Contencioso Administrativo

Origem e Evolução do Contencioso Administrativo Moçambicano
1.O Nascimento da Jurisdição Administrativa em Moçambique (1869-1907).

A menção de um “Tribunal Administrativo” aparece pela primeira vez na história da Justiça Administrativa de Moçambique, na segunda Carta Orgânica das Colónias Portuguesas aprovada pelo Decreto de 1 de Dezembro de 1869, reformando a Administração Pública. O artigo 5 alínea 3 do texto supracitado dispõe: “Há também na Província um Tribunal Administrativo com o título de Conselho de Província”. Este último figura nas disposições que enumeram os órgãos “Junto ao Governador-geral”, entre os quais, além do Tribunal Administrativo pode destacar-se: “um Conselho do Governo” e “uma Junta Geral da Província”.

O Código Administrativo de 18 de Março de 1842 modifica em vários pontos o primeiro Código Administrativo Português promulgado pelo Decreto de 31 de Dezembro de 1836, fortemente influenciado pelo Decreto n.º 23, de 16 de Maio de 1832, que introduziu o sistema administrativo em Portugal. Este código da “Regeneração”, segundo a famosa afirmação de Marcello Caetano, devia permanecer até à Reforma Administrativa de 15 de Agosto de 1914, traduzido na “Lei Orgânica da Administração Civil das Províncias do Últramar”, a base jurídica fundamental, com o Decreto de 1 de Dezembro de 1869, da Organização Administrativa e Judiciária das Províncias do ultramar, em geral e, de Moçambique em particular, e isso, apesar da tentativa de modificação administrativa do regime das Províncias do Ultramar de 1881 e da continuidade do processo de modificação na metrópole”.

O artigo 76 do Decreto de 1 de Dezembro de 1869 vem assim redigido: “O código administrativo considera-se em vigor em todas as Províncias, com as modificações actualmente adaptadas em cada uma delas, e assim continuará provisoriamente em tudo quanto n’este decreto se não dispõe por differente modo”, é apenas uma ilustração do que se poderia classificar de “princípio de assimilação administrativa pragmática”.

A Província de Moçambique está dividida em “distritos, e cada distrito consta de um ou mais concelhos”. O representante do governo central é o governador com atribuições civis e militares. Em cada distrito, “ha um governador subalterno, excepto no da capital da província”. As competências do governador-geral são objecto de uma numeração exaustiva referindo-se sempre às competências codificadas pelo Código Administrativo de 1842 concernentes às atribuições do governador civil na metrópole. Além disso, o Decreto de 1 de Dezembro de 1869 estabelece uma hierarquia com primazia do decreto sobre o código que conserva um carácter supletivo.

O Conselho de Província compreende: o governador-geral (presidente), o secretário-geral do governo (secretário do conselho), o procurador da corôa e fazenda onde há relação”, dois vogaes, escolhidos pelo governador-geral” sobre proposta em lista tríplice feita pela junta geral 12. (…)
A justiça administrativa é exercida pelo Conselho de província, transposição da figura do Distrito da metrópole.

2. Emancipação Relativa da Jurisdição Administrativa (1907 -1924)

O Decreto de 23 de Maio de 1907 sobre a Reorganização administrativa da província de Moçambique, tem como ambição, em princípio, de ser o reflexo do “modelo francez, modificado no nosso meio portuguez”, segundo o relatório introdutório ao mesmo decreto. Nominativamente, o Estado de Africa Oriental toma-se “Província de Moçambique”, tendo por capital a cidade de Lourenço Marques. A província é territorialmente dividida em distritos que, por sua vez, se subdividem em “concelhos” idênticos das disposições do Decreto de I de Dezembro de 1869.

O Conselho de Província não podia ficar ao abrigo ou afastado da reforma da organização administrativa da Província. Se o texto do Decreto de 23 de Maio de 1907 conserva a instituição do Conselho de Província, mas enquanto tribunal, a sua composição encontra-se modificada e as suas atribuições alargados. Pode verificar-se as premissas de uma certa emancipação face à administração activa. Os acórdãos dos Tribunais Administrativos da Província são publicados no Boletim Oficial.

As disposições do Decreto do 23 de Maio de 1907, relativas às atribuições do Conselho de Província, inovam a vários títulos. Em primeiro lugar, sob o plano terrninológico, a menção Tribunal Administrativo desaparece de todas as disposições relativas ao estatuto do Conselho de Província. O termo “Tribunal Administrativo” só aparece no artigo 128.º do Decreto supracitado, determinando os actos que deverão necessariamente ser objecto de publicação no Boletim Oficial, nomeadamente os acórdãos dos Tribunais Administrativos da Província.

Além disso, o Conselho de Província funcionando como tribunal tem quatro áreas de competência entre as quais o Contencioso Administrativo não tem lugar singular; é uma das áreas de competência “ratione materiae” do Conselho de Província como tribunal.

No âmbito do contencioso administrativo entendido stricto sensu, o novo elemento que o texto regulamentar introduz é a instituição de um duplo grau de jurisdição. De facto, cabe ao Conselho de Província julgar em segunda instância todas as questões cujos conselhos de distritos conhecem como tribunais do contencioso administrativo em primeira instâncias. Estando destinado a permitir um novo exame dos litígios nascidos para os tribunais de distrito pelo Conselho de Provincia, o Decreto de 23 de Maio de 1907 coloca a regra do duplo grau da jurisdição. Além disso, o Conselho de Província é competente para apreciar, em primeira instância, as reclamações contra as deliberações dos conselhos de distritos.

A menção “Tribunal Administrativo” desaparece do texto legislativo para dar lugar a “um tribunal privativo” competente para julgar as questões do contencioso administrativo, fiscal e de contas. Este tribunal é composto por juízes dos tribunais de primeira ou segunda instância da colónia, pelo auditor fiscal e pelos membros não funcionários, eleitos pelos comerciantes, industrais, proprietários ou contribuintes maiores, ou escolhidos de entre eles ou de advogados pelo Conselho do Governo em número variável para cada colónia. No âmbito do contencioso relativo às questões aduaneiras, o empregado superior das alfândegas da colónia é membro do tribunal. Na sua formação de tribunal de contas, o director dos serviços do tesouro é membro da jurisdição. O Procurador da República ou o seu delegado representa o Ministério Público junto da mesma jurisdição.

O “tribunal privativo” é competente para conhecer as questões contenciosas, incluindo os recursos ou reclamações interpostas contra os actos ou decisões de algumas autoridades que sejam, com a excepção do governador da colónia”‘; as do contencioso dos impostos directos ou indirectos, incluindo o contencioso aduaneiro; as contas dos exactores da fazenda da colónia, exceptuando a do tesoureiro geral; as dos reponsáveis por material; as de corpos, corporacões e comissões administrativas; as das associações, estabelecimentos pios e de beneficência.

A publicação dos textos legislativos relativos, um à administração civil (Lei n.º 277), o outro à administração financeira das colónias (Lei n.º 278), dispensava de publicação as cartas orgânicas próprias a cada colónia. Os motivos invocados eram principalmente a suficiência dos textos legislativos publicados.

O processo emancipatório e estruturante da jurisdição administrativa em Moçambique continua. Em primeiro lugar ele manifesta-se no piano puramente formal. A Carta Orgânica de 1922 consagra, pela primeira vez, em um capítulo individualizado (Capítulo VI) a instituição do Tribunal Administrativo As disposições do Capítulo VI têm como objectivo racionalizar o funcionamento da instituição. A composição da jurisdição estabelecida pelo Decreto n.º 7: 030 de 16 de Outubro de 1920 não está modificada. O Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas compreende quatro secções (Secção do Contencioso Administrativo, Secção do Contencioso Fiscal, Secção do Contencioso Aduaneiro, Secção de Contas) com compotências bem definidas . O artigo 90 confirma as competências do Conselho Colonial para conhecer recursos interpostos contra as decisões do tribunal.

O artigo 7 do Regimento coloca o princípio fundamental de independência do Tribunal Administrativo em relação ao Poder executivo no âmbito das suas atribuições: “0 Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas é independente do Poder Executivo no desempenho das suas atribuições”.

Os acórdãos do Tribunal Administrativo produzem efeitos processuais definidos pelo Código do Processo Civil (CPC) onde o mais importante é a autoridade do caso julgado com o que isso implica no plano dos caracteres gerais concernentes às decisões ora qualificadas: “res juridicata pro veritate habetur. O carácter obrigatório concernente em princípio a tais decisões é expressamente mencionado nos seguintes termos: “A todas as autoridades e funcionários de qualquer categoria cumpre dar execução a esses acórdãos e bem assim às resoluções e despachos que, dentro da sua competência, o Tribunal proferir em processos sujeitos à sua apreciação ou julgamentos” (Artigo 7.º da Portaria n. 212 de 26 de Julho de 1922).

3. Perda da Identidade da Jurisdição Administrativa em Moçambique (1924 - 1926)

O Tribunal Administrativo da Província de Moçambique foi vítima das restrições orçamentais da metrópole.

As razões evocadas pelo Decreto n.º 9: 340, de 7 de Janeiro de 1924, que vai proceder à extinção momentânea das auditorias administrativas do continente e das ilhas adjacentes assim como do Supremo Tribunal Administrativo, são de duas ordens. A primeira, é de ordem económica, a segunda, mais preocupante, põe em causa a própria existência da jurisdição administrativa em Portugal.

A segunda razão evoca a falta de necessidade de tal ordem de jurisdição. Com efeito, mesmo se, do ponto de vista teórico, a jurisdição especializada é a resultante da dinâmica social, segundo o texto abaixo citado, “a jurisdição contenciosa administrativa nunca foi em Potugal uma organização especializada”. O contencioso não foi por assim dizer o monopólio de uma jurisdição especializada, instituída como tal. Com efeito, vários organismos, tribunais ou autoridades administrativas, eram chamadas a tomar conhecimento de questões de contencioso administrativo.

