efeitos perante terceiros, lembrando que isso somente ocorrerá a partir do cancelamento do registro. A hipoteca se extinguirá com o pagamento da obrigação, que se trata de uma modalidade normal e prevista nas obrigações, revelando-se essa prática a causa mais comum de extinção, embora existam outros meios capazes de dar cabo à hipoteca (VENOSA, 2006, p. 581).
O perecimento que a lei prevê nesta disposição é, manifestamente, a perda total, porquanto, se a perda for meramente parcial, a hipoteca persiste sobre a parte que restar, desde que esta possa ainda algum valor patrimonial.
Mesmo, porém, que a perda do imóvel hipotecado seja total, dois núcleos de situações podem verificar-se, em que a hipoteca se não extingue, por virtude da ressalva contida na parte final da alínea c).
O primeiro, regulado no artigo 692.⁰ do C.C, é o dois casos em que a perda da coisa ou direito hipotecado cria para o dono ou titular o direito a qualquer indemnização. Neste caso, transfere –se para o objecto da indemnização o direito que o credor hipotecário tinha de ser pago, com preferência sobre os demais credores, pelo valor da coisa hipotecada.
O segundo, previsto e regulado no artigo.701.⁰ do C.C, é o dos casos em que a coisa hipotecada perece por causa não imputável ao credor e em que o credor hipotecário tem possibilidade efectivo de exigir do devedor a substituição da coisa perecida ou em que, sendo a hipoteca constituída por terceiro e perecendo a coisa por culpa deste, o credor tem a possibilidade efectiva de exigir dele a substituição.
A última causa de extinção da hipoteca é a renúncia do credor (art. 730.⁰, al. d, do C.C.
Para ser válida, a renúncia necessidade de ser expressa (arts. 731.⁰ e 217.⁰) e de revestir a forma exigida para sua constituição. Mas não precisa, como negócio jurídico unilateral que é, de ser aceite pelo devedor ou autor da hipoteca (art. 731.⁰, n.⁰. 1).
Anote –se, entretanto, que a renuncia à hipoteca não envolve a extinção da obrigação garantida, nem sequer a presunção de remissão dela, por da disposição genérica contida no artigo 867.⁰, do C.C.
Para que haja extinção voluntaria da dívida, por liberalidade do credor, é necessário que haja contrato de remissão (art. 863.⁰ do C.C).


Ao leitor

Ficar-lhe-emos assaz agradecidos se nos der a conhecer a sua opinião acerca do presente blogue. 


Bibliografia
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• HOUAISS, Antônio. Dicionário Antônio Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objectiva, 2007.
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DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

GONÇALVES, Carlos Roberto - Direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações / Carlos Roberto Gonçalves - 8. ed. - São Paulo: Saraiva 2011

TARTUCE, Flávio Direito civil, v. 2 : direito das obrigações e responsabilidade civil / Flávio Tartuce ; 9. ed. – Rio de Janeiro: Forense ; São Paulo : MÉTODO, 2014.
http://direitomozeam.blogspot.com/p/hipoteca-nocao-e-valor-da-hipoteca.html 


Legislação
  • Código Civil
  • Código Comercial
  • Código de Processo civil
  • Código de Registo Predial


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