Este período de turbulências - cuja primeira etapa termina em 19 de Novembro de 1925 com o Decreto n.º 11: 250 sobre a revogação do Decreto n.º 9:340, que se estende ao Supremo Tribunal Administrativo e a todas as auditorias administrativas (a duração da extinção terá durado pouco mais de dois anos)” – para a qual foi levada a jurisdição administrativa, devia prosseguir na metrópole durante a primeira metade do século XX.

As consequências jurídicas do Decreto n.º 9: 340 de 7 de Janeiro de 1924, analisadas sob o ângulo da coerência da política jurídica do Governo central, manifesta-se através do Decreto n.º 11: 835, determinando que cessem em todas as colónias as funções dos Tribunais Administrativos, Fiscais e de Contas, passando as atribuições desses tribunais aos Conselhos de Finanças: “considerando que, sem prejuizo para o serviço e com notável economia para o Estado, há toda a vantagem de fundir os serviços a cargo dos Tribunais Administrativos, Fiscais e de Contas das Colónias e os Conselhos de Finanças num só tribunal para cada colónia, que pode figurar como nome deste último”. Contudo, deve salientar-se a vontade da Administração central metropolitana de reforçar o controlo financeiro nas províncias ultramarinas como testemunha a terceira ideia do Decreto n.º 11: 835: “Considerando, finalmente, que convém imprimir às funções do “visto ” um carácter tal que para todos os que as exerçam advenha uma mais ampla autonomia, e, consequentemente, uma mais profícua independência de acção”. Assim, “Cessam em todas as colónias as funções dos Tribunais Administrativos, Fiscais e de Contas…”.

O Decreto n.’º 11: 250 de 19 de Novembro de 1925 revoga o Decreto n.º 9: 340 e restaura assim as auditorias administrativas e o Supremo Tribunal Administrativo com uma redução de número de auditorias administrativas que existiam antes da adopção do Decreto n.º 9:340.

O controlo jurisdicional da acção administrativa pelo juiz judiciário foi ressentido como uma ingerência do Poder Judiciário nas funções do Poder Executivo que “rompeu a harmonia política dos Poderes do Estado”.

No que diz respeito à província de Moçambique é, num primeiro tempo, através do Decreto n.º 12: 421, de 2 de outubro de 1926, que aprova as novas bases orgânicas da administração colonial”, ou seja, três meses após o decreto que determinava a cessação das funções dos Tribunais Administrativos, Fiscais e de Contas nas colónias, que reaparece a instituição do “Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas “; num segundo tempo, a Carta Orgânica da colónia de Moçambique datada, de 4 de Outubro de 1926″ , precisará e completará as disposições relativas ao Tribunal Administrativo contidas no Decreto n.º 12: 421.

.Restauração e Estabilidade da Jurisdição Administrativa em Moçambique (1926 - 1975)

Com a chegada ao poder, na metrópole, de Antônio de Oliveira Salazar, no início dos anos 30, vai começar a era de uma produção regulamentar intensiva que será perpetuada pelo seu sucessor Marcello Caetano.

Aqui, mencionar-se-á simplesmente a existência dos seus melhores florões que vão do Acto Colonial de 8 de Julho de 1930 até à Lei n.º 5/72, de 19 de Junho de 1972, relativa às bases sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramar, passando pela Constituição Política da República Portuguesa de 19 de Março de 1933, a Carta Orgânica do Império Colonial Português (COIP), a Reforma Administrativa Ultramarina (RAU), o Estatuto do Conselho do Império Colonial, o Estatuto do Conselho Ultramarino e os estatutos Político-Administrativos de cada uma das províncias, particularmente de Moçambique, de 15 de Dezembro de 1972.

A Carta Orgânica do Império Colonial Português (COICP) (Decreto-Lei 23.228) entra em vigor em 1 de Janeiro de 1934 e revoga as bases orgânicas da administração colonial aprovadas pelo Decreto n.º 15: 241, todas as cartas orgânicas das colónias e, de uma maneira geral, o conjunto da legislação expresso ou subentendido, contrárias às suas disposições (COICP, Artigo 11.º do Decreto n.º 23:228). Ela prossegue, amplificando “a completa unificação administrativa de cada colónia” (COICP, Artigo 221).

A Carta Orgânica aborda, por várias vezes, o estatuto e as competências dos Tribunais Administrativos das colónias. Algumas das suas disposições constituem, virtualmente, ainda hoje, por efeito combinado, por um lado, de uma produção jurídica consuetudinária, e por outro lado, do artigo 203 da Constituição Moçambicana de 1990, uma fonte de legalidade para o Tribunal Administrativo de Moçambique. É particularmente o caso das disposições relativas às competências do Tribunal Administrativo em matéria de “exame” e de “visto” dos contratos que deu lugar a uma jurisprudência abundante. Certos princípios estabelecidos pela Carta Orgânica continuam actuais como o da independência da jurisdição administrativa em relação ao Poder Executivo.

5.Consagração Não Expressa da Jurisdição Administrativa em Moçambique (1975 - 1990)

Moçambique torna-se independente no dia 25 de Junho de 1975. A primeira Constituição Moçambicana de 25 de Junho de 1975 institui uma democracia popular que tem como objectivos fundamentais “a edificação (… ) e a construção das bases material e ideológica da sociedade socialista”.

A Constituição não menciona formalmente a existência de uma jurisdição administrativa. Consagra um Capítulo IV do seu Título III relativo à Organização judiciária no qual não se faz nenhuma menção ao Tribunal Administrativo ou à jurisdição administrativa em geral. E no entanto, apesar deste silêncio, o Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas, herdado da organização judiciária colonial, ainda existe. Procedeu à sua extinção formal através do artigo 44 da Lei Orgânica do Tribunal Administrativo (Extinção do Tribunal): “É extinto o Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas de Moçambique “; o que supõe que este funcionava.

Nos primeiros dias da independência, o Tribunal Administrativo poderia aparecer como um orgão suspeito e inútil. Suspeito, pode sê-lo, e aparecerá como tal devido, por um lado, às suas origens - instituição do Estado colonizador-, e por outro lado, à origem dos seus membros. Inútil, por razões ligadas à natureza política do novo regime - trata-se de criar “um sistema judiciário de tipo novo ” para os responsáveis políticos do momento - e das suas incidências sobre a organização e o controlo da acção administrativa.

Nestas condições, o Tribunal Administrativo só poderia ser considerado um elemento perturbador desta nova escolha em matéria de política de controlo da acção administrativa ou financeira do Estado que se exerce principalmente através dos órgãos do Partido único.

6. Consagração Expressa e a Renovação da Jurisdição Administrativa Administrativa (1990…)

A Constituição de 30 de Novembro de 1990 “exprime o abandono da concepção socialista do Estado, funda uma ordem económica submetida às forças do mercado, proclama um Estado democrático e consagra o multipartidarismo e aumenta o catálogo dos direitos, deveres e liberdades fundamentais dos cidadãos. As transformações operadas são evidentemente visíveis na instalação de um novo estatuto do poder organizado à volta do princípio de separação dos poderes.

A constituição de 30 de Novembro de 1990 “constitucionaliza” o controlo de legalidade da acção administrativa através da instituição do Tribunal Administrativo: “O controlo da legalidade dos actos administrativos e a fiscalização da legalidade das despesas públicas cabe ao Tribunal Administrativo.

O seu estatuto constitucional é objecto de uma Secção III (Tribunal Administrativo) integrada no Capítulo VI consagrado aos Tribunais, que faz parte do Título III consagrado aos órgãos do Estado. O constituinte moçambicano fez prevalecer a tradição administrativista de Moçambique que, opondo-se a Estados, como Marrocos e Tunísia, conheceu praticamente sempre uma jurisdição administrativa. Por outras palavras, o constituinte moçambicano teve o cuidado de conciliar, por um lado, uma tradição administrativa afirmada e por outro lado, a existência de um controlo autónomo da actividade administrativa através de uma instituição não demasiado cara e adaptada às realidades e às necessidades do país.

O texto do artigo 173 da Constituição dedica-se exclusivamente a determinar o campo da competência do Tribunal Administrativo. Contudo, embora delimite o campo de acção, o artigo 173 coloca uma verdadeira definição do contencioso administrativo. Aliás deve ler-se o artigo 173 associando os artigos 81 e 82 da Constituição que tratam o direito, para cada cidadão, ao recurso contencioso.

O Tribunal Administrativo é o juíz natural das “acções” que têm por objecto litígios “emergentes das relações jurídicas administrativas” e dos “recursos” contenciosos interpostos das “decisões dos órgãos do Estado, dos seus respectivos titulares e agentes”. Além disso, o juíz supremo da Administração é também o juíz das contas do Estado.

Acções Administrativas

1. As Acções sobre os contraltos administrativos (art. 111, al. a) e 115 a 118 LPAC)
1.1. Objecto
O objecto das acções sobre os contratos administrativos pode ser constituídos por questões de interpretação, de validade e de execução (incluindo modificação e extinção) de contratos administrativos, bem como da responsabilidade contratual daí emergente.
Há um entendimento de que no que tange à resolução de litígios relativos aos actos administrativos respeitantes à formação e à execução dos contratos, incluindo os relativos à sua extinção antecipada – pelo contrário, não se admite que a Administração, por acto administrativo, interprete cláusulas contratuais ou se pronuncie sobre a respectiva validade.
1.2. Legitimidade e Prazo
Tradicionalmente, estas acções podem ser propostas apenas pelas entidades contratantes, ou seja, pela Administração ou pelos seus co-contratantes, e a todo o tempo (art.112 LPAC), salvo disposição em especial.
Assim, nas acções de validade, quando se trate de anulabilidade do contrato, deverá ser propostas no prazo de 180 após a formação do mesmo.
1.3. Sentença
As Acções relativas aos contratos administrativos são julgadas no tribunal administrativo convencionado ou, na falta de convenção, no tribunal do lugar do cumprimento do contrato. As sentenças podem ter efeitos declarativos (acções de interpretação e acções de vaidade em caso de nulidade), constitutivos (acções de validade em caso de anulabilidade) ou condenatórios (acções de execução ou de responsabilidade contratual). Vide nº 2 do Artigo 55 LOJA.

As Acções sobre responsabilidade (Artigo 111 al. b) e 119 LPAC)

Objecto

São acções que têm por objecto as questões sobre responsabilidade civil extracontratual, por actos (jurídicos ou materiais) de gestão pública, do Estado e dos demais entes pública, do Estado e dos demais entes públicos (responsabilidade por actos ilícitos, por actos lícitos e pelo risco), mas também a responsabilidade dos titulares dos seus órgãos e agentes. Incluem-se aí hoje sem dúvida, as questões relativas ao eventual direito de regresso do Estado contra os seus agentes (vide art.58 nº 2 da CRM).
Nos termos das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 5 da LOJA, como vimos está excluído da jurisdição administrativa o conhecimento de questões relativas à responsabilidade do Estado por actos das funções política e legislativa, pelo que estará em causa apenas a responsabilidade pelo desempenho de actividades de 2º grau.

Legitimidade artigo 116 LPAC

A legitimidade activa cabe a quem se arrogue um prejuízo efectivo causado pela actividade administrativa de gestão pública (“quem alegar ser vítima de lesão causada por acto da Administração ou dos seus agentes” … e a legitimidade passiva pertence ao Estado e demais pessoas colectivas de direito público, bem como os titulares dos respectivos órgãos, devendo admitir-se o chamamento à demanda destes.
Prazo
As acções podem ser propostas a todo o tempo, salvo determinação legal especial em contrário. Artigo 112 e 117 LPAC.
No entanto, o particular pode decair na sua pretensão por efeito da prescrição do direito (substantivo) de indemnização, prazo que é de 3 anos, segundo o artigo 498 do Código Civil – um prazo que é considerado demasiado curto e que deveria ser alargado, designadamente, para os casos de responsabilidade por acto lícito.
Este prazo interrompe-se com a interposição do recurso contencioso contra o acto ilícito.

Culpa do Lesado

No caso de se tratar da responsabilidade por danos resultantes de actos administrativos ilegais, o direito à indemnização não depende da tempestiva interposição do recurso contencioso, mas o particular poderá ver diminuído ou eliminado o seu direito, porventura por concorrência de culpas, naquela medida em que o dano seja imputável a negligência processual do particular.

Sentença

As questões são julgadas no tribunal constante das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 55 LOJA, conforme a situação concreta, tendo a sentença positiva efeitos condenatórios. Essa condenação será em regra, no pagamento de uma indemnização pecuniária, mas não deve excluir-se a reintegração natural por prestação de facto, pelo menos desde que esta não implique a prática de um acto de autoridade.
3. As Acções para o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 111 al. c) e 120 e ss LPAC.

3.1. Prazo
A proposição destas acções a par doutras regra geral é pode ser propostas a todo tempo.
Verificando-se um indeferimento liminar da qual não tenha sido interposto recurso jurisdicional e, sendo previsível que da procedência da acção resultem directamente prejuízos para terceiros, o direito de acção caduca no prazo de 365 dias, a contar da data da notificação do indeferimento.

Legitimidade

A legitimidade para a proposição cabe apenas aos titulares das posições jurídicas subjectivas (direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos) a reconhecer, não se prevendo designadamente a acção pública (sem prejuízo da intervenção do MP em representação ou patrocínio oficioso dos particulares); não está, excluída a possibilidade de entidades públicas (por exemplo, os municípios ou institutos públicos) lançarem mão deste meio contra outras entidades públicas.
A legitimidade passiva cabe ao órgão competente para “o reconhecimento” do direito ou interesse legítimo, contra o qual deve ser proposta a acção (vide artigo 122 LPAC)

Cumulação
Confira-se o artigo 123 com remissão admissibilidade da cumulação (art.24 e 56 LPAC).

Acção para Determinação da Pratica de Acto Administrativo Legalmente Devido

Introdução

A acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido é uma modalidade das acções administrativa (artigo 111 alínea d) da LPAC), e está regulada nos artigos 124 e seguintes da LPAC.
Até à Reforma do Contencioso em 2014, estava em vigor um Contencioso de mera anulação, de inspiração Francesa, no qual figurava o recurso directo de anulação, segundo o qual a condenação da Administração só era admitida para as acções em matéria de contratos e de responsabilidade, com o reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos, e, ainda assim, de forma limitada, e de forma "encapotada", no âmbito do contencioso de anulação, através da ficção do acto tácito de deferimento. Vasco Pereira da Silva refere que este método representava uma forma ineficaz de tutelar os direitos dos particulares pois a construção de um acto que se "finge" existir para depois "se fingir" que se anula para se continuar "a fingir" que daí resulta qualquer obrigação de praticar o acto contrário não tem qualquer relevância do ponto de vista prático nem teórico.
Ao Tribunal só cabia o poder de anular actos, e nunca de dar ordens à Administração, e assim uma ordem de condenação não teria senão a eficácia de uma mera anulação, já que "julgar" não pode ser "praticar actos em vez da administração". Era este o entendimento daqueles que pensavam estar, assim, a respeitar o princípio da separação de poderes.
É evidente que esta confusão entre o poder de julgar e o de administrar não tem sentido, visto que, uma coisa é condenar a Administração à prática de actos administrativos o que corresponde a tarefa de julgar, outra é o tribunal praticar actos em vez da administração e assim interferir no domínio da discricionariedade Administrativa, fazendo sentido, neste último caso, sim, invocar o principio da separação de poderes.
Nos termos do artigo 125 LPAC, são referidas duas modalidades de acção administrativa de determinação para a prática de acto legalmente devido:
a) Condenação à emissão de acto ilegalmente omitido;
b) Condenação à emissão de acto ilegalmente recusado de conteúdo favorável, em substituição do acto anterior desfavorável.

Objecto/ Finalidade

É discutido pela doutrina o objecto do processo, ou seja, o que é o acto devido.
Para Vieira de Andrade, o acto devido é aquele que, na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão, quer tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua pretensão.
Por outro lado, Vasco Pereira da Silva não concorda com esta sobre valorização do pedido imediato (o efeito pretendido pelo autor, isto é, a condenação na prática do acto devido) sobre o pedido mediato (o direito subjectivo que se pretende tutelar com esse efeito) e à causa de pedir (a lesão pela omissão ou pela actuação ilegal da administração). Este autor sugere, antes, uma concepção ampla do processo, que abrange também a consideração da causa de pedir. Assim, o objecto será a pretensão do interessado, mais correcta e especificamente, o direito subjectivo do particular a uma determinada conduta da administração; e não o acto de indeferimento.
Também seguindo esta posição, Mário Aroso de Almeida refere que “o processo de condenação não é configurado como um processo impugnatório, no sentido em que, mesmo quando tenha havido lugar á prática do acto devido o objecto do processo não se define por referência a esse acto ". Daqui se retira a irrelevância da existência do acto administrativo prévio, sendo que mesmo quando ele exista, a apreciação judicial apenas incidirá sobre a posição substantiva do particular. Em suma, o acto administrativo não possui qualquer autonomia, em caso de procedência do pedido do particular relativamente ao direito subjectivo lesado, ele é automaticamente eliminado.
No que toca ao regime legal, a LPAC adopta uma concepção ampla de objecto do processo, ao considerar que, tanto quando se está perante um caso de omissão ilegal, como quando se trata de um caso de acto de conteúdo negativo, “o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória” (art. 125/2 LPAC).

Pressupostos

Os pressupostos processuais da condenação à prática do acto devido encontram-se regulados no nº 1, do art.º 124 da Lei do Processo Administrativo Contencioso:
a) No caso de existência de uma omissão administrativa ou prática de acto de conteúdo negativo (artigo 124 nº 1 LPAC), podemos distinguir três situações legalmente previstas que poderão ser reduzidas a duas situações: a existência de uma omissão administrativa (al. a)) ou a existência de um acto de conteúdo negativo, pois tanto a recusa da prática de um acto favorável (al. b)) como a recusa liminar da Administração a pronunciar-se (al. b)) conduzem ao mesmo resultado. Assim, para que essa omissão seja juridicamente relevante é necessário que tenha existido um dever de actuação por parte de um órgão da administração competente desencadeado por um pedido do particular, e logicamente, não tenha havido qualquer decisão dentro do prazo legalmente estabelecido.
No passado, a regra para tratar estes casos seria considerá-los como tacitamente indeferidos, a fim de permitir a sua impugnação contenciosa. Só que através da mudança operada no aparelho contencioso administrativo fruto essencialmente da revisão constitucional de 2004 e da efectividade da tutela efectiva dos direitos subjectivos dos particulares, permite-se agora que os particulares solicitem directamente a condenação da Administração na prática do acto devido. Esta possibilidade dada pelo legislador vem terminar um processo de impugnação de que alguns autores, como o Vasco Pereira da Silva denominaram de "actos fingidos", afastando a anterior prática que levava os tribunais a anular os tais fingidos actos administrativos. A admissibilidade de acções condenatórias da Administração teve como consequência, como defendem Mário Aroso de Almeida e Vasco Pereira da Silva, que "o artigo 108, nº1, do LPA é tacitamente derrogado na parte em que reconhece ao interessado a faculdade de presumir indeferida a sua pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação".
Contudo, o problema surge quando, porém, a omissão equivale ao deferimento tácito do pedido do particular (artigo 107 LPA), o qual não deixa de ser uma ficção legal.
Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade consideram o deferimento tácito um acto administrativo que resulta de uma presunção legal e, assim, entendem que não é possível recorrer a este meio processual, pois a produção do acto omitido já resulta da lei.
Já Vasco Pereira da Silva não considera o deferimento tácito como um acto administrativo, refere-o como uma "ficção legal” e assim aceita a possibilidade de pedido de condenação em pelo menos duas situações de deferimento tácito:
- No caso de deferimento tácito parcialmente desfavorável, isto é, quando formado nos termos da lei e não corresponder integralmente ao pedido do particular, permitindo a proposição de novos pedidos de condenação
- Deferimento tácito apenas favorável relativamente a alguns dos sujeitos, mas não aos demais que se vêm confrontados com efeitos desfavoráveis, aquando de uma relação jurídica multilateral.
Mesmo admitindo que o deferimento tácito constitui um acto administrativo, isso não seria base suficiente para afastar a possibilidade de propor uma acção condenatória já que esta pode ter como objecto uma actuação administrativa desfavorável e não apenas uma omissão. Assim, a única objecção procedente não teria que ver com o facto de existir ou não um acto administrativo, mas sim que o deferimento tácito tenha efeitos positivos, ou seja, revelar-se em princípio favorável para o interessado e não desfavorável.
b) Acto administrativo desfavorável ou de conteúdo negativo (artigo 124 nº 1, b) e c) LPAC): diz respeita à denegação do alegado direito do particular, e pode advir tanto da recusa da prática do acto (de conteúdo vinculado), como da recusa de apreciação de pretensão (do pedido), isto é, do requerimento.

O Prazo

Um dos pressupostos relativos à propositura da acção é o Prazo (artigo 126 LPAC) que nos refere que em caso de inércia da Administração, o prazo é de 365 dias a contar desde o termo do prazo para a emissão do acto ilegalmente omitido, (art. 126 nº1), em caso de acto de conteúdo negativo, o prazo estabelecido é 90 dias, contados da notificação do acto (art. 69. nº2. O decurso do prazo não produz qualquer efeito substantivo mas apenas efeitos processuais, uma vez que só diz respeito ao pedido formulado, não dando lugar à sanação da invalidade, isto porque, um acto que já não pode ser impugnado pode ainda ser apreciado pelo tribunal, a título incidental, num processo distinto (em acção administrativa, ainda que sem eficácia condenatória quanto à prática do acto), em que estejam em causa outros direitos, artigo 38.

Legitimidade

O artigo 127 LPAC refere-se a regras de legitimidade quando estão em causa pedidos de condenação, e neste caso, são partes legitimas para os apresentar:
- Sujeitos privados: os indivíduos e pessoas colectivas que aleguem a titularidade de um direito ou interesse legalmente admitido (artigo 44 alíneas b) e c) LPAC);
- Sujeitos públicos: as pessoas colectivas mas também órgãos administrativos, uma vez que embora o preceito não o preveja, os órgãos são os verdadeiros sujeitos públicos em direito administrativo (artigo 44 alíneas c) e d) LPAC).
- Ministério Público (actor público): actua na defesa da legalidade e do interesse público, apenas quando tal advenha de um dever objectivo que resulte directamente da lei, a ofensa de um direito fundamental de um interesse público especialmente relevante (tão relevantes que chega ao ponto de se permitir ao MP desenvolver mecanismos destinados a protecção de direitos subjectivos).
No que se refere a compatibilidade do pressuposto processual da legitimidade do MP com os pressupostos relativos ao comportamento da Administração a doutrina divide-se:
• Vasco Pereira da Silva considera que só é admissível a intervenção do Ministério Público, quando tenha sido emitido um acto administrativo de conteúdo negativo, mas já não nos casos em que estejamos perante uma qualquer omissão administrativa, visto que, de uma perspectiva objectiva de defesa da legalidade e do interesse público, é mais grave a emissão de um acto administrativo ilegal do que a verificação de uma omissão de comportamento ilegal, do ponto de vista subjectivo, da protecção das posições de vantagem, a omissão pode ser tão ou mais relevante do que a actuação de conteúdo negativo.
• Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade não concordam e admitem a legitimidade em ambos os casos, pois o preceito circunscreve o poder de actuação do MP em que o dever de praticar o acto seja um dever objectivo sem dependência de apresentação de requerimento, nestes casos, então, o MP não tem de apresentar qualquer requerimento dirigido à prática do acto objectivamente devido nem de aguardar por qualquer resposta para pedir a condenação da administração ao cumprimento do seu dever de agir.
No que diz respeito ao Assistente, também este tem legitimidade para apresentação de pedidos de condenação á prática de acto devido de acordo com o artigo 51, por remissão ao artigo 127 LPAC.

Cumulação de Pedidos
Vide artigo 128 com remissão aos artigos 24 e 56 do mesmo Diploma.
Verificar as condições de admissibilidade da cumulação.



Intimação para informação, consulta de processo e passagem de certidão (Contecioso Administrativo)

Intimação
Trata-se de processos urgentes de condenação, que visam a imposição judicial, em regra dirigida à Administração, da adopção de comportamentos (no sentido mais amplo, em que se englobam acções e omissões, operações materiais ou simples actos jurídicos), e também, designadamente no caso da intimação para protecção de direitos e liberdades e garantias, para a prática de actos administrativos.
A necessidade de uma resolução urgente da situação leva a que estes processos que seguiriam normalmente a forma da acção administrativa comum (acções impositivas ou acções de prestações) ou, no caso da condenação à prática de acto administrativo, a acção administrativa especial sigam uma tramitação especial, simplificada ou, pelo menos, acelerada.

A intimação para à prestação de informações, consulta de processo s ou passagem de certidões

Alcance

Este meio tem como antepassado a ‘’intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões’’ , que, apesar de construído legalmente como meio acessório destinado exclusivamente à obtenção de dados necessários ao uso de meios de impugnação, administrativa ou jurisdicional , já era na prática utilizado também como meio autônomo, para assegurar o direito à informação administrativa procedimental em todas as suas modalidades, incluindo, apesar da falta da respectiva referência literal na lei, o direito à mera prestação de informações sobre o andamento do processo em que fossem interessados ou sobre as resoluções definitivas sobre eles tomadas.

Dentro dessa linha de evolução jurisprudencial e doutrinal, é agora expressamente configurado como uma acção principal e um processo urgente, passando a ser, em princípio, o meio adequado para obter a satisfação de todas as pretensões informativas, quer esteja em causa o direito à informação procedimental.
Perante um alcance tão vasto, nem sempre se verificará em concreto a tradicional razão de ser da urgência no uso deste meio processual, podendo estar em causa a obtenção de informações em situações perfeitamente normais, não dependente de prazo – o fundamento desta amplitude abstracta do processo urgente residirá porventura na acentuação material meramente informativa, fácil de decidir e que a administração estará em condições de satisfazer em prazo curto (o que , contudo , nem sempre sucederá).
Nesta senda, VIEIRA DE ANDRADE vem sustentar que se deve admitir a possibilidade de utilização pelo interessado da acção, administrativa comum para este efeito - obviamente, desde que não esteja em causa a utilização da intimação como meio instrumental, designadamente com vista à interrupção do prazo prevista no artigo 106. ° do n. 1° da lei 7/2014 de 28 de Fevereiro.



Intimação para informação, consulta de processo e passagem de certidão

A intimação para informação, consulta de processo e passagem de certidão encontra-se em capítulo autónomo da LPPAC, opção legislativa enaltecedora da sua identidade face aos demais meios processuais previstos na mesma lei por categorias. Ela não integra a categoria de meios impugnatórios, constituída pelo recurso contencioso e impugnação de normas administrativas, nem faz parte, quer das acções, quer dos meios processuais acessórios.
Desta forma, a intimação para informação, consulta de processo ou passagem de certidão, como processo autónomo, é um meio processual expedito de condenação ou imposição à administração pública para uma especial prestação: a prestação de informação, a disponibilização de processos para consulta e a emissão de certidões.
Diz-se meio processual de condenação porque, contrariamente aos meios impugnatórios como é o caso do recurso contencioso, a intimação para informação, consulta de processo ou passagem de certidão é de plana jurisdição porque o juiz administrativo detém o poder de ordenar a Administração a prestar a informação solicitada e fixar o prazo dentro do qual a intimação deve ser cumprida. Como pressuposto deste meio processual, a lei determina que se deve indicar no pedido o fim a que se destina a consulta de documentos ou processos e certidões.
Este pressuposto tornou-se meramente formal face às exigências do princípio da máxima divulgação de informação e do princípio de que o requerente do direito à informação não precisa de justificar a razão por que a requer. Pelo facto de que a Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto, já prever o direito de acesso à chamada informação extra procedimental, o n.º 1 do artigo 106. ° da LPPC, confere a este meio processual um carácter instrumental para o exercício do direito de acesso à informação, dizendo:
Para permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos ou a concretização do direito de acesso à informação, devem as autoridades administrativas competentes facultar a consulta de documentos ou processos e passar certidões, a pedido do interessado ou do Ministério Público, no prazo de dez dias, excepto em caso de matérias secretas ou confidenciais (os destaques são nossos).

Esta instrumentalidade entre o meio processual a o direito à informação não deve ser vista como querendo referir-se ao carácter acessório desta forma de processo em relação a qualquer outra forma administrativa ou contenciosa como a disposição em referência sugere. Esta instrumentalidade situa-se no domínio da tutela jurisdicional efectiva na sua perspectiva da correspondência entre o direito à informação, consulta de processos ou passagem de certidões como verdadeiro direito substantivo para cuja garantia jurisdicional existe o processo de intimação.
Por isso mesmo que no direito comparado, a doutrina e a jurisprudência deixaram há muito de pressupor que o recurso ao meio processual de intimação para informação deve estar necessariamente associado a um processo administrativo ou contencioso ulterior.
Antes pelo contrário, o facto de o RELDI estabelecer que para a impugnação de indeferimento de pedidos de informação, consulta de processos e passagem de certidões corre pelo contencioso administrativo através da intimação, autonomizou o direito à informação de qualquer outra forma de impugnação, conferindo-lhe um meio processual típico e especial.
Outro dado cuja análise não deve ser dispensada é a problemática dos prazos de prestação de informação fixados na LDI e na LPPAC. Já aqui ocorre uma contradição de prazos, na medida em que a LDI fixou em vinte e um dias o prazo para a disponibilização de informação, enquanto o regime processual de contencioso administrativo a que remete o
RELDI estabeleceu o prazo de dez dias para as entidades visadas disponibilizarem a informação. Qual dos prazos deverá prevalecer?
Constitui princípio geral do direito que a lei especial derroga a lei geral, pelo que em matéria de procedimento administrativo, quando a informação for solicitada directamente à Administração, prevalecerá o prazo de vinte e um dias. Contudo, se o cidadão tiver de lançar mão deste meio processual de intimação perante a justiça administrativa, o prazo que vinga é o de dez dias.
A justiça administrativa não tem por quê voltar a conceder à Administração mais um prazo de dez dias, sendo certo que o julgar dispõe de certa discricionariedade ao abrigo do disposto no artigo 110 da LPAC, segundo o qual o prazo para o cumprimento da intimação deve constar da decisão.

A intimação para prestação de informação, consulta de documento ou passagem de documentos deve ser requerida no prazo de vinte dias contado a partir do primeiro dia, findo o prazo de vinte e um dias dentro do qual a Administração Pública deve prestar informação à luz da LDI. Este prazo extrai-se da conjugação da alínea a) do artigo 107. ° da LPPAC com o artigo 16 da LDI.
Esta seria a situação do indeferimento tácito do pedido de informação quando, pelo silêncio da Administração Pública ou entidade privada, transcorrido o prazo de vinte e um dias, o artigo 59 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, aprovadas pelo Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, retira a ilação do indeferimento tácito para efeitos de impugnação.
Havendo recusa expressa de disponibilização ou satisfação parcial da informação solicitada, o prazo para apresentação do pedido de intimação judicial conta a partir do dia seguinte ao correspondente indeferimento ou prestação deficiente da informação.
A este respeito deve-se concluir que, apesar de a referência pelo artigo 18 do RELDI da impugnação do indeferimento de pedidos sugerir o contrário, esta intimação juridicial tanto pode ser accionada quando a Administração permaneceu omissa como quando ela tenha respondido de forma não integral ao pedido de informação ou quando tenha recusado expressamente tal pedido.
A intimação para informação corre em apenas dois articulados, a petição inicial e a resposta do órgão administrativo que deve ser oferecida no prazo de dez dias.

Na petição inicial, que em termos práticos é um requerimento expositivo dirigido ao tribunal, o interessado demonstra a legitimidade do seu pedido e termina pendido ao tribunal que intime à Administração Pública a prestar-lhe determinada informação ou a permitir-lhe a consulta de certos documentos ou que lhe emita uma certidão sobre determinado assunto.
A informação, processo ou certidão objecto de pedido tanto pode referir-se à informação procedimental, como a informação extra procedimental ou a informação arquivista e registos administrativos.
O carácter simplificado da tramitação da intimação para informação e a brevidade dos prazos processuais elucida a natureza urgente deste meio processual, daí seguir o modelo de processos urgentes assente na ideia da instrumentalidade do direito à informação para a realização de outros direitos. De acordo com o artigo 1 da LDI, o direito à informação é instrumental para a participação democrática na vida pública e constitui uma garantia dos direitos fundamentais conexos, tais como liberdade de expressão e opinião.

Objecto
A intimação para informações, consulta de processos ou de passagem de certidões tem como objecto a conduta, da Administração, através da qual foi deficientemente cumprido ou recusado ao interessado o exercício do seu direito de informação.
Pede se ao juiz que intime a Administração a dar acesso aos processos requeridos, a passar uma certidão, uma reprodução ou declaração autenticada de documentos ou ainda a prestar uma informação directa. O interessado tem então que ter requerido à Administração estas informações e tal requerimento não ter sido satisfeito no prazo de dez dias, para que esteja preenchido o pressuposto processual deste tipo de processo.

Legitimidade Activa
A intimação pode ser pedida pelos titulares dos direitos de informação ou, na hipótese de utilização para efeitos de impugnação judicial, por todos os que tenham legitimidade para os meios impugnatórios, incluindo os autores populares, os presidentes e membros dos órgãos colegiais em relação aos actos praticados pelo órgão respectivo, as autarquias locais, mesmo em relação aos actos que afecte o âmbito da sua autonomia bem como o Ministério Público, para o exercício da acção publica, nos termos da alínea, a, b, d, e, do artigo 44.° da lei n.°7/2014 de 28 de Fevereiro.
Os requisitos substanciais dos direitos constam, como é próprio, da lei substantiva, onde se ressalvam os segredos públicos e privados e se estabelecem as regras procedimentais do acesso, que, naturalmente, devem ser interpretadas em conformidade com os preceitos constitucionais que estabelecem os respectivos direitos, que constituem direitos fundamentais procedimentais, análogos aos direitos, liberdades e garantias.

Legitimidade Passiva
A legitimidade passiva parece caber, nos termos gerais, à pessoa colectiva ou ministério a que pertence o órgão em falta nos termos do artigo 49. ° da lei 7/2014 de 28 de Fevereiro. O que se justificaria nestes processos por uma das dificuldades de utilização do meio ser, por vezes, a de determinar a autoridade responsável que deve ser o destinatário da intimação.
São partes nesta intimação, do lado do autor, tanto pessoas singulares como colectivas, que requerem este meio processual e, do lado do réu, a pessoa colectiva pública onde o órgão a quem se imputa a conduta omissiva está inserido.

Tramitação e decisão
A tramitação é simples, com a resposta da autoridade no prazo de dez dias e, em regra, decisão imediata do juiz, dado que na maior partes dos casos não serão necessárias outras diligências nos termos do artigo 109 n.º 1 e 2 da lei n.°7/2014 de 28 de Fevereiro. Em caso de provimento, a decisão é condenatória e o juiz deve fixar um prazo até dez dias para o cumprimento da intimação, podendo determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, se não houver justificação aceitável para o incumprimento, sem prejuízo da responsabilidade civil, disciplinar ou criminal do órgão ou do titular, nos termos do artigo 110. ° da lei n. ° 7/2014 de 28 de Fevereiro.

Acção Administrativa Comum e Acção Administrativa Especial

O “espaço jurisdicional” das acções administrativas é preenchido pelas relações jurídico-administrativas em que a Administração Pública surge despojada dos seus poderes de autoridade – o poder de decisão unilateral e o poder de auto-tutela executiva.

A acção é o meio adequado para pedir ao Tribunal Administrativo uma primeira definição do direito aplicável ao caso concreto, nos casos em que, não podendo a Administração proceder a tal definição unilateralmente, através da prática de um acto administrativo, não existe objecto para o recurso contencioso.

De forma a superar o seu passado difícil e uma infância marcada por traumas e contradições, o actual modelo constitucional de Contencioso Administrativo consagra, finalmente, um novo sistema, assente numa matriz de dicotomia entre dois meios processuais: a acção administrativa comum e a acção administrativa especial. Embora estejam em causa tramitações processuais distintas, este novo modelo de justiça administrativa consagra uma ideia comum: a garantia dos direitos subjectivos dos particulares e uma tutela efectiva do acesso à justiça administrativa.



A Ação Administrativa Comum


A delimitação do âmbito de aplicação da acção administrativa comum relativamente à acção administrativa especial (artigos 37º e 46º do CPA) assenta, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, em dois critérios:

Um primeiro de natureza processual; e um segundo de natureza substantiva. A aparente delimitação por exclusão de partes, segundo a qual pertenceriam ao âmbito da acção administrativa comum todos os processos especialmente regulados, tem subjacente um critério substantivo, em que a delimitação dos dois meios processuais é feita em razão das formas de actuação administrativa.

Decorre também que à acção administrativa comum sejam aplicadas as regras do “processo de declaração regulado no CPC, nas formas ordinárias, sumária e sumaríssima (artigo 35º, nº1 do CPA), enquanto que a forma de processo da acção administrativa especial se encontram regulada na legislação do Contencioso Administrativo.

Por detrás desta diferenciação de regimes processuais existe, contudo, uma motivação de natureza substantiva e que conduz à distinção de um meio processual “especial”, para actos e regulamentos administrativos, de outro “comum”, para as demais formas de actuação administrativa. Daí resultando, que a acção administrativa especial é o meio processual adequado para o julgamento de contratos, de actuações informais e técnicas ou de operações materiais. Este critério em função das formas de actuação administrativa não impede, contudo o legislador de estabelecer que ainda cabe na acção comum o conhecimento de actos ou de regulamentos administrativos, só que apenas indirectamente, enquanto simples factos jurídicos (artigo 37º, nº2 e 38º do CPA). O que ainda poderia ser justificável, de acordo com o referido critério, considerando que, nesses casos, o que se encontra em juízo não é já, em si mesmo, o poder administrativo exercido mas sim as consequências desse acto, ou desse regulamento, enquanto factos jurídicos relevantes no quadro das relações jurídicas administrativas duradouras ou subsequentes. Verificando-se uma mera apreciação incidental do acto ou do regulamento, que não são afectados na respectiva vigência pela sentença do juiz, que aprecia antes a globalidade da relação jurídica duradoura ou subsequente. Verificando-se uma mera apreciação incidental do acto ou do regulamento, que não são afectados na respectiva vigência pela sentença do juiz, que aprecia ante a globalidade da relação jurídica. Na verdade, o que tal explicação vem tornar mais patente é a artificialidade da distinção dos meios processuais assente na lógica do “poder administrativo”, ou das formas de actuação administrativa, ao mesmo tempo que vem mostrar que o objecto do Contencioso Administrativo não é nunca o “poder” administrativo exercido, mas sim as relações jurídicas administrativas (artigo 38º do CPA).

A acção administrativa comum abrange, por isso e primeiro que tudo, o contencioso das acções em matéria da responsabilidade civil extracontratual e em matéria contratual – tal como determinam as alíneas f) e h) do n.º 2 do art.º 37 do CPTA. É por esta razão que parte das disposições particulares do código, no universo restrito da acção administrativa comum, diz respeito a estes processos.

Entre aquelas disposições, merece ser destacado o art.º 40.º que aumenta consideravelmente a legitimidade para fazer valer a invalidade, seja ela total ou parcial, dos contratos celebrados pela Administração Pública e para levantar questões relativas à execução desses contratos muito para lá das partes na relação contratual.

Além das acções de responsabilidade e sobre contratos, a acção administrativa comum é a forma que corresponde a todo e qualquer processo em que se pretenda a condenação da administração ao cumprimento de deveres de prestar que não envolvam a emissão de um acto administrativo impugnável, nem devam ser alvo de um dos dois processos urgentes de intimação que o código prevê nos seus art.ºs 104 e ss.

A acção administrativa comum acolhe ainda acções não nominadas – às quais se referia anteriormente o art.º 73.º da LPTA – e que podem ser, nomeadamente, intentadas por entidades públicas contra outras entidades públicas ou ainda contra particulares. Aliás, o elenco exemplificativo das pretensões passíveis de encontrar abrigo na acção administrativa comum que se encontra no n.º 2 do art.º 37 do CPTA não pretende mais do que clarificar o sentido da fórmula genérica enunciada no n.º 1, esclarecendo os interessados sobre alguns dos principais tipos de pretensões que, individualmente ou em conjunto, podem tentar concretizar através da acção administrativa comum.


De seguida fazemos uma breve abordagem à problemática do contencioso da responsabilidade civil pública, procurando explicar o seu conceito e modo de funcionamento.


Nos dias que correm, as questões relacionadas com o contencioso da responsabilidade civil pública continuam a reter grande importância, uma vez que a responsabilidade civil das entidades públicas constitui um verdadeiro “pilar” do Estado de Direito, encontrando-se inclusivamente consagrada na Constituição da República Portuguesa (artigo. 22º). Do mesmo modo a reforma do contencioso administrativo português, entrada em vigor em 2004, ficou incompleta no que respeita á responsabilidade civil pública.

Na realidade, a reforma de 2004,constitui um marco fundamental na evolução do contencioso administrativo português, visto que anteriormente a esta reforma vigorava em Portugal um sistema de contencioso administrativo completamente ilógico, que se caracterizava por assentar numa distinção entre gestão pública e gestão privada que já há muito tempo que se encontrava ultrapassada.

A reforma do Contencioso Administrativo vem abrir novas perspectivas ao contencioso da responsabilidade civil ao consagrar a unidade jurisdicional. No entanto, a unidade jurisdicional consagrada continuava a reunir um conjunto de “equívocos”, enquanto que, por seu turno a dualidade legislativa se mantinha.

Ao contrário do que sucedia no passado, no qual se distinguia o contencioso da responsabilidade civil administrativa, actualmente é sempre competente a justiça administrativa para todo o contencioso da responsabilidade civil pública, o que nos leva a qualificar como administrativa, para efeitos processuais, qualquer relação de responsabilidade civil pública.

No que se refere á delimitação negativa do âmbito da jurisdição, a unificação do contencioso da responsabilidade civil pública parece não ter sido realizada da maneira mais adequada, uma vez que ao levar a unificação até ás últimas consequências, o legislador acabou por admitir certas situações em que se continua a verificar a dualidade de jurisdições.

Atendendo ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, deve-se realçar que este instituiu dois meios processuais principais:

- a acção administrativa comum (presente nos artigos 37º e seguintes)

- a acção administrativa especial (artigos 46º e seguintes)

No que respeita á lógica defendida pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, as questões de responsabilidade civil pública geram pedidos susceptíveis de ser tutelados, em princípio, pela acção administrativa comum.

Por fim, deve-se salientar que a superação dos “traumas” da Justiça Administrativa, mediante a revalorização da acção de responsabilidade civil pública, é um fenómeno comum a muitas das últimas reformas do Contencioso Administrativo de diferentes países europeus, ocorridas nos últimos anos do século XX e nos primeiros anos do século XXI (por ex: França, Itália, Portugal, Reino Unido), levando a um movimento de “europeização” do Contencioso Administrativo.



Acção Administrativa Especial


A acção administrativa especial - ao contrário do que o seu nome parece sugerir - é o meio principal do Contencioso Administrativo. É um meio processual que tutela de forma eficaz os direitos subjectivos do particulares e das suas relações administrativas, uma vez que tem uma larga margem de aplicação (o Prof. Vasco Pereira de Silva qualifica-a de “acção banda larga”) e permite ao particular ver os seus direitos tutelados através da formulação dos mais variados pedidos e, consequentemente, através de uma ampla variedade de efeitos das sentenças.

Decorre da leitura da decisão proferida no Acórdão Tribunal Central Administrativo Norte em 08 de Abril de 2011 que a acção administrativa especial constitui o meio idóneo - e o meio legalmente imposto pelo art. 46º CPTA - para resolver os litígios em que a Administração manifesta os seus poderes de autoridade (através da prática actos administrativos ou edição normas), sendo a forma processual adequada na qual se apreciam e julgam apenas os litígios que se prendam com impugnação actos administrativos/regulamentos ou normas administrativas, pedidos de condenação à prática de actos devidos e de declaração de ilegalidade por omissão de normas administrativas [arts. 37.º e 46.º do CPTA].

Por sua vez, o artigo 66º CPTA dispõe que “… acção administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado …”, sendo que ainda “… que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória …” .

Da análise das normas mencionadas, podemos retirar a ideia de que o legislador quis estabelecer um critério de distinção entre as duas formas processuais, nomeadamente o de integrar na acção administrativa especial os processos relativos a actos e regulamentos administrativos, enquanto que a acção administrativa comum trataria dos litígios administrativos sem regulação específica.

Para facilitar o entendimento desta questão, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira vêm esclarecer que para “… que se possa afirmar que uma situação jurídica decorre directamente de uma norma administrativa - conceito que vai aqui referido à matéria sobre que versa a norma, abrangendo, por isso, além dos regulamentos, as leis, os actos normativos de direito internacional ou comunitário e as próprias normas da Constituição - parece ser necessário que se verifiquem pelo menos dois requisitos (semi-fundíveis), a saber: - O primeiro (de carácter positivo) é que a situação que se pretende ver reconhecida ou «acertada» se encontre definida na norma em causa, mesmo que de forma genérica, com um mínimo de clareza ou precisão, não carecendo a sua efectivação de qualquer juízo valorativo próprio do exercício da função administrativa; - O segundo (de carácter negativo) é que o reconhecimento da situação em causa não se encontre sujeito a decisão (pronúncia) administrativa prévia. Sabe-se, na verdade, que em muitos casos a lei substantiva faz depender o reconhecimento de situações administrativas de um pedido (requerimento) do interessado dirigido à Administração, a qual, por isso, nesses casos só pode ser accionada judicialmente depois de instada ou «provocada» a pronunciar-se sobre a pretensão em causa (…). Quando suceda assim, o interessado deve aguardar pela decisão administrativa (ou pelo decurso do prazo fixado para a sua emissão) e, em caso de insucesso, de falta de pronúncia ou de recusa de reconhecimento, propor uma acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, não a acção administrativa comum deste art. 37.º …”. E reportando-se à referida alínea b) referem ainda que se trata “… do «reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições» a obter, como as da alínea a), em acções de simples apreciação, não condenatórias, subsumíveis no quadro da acção comum - salvo quando se trate de qualidades ou condições cujo reconhecimento esteja sujeito à exigência de decisão administrativa prévia, de um acto administrativo, porque aí, para reagir contra esse acto ou contra a sua omissão, há lugar à acção administrativa especial…”

Sucintamente, daqui podemos retirar que fazem parte do âmbito das acções especiais:

- O recurso de anulação entendido em termos amplos;

- A acção para reconhecer direitos.

- O contencioso dos regulamentos, também ele entendido em termos amplos.

Sendo que estas por sua vez comportam a pedidos como:

- Impugnação de actos administrativos;

- Condenação à prática do acto devido;

- Acções relativas a normas.

É quase redutor indicar os pedidos referentes deste tipo de acção, ou até mesmo referir alguns exemplos da sua amplitude. A verdade é que este tipo de acções abrange uma série de pedidos que, ainda que sejam enquadrados nos acima indicados, devido aos termos em que foram estes ampliados após a reforma do contencioso, abarcam variadas hipóteses a ser reconduzidas para as acções administrativas especiais em questão de justiça administrativa. Nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, “cada meio processual é uma espécie de acção-quadro (…) na qual cabem as mais distintas “sub-secções”, qualificadas em razão do respectivo pedido e que podem dar origem a qualquer das modalidades das sentenças. Tão ou mais importante do que a enumeração dos meios processuais (…) são os pedidos susceptíveis de ser formulados, ou quais os efeitos das sentenças correspondentes a tais pedidos”.



Conhecendo ambos os tipo de acções administrativas, é agora importante perceber a dicotomia acção comum/acção especial.
Temos no art. 268º/4 o direito fundamental que consideramos ser a “pedra angular” do Processo Administrativo – é não só um direito fundamental dos particulares como um princípio fundamental de organização do Contencioso Administrativo, cuja última redacção (decorrente da revisão constitucional de 1997) definiu que hoje são os diferentes meios processuais que se centram no princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares (e não o contrário!).

Hoje temos um sistema que prima por uma protecção plena e efectiva, garantida através de sentenças das quais podem decorrer variados efeitos, tais como a simples apreciação, o reconhecimento de direitos à condenação, a impugnação de actos administrativos e imposição de medidas cautelares. Os tribunais administrativos são tribunais verdadeiros e próprios, cujas sentenças não possuem qualquer limitação natural; no entanto, não podemos esquecer que para assegurar o direito fundamental de acesso à justiça administrativa é necessário um Processo Administrativo que atribua um meio de defesa adequado a cada direito do particular.

A reforma do Contencioso Administrativo português foi feita nas linhas do modelo latino, que se caracteriza pela unificação de todos os meios processuais, independentemente dos pedidos ou efeios das sentenças; no entanto, optou o legislador por consagrar uma dicotomia, quanto aos meios processuais, entre acção comum e acção especial, sendo que dentro de cada um cabem diversas sub-acções (dependendo do respectivo pedido) e se podem verificar tantos géneros de efeitos das sentenças quanto pedidos possivelmente formulados.

Vemos consagrado, no artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo, o princípio da tutela judicial efectiva, que estabele o direito de obter uma decisão judicial favorável atempadamente. Já o artigo 7º do mesmo código explica o conteúdo do princípio, estatuindo que este implica o direito a uma justiça material que não se limita a uma mera apreciação formal do litígio.

Assim sendo, percebemos que há que determinar qual o pedido susceptível de ser avaliado de modo a determinar os poderes de pronúncia do juíz. É o nº 2 do artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo que enumera, exemplificativamente, os poderes de pronúncia judicial que integram o princípio da tutela efectiva; no entanto, esta categorização não corresponde à dos meios processuais consagrados na reforma referida. Ou seja, hoje temos tribunais administrativos com poderes de pronúncia que já não se distinguem, em termos de amplitude, dos de qualquer outro tribunal.

Importa agora, então, perceber qual é o critério de distinção entre a acção administrativa comum e a especial. Comparando os artigos 37º e 46º do Código do Processo Administrativo, parece-nos que o legislador da reforma decidiu considerar que pertencem à acção administrativa comum todos os litígios administrativos não especialmente regulados, sedo que os processos relativos a actos e a regulamentos administrativos vão integrar a acção administrativa especial. No entanto, não podemos deixar de considerar esta denominação de acção administrativa especial infeliz: tomando como exemplo o regime da cumulação de pedidos, consagrado nos artigos 4º e 5º do Código do Processo Administrativo, verificamos que nele se determina que sempre que os pedidos cumulados correspondam a diferentes formas de processo deve adoptar-se a forma de acção administrativa especial. Ou seja, daqui retiramos que a chamada acção administrativa especial vai, na prática, ser comum no sentido de ser aquele mais característica e frequentemente utilizada. Mais até: não é apenas a escolha de nomes inadequada, mas parece-nos até ter havido um “lapso”.


Não podemos ainda esquecer-nos de referir que o poblema dos poderes de pronúncia judicial pode ainda ser apreciado de outra perspectiva, de modo a perceber-mos se o Contencioso Administrativo se ocupa apenas de questões de legalidade ou se também as mérito. Dá-nos a resposta o artigo 3º, que estatui alterações de grande importância em relação à natureza dos poderes do juíz administrativo, e que vem afastar a ideia de que o processo Administrativo corresponde a um mero controlo de legalidade, mesmo continuando o controlo da actuação administrativa a estar relacionado com a verificação do cumprimento do direito sem que o tribunal intervenha na esfera de actuação reservada à Administração; passando assim de um contencioso de mera anulação para um de plena jurisdição.

Acções sobre Contratos Administrativos

Compreendem quatro modalidades:

a) Acções sobre interpretação de contratos administrativos: visam obter do Tribunal sentença declarativa que esclareça o sentido ou o alcance de quaisquer cláusulas contratuais;

b) Acções sobre a validade de contratos administrativos: visam obter do Tribunal uma sentença constitutiva que anula um contracto administrativo anulável, ou uma sentença declarativa qual declare a nulidade ou a inexistência de um contrato administrativo inexistente;

c) Acções sobre execução de contratos administrativos: visam obter do Tribunal uma sentença condenatória, que condene a Administração ou o contraente particular a executar integralmente o acordo celebrado, ou que se pronuncie sobre quaisquer outros aspectos atinentes à execução do contrato;

d) Acções sobre responsabilidade contratual: visam obter do Tribunal uma sentença condenatória, que condene a Administração ou o contraente particular a pagar à outra parte uma indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso de um contrato administrativo.
Em matéria de interpretação e validade de contratos administrativos, a Administração não pode praticar actos definitivos e executórios impugnáveis mediante recurso, pelo que qualquer controvérsia entre as partes terá de seguir sempre a forma de acção.

Em matéria de formação de contratos administrativos, a Administração pode praticar actos definitivos e executórios, que são tidos como actos destacáveis para o efeito de poderem ser objecto de recurso contencioso.

Em matéria de execução de contratos administrativos, tanto pode a Administração praticar actos definitivos e executórios, que serão actos destacáveis susceptíveis de recurso, como proferir meros actos opinativos ou até nada dizer, caso em que a via a seguir será a da acção.

Acções sobre Responsabilidade Extra-contratual da Administração

a) Acções intentadas contra a própria Administração: (Estado ou outras pessoas colectivas públicas) no contexto da responsabilidade por actos de gestão pública;

b) Acções intentadas contra os órgãos e agentes da Administração, a título pessoal: por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública pelos quais eles sejam individualmente responsáveis;

c) Acções de regresso: da pessoa colectiva pública contra os seus órgãos ou agentes, também no âmbito da responsabilidade por actos de gestão pública.Todas estas espécies de acções são da competência dos Tribunais Administrativos.

mporta ter sempre presente que, se se trata de pedir a responsabilidade da Administração (ou dos seus órgãos ou agentes) por prejuízos decorrentes de actos de gestão privada, a competência não será dos Tribunais Administrativos mas sim dos Tribunais Comuns.

Em Direito Civil, a obrigação de indemnizar decorrente de responsabilidade civil tanto pode consistir no dever de pagar uma quantia em dinheiro como no dever de proceder à chamada “reconstituição natural” art. 566º/1 CC). Será que o mesmo se aplica em Direito Administrativo?

A tradição nos países onde vigora um sistema de administração executiva, ou de tipo francês, é no sentido de circunscrever a obrigação de indemnizar ao dever de pagamento de uma quantia em, dinheiro. O fundamento desta solução consiste no princípio da independência da Administração activa perante os Tribunais Administrativos, segundo o qual os Tribunais não podem nunca condenar a Administração à realização de prestações de dare, de facere ou de non facere, porque isso equivaleria a consentir uma intromissão dos Tribunais no exercício da função administrativa.

Acções para Reconhecimento de Direitos ou Interesses Legítimos

Sendo o recurso contencioso de mera anulação, ou de mera legalidade, chegou-se à conclusão de que nem sempre ele se comportava como meio idóneo para assegurar aos particulares uma tutela efectiva e completa dos seus direitos subjectivos e interesses legítimos. De modo que começou a compreender-se que seria necessário prever um novo meio processual que pudesse garantir essa tutela completa e efectiva, em todos os casos em que o recurso contencioso de anulação não assegurassem tal finalidade.

Que é este o objectivo das acções para o reconhecimento de direitos ou interesses legítimos, é o que transparece claramente do art. 69º/2 LPTA.

as acções para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo – e estabeleceu o seu carácter residual, isto é, limitou a sua utilização aos casos em que o recurso contencioso e os restantes meios processuais se revelassem insuficientes para assegurar aquela protecção efectiva – art. 69º/2 LPTA. Parece ter pensado em casos como a ofensa ainda não consumada de um Direito Subjectivo, a violação por omissão que não constitua “acto tácito”, a pretensão do particular à reparação em espécie de um prejuízo material, etc.

O critério mais fácil para chegar a conclusões seguras será: está o particular perante um acto administrativo definitivo e executório, ou perante um contrato administrativo, ou perante um caso de responsabilidade extra-contratual da Administração? Se está, não há que utilizar nenhuma acção para o reconhecimento de direitos ou interesses legítimos – mas sim, respectivamente, um recurso contencioso de anulação, uma acção sobre contratos administrativos, ou uma acção de responsabilidade extra-contratual da Administração.

Se o particular não está perante um acto definitivo e executório, nem perante um contrato administrativo, nem perante a responsabilidade extra-contratual da Administração – então, em princípio, poderá lançar mão de uma acção para o reconhecimento de direitos ou interesses legítimos.

A lei é omissa a respeito de poderes de decisão do juiz. A única indicação que nos é dada, à primeira vista, é a de que estas acções visam obter o reconhecimento de um Direito Subjectivo ou de um interesse legítimo.

Dois princípios opostos têm de ser examinados a propósito desta questão: o princípio da independência da Administração activa perante os Tribunais Administrativos, que se opõe à emanação por estes de sentenças condenatórias daquela, e o princípio da efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa, que foi introduzido na nossa ordem jurídica para permitir suprir as insuficiências do contencioso de mera anulação. Compete aos Tribunal Administrativo de Círculo (art. 51º/1-f ETAF) analisar estas acções. Estas podem ser interpostas por quem invocar a titularidade do direito ou interesse legítimo (art. 69º/1 LPTA); a legitimidade passiva pertence o órgão contra o qual o pedido é dirigido (art. 70º/1 LPTA). Estas podem ser propostas a todo o tempo.

Nestas acções pode seguramente pedir-se a simples apreciação de um direito ou interesse legítimo ameaçado pela Administração Pública; já não é seguro que se possa também pedir a condenação da Administração Pública ao pagamento de quantia certa ou à entrega de coisa certa.

Como regra estas acções seguem os termos dos recursos dos actos administrativos dos órgãos da administração local (arts. 70º/1 e 24º-a LPTA); contudo, o juiz pode decidir, em face da complexidade da questão, que sigam os termos das outras acções administrativas, isto é, do processo civil de declaração na forma ordinária (arts. 70º/2 e 72º/1 LPTA).

As Acções para a Determinação de um Acto Administrativo Legalmente Devido

O principal pressuposto específico destas acções é a omissão de um acto administrativo legalmente devido, esta ideia liga-se intimamente à de vinculação – o acto era devido porque devia ter sido praticado.

Como quaisquer outras acções administrativas, estas acções são da competência dos Tribunal Administrativo de Círculo. Entende-se que estas acções devem poder ser propostas por quem teria legitimidade para a interposição de recurso contencioso do acto administrativo legalmente devido, se este tivesse sido praticado – incluindo, pois, não só titulares de interesse directo, pessoal e legítimo, mas também o Ministério Público e os titulares do direito de acção popular; quanto à legitimidade passiva, ela pertence ao órgão que deva praticar o acto omitido.

Na falta de normas que regulem os diversos aspectos relativos a esta matéria, supõe-se que se deverão aplicar, com as necessárias adaptações, as regras da lei processual civil relativas ao processo civil de declaração, na forma ordinária, como sucede com as acções administrativas sobre contratos e com as acções de responsabilidade (art. 72º/1 LPTA).

Na realidade, não se afigura adequado, em face da natureza condenatória destas acções, admitir a aplicação dos actos administrativos da administração local, como o legislador prevê no que respeita às acções para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo (art. 70º/1 e 24º-a LPTA).


Conceito de Acto administrativo
Acto administrativo é o acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta».
A Definitividade e a Executoriedade Do Acto Administrativo Como Pressupostos Legais do Recurso Contencioso
Nos termos do nº 1 do artigo 33 da LPAC, só é admissível recurso contencioso dos actos administra- tivos definitivos e executórios. Neste sentido, a LPAC manteve os mesmos requisitos de admissibilidade de recursos contenciosos na jurisdição administrativa que eram consagrados no nº 1 do artigo 27 da LPAC 2001, por ela revogada. Durante a preparação da publicação desta obra, ficou-se a saber que o Conselho Constitucional declarou inconstitucional o nº 1 do artigo 33 da lei nº 7/2014, de 28 de Fevereiro, através do acórdão nº 6/CC/2016, de 23 de Novembro, com base nos mesmos fundamentos aduzidos no acórdão nº 8/CC/2015, de 24 de Setembro, com os quais não concordamos, conforme fundamentaremos mais adiante.
Segundo Gilles CISTAC Apud Estrelino Duvane pág. 78, que fez parte da equipa produtora, no anteprojecto da LPAC de 2001 a recorribilidade dos actos administrativos tinha como pressuposto a lesão de direitos ou interesses legal- mente protegidos dos administrados, mas o Conselho de Ministros, na versão final da proposta desta lei, submetida à Assembleia da República, substituiu aquele pressuposto pelo critério clássico da definitividade e executoriedade. «Esta escolha que será consagrada pelo parlamento não favorece ou não facilita verdadeiramente o acesso, pelos particulares, à justiça administrativa e constitui, de facto, uma barreira que a Administração Pública aproveita de forma passiva vista a complexidade do conceito da palavra definitividade». A não verificação destes requisitos tem como consequência jurídica a rejeição liminar do pedido, por força do disposto na alínea d), do nº 2, do artigo 58 da LPAC, por despacho do relator, à luz da alínea i) do nº 2, do artigo 20 desta Lei.
Os actos administrativos definitivos e executórios integram-se numa vasta classificação de actos administrativos que Diogo Freitas do AMARAL a organiza da seguinte maneira:
ü  Quanto ao autor do acto administrativo – em decisões ou deliberações conforme o autor seja singular ou colegial;
ü  Quanto à composição do órgão autor do acto – em actos simples e complexos quando praticados por um único órgão ou por mais de um órgão, respectivamente;
ü  Quanto aos destinatários do acto administrativo – em actos singulares, colectivos, plurais e gerais;
ü  Quanto aos efeitos do acto no tempo – em actos de execução instantânea ou continuada;
ü  Quanto à localização do acto no procedimento e hierarquia administrativas – em actos administrativos definitivos e não definitivos, e,
ü  Quanto à susceptibilidade de execução administrativa do acto – em actos executórios e não executórios.
O Acto Administrativo Definitivo. Espécies De Definitividade
Sob Diogo Freitas do AMARAL apud Estrelino Duvane pág. 79, actos definitivos são os actos administrativos que tem por conteúdo uma decisão horizontal ou verticalmente final». Donde resulta que a definitividade do acto administrativo pode ser horizontal ou vertical.
No plano horizontal, o acto administrativo é a «conclusão de todo um processo que se vai desenrolando no tempo – o procedimento administrativo». É que o acto é sempre precedido por uma série de formalidades, de actos preparatórios, de estudos, de pareceres ou de projectos, que vão ajudando a formar e a esclarecer a vontade da administração. Neste caso, da definitividade horizontal, importa considerar a localização do acto no procedimento, podendo ser praticado por qualquer órgão subalterno, desde que ponha termo ao procedimento administrativo.
O plano vertical do acto administrativo toma em consideração a localização, dentro da hierarquia administrativa, do órgão da Administração que o pratica, podendo ser um órgão subalterno, um órgão superior de uma hierarquia, ou um órgão independente não inserido em nenhuma hierarquia. Neste sentido, vertical, «só são definitivos os actos praticados por aqueles que em cada momento ocupam o topo de uma hierarquia, ou sejam independentes». Aqui, a definitividade do acto afere-se em função da posição que, na hierarquia administrativa, é ocupada pelo órgão que o pratica, devendo sempre ser praticado pelo órgão que ocupa a posição suprema na hierarquia (por exemplo, Governo e seus membros, titulares de órgãos das autarquias locais, dos institutos públicos, das associações públicas, órgãos independentes, órgãos subalternos com competência reservada ou com competência exclusiva). Será esta a solução abraçada pelo ordenamento jurídico moçambicano?
O nosso legislador não esclarece se a definitividade do acto administrativo para efeitos de impugnação contenciosa deve ser vertical ou horizontal, nem se refere ao tipo de órgão que, dentro da hierarquia administrativa, o deve praticar, para que seja tido como definitivo. Julgamos por isso que, para este efeito, basta que a decisão tenha sido tomada por qualquer entidade, desde que esta seja legalmente classificada como órgão de uma pessoa colectiva de direito público, para que seja contenciosamente recorrível.
De acordo com o glossário do anexo da LPA, e com a alínea a), do artigo 1 das NFSAP, designa-se por acto administrativo definitivo e executório a «decisão com força obrigatória e dotada de exequibilidade sobre um determinado assunto, tomada por um órgão de uma pessoa colectiva de direito público». Ou seja, a executoriedade do acto administrativo tem a ver com a sua exequibilidade, enquanto a definitividade do mesmo está relacionada com a força obrigatória do acto, sendo que, num e noutro caso, o mesmo deve ser praticado por um órgão de uma pessoa colectiva de direito público. No mesmo sentido vai a definição legal do acto administrativo: «decisão de um órgão da administração que, nos termos de direito público, visa produzir efeitos numa situação individual e concreta». Nestas definições, a palavra órgão é fulcral.
Mas, o que são órgãos de pessoas colectivas públicas, ou órgãos públicos? «Órgãos públicos são centros de decisão que formulam uma vontade que é referida à respectiva pessoa colectiva pública». «A vontade funcional que se gera no âmbito do órgão público é depois atribuída – imputada – à pessoa colectiva, deixando de pertencer às pessoas que a protagonizam». Cabe à lei que cria, organiza, e estabelece o modo de funcionamento das pessoas colectivas públicas ou das suas extensões ou representações, estabelecer, expressamente, quais são os órgãos dessas pessoas ou representações, e, são esses órgãos que, julgamos, serão tidos em conta, para efeitos de classificação das suas decisões não só como actos administrativos, mas sobretudo como definitivos e executórios, conforme definido pela LPA.
Os órgãos de pessoas colectivas públicas podem ser, nomeadamente, superiores ou inferiores, quanto à sua hierarquia; e centrais ou locais, quanto à sua localização e função.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 7 da CRM, e 1 da Lei nº 8/2003, de 19 de Maio, a República de Moçambique organiza-se territorialmente, do maior ao menor, em Províncias, Distritos, Postos Administrativos, Localidades e Povoações, cujos órgãos106, no contexto da administração pública são, respectivamente, o Governador e o Governo Provinciais, o Administrador e o Governo Distritais, o Chefe do Posto Administrativo e o Chefe da Localidade, nos termos dos artigos 15, 33, 45 e 48 da LOLE, sendo que, os escalões menores se subordinam e respondem sucessiva e cumulativamente108 aos superiores.
Ao nível do Distrito, o respectivo Governo109 é composto pelo Administrador Distrital, pelo Secretário Permanente Distrital e pelos Directores dos Serviços Distritais, cada um dos quais com as suas respectivas competências. Por exemplo, em matéria económica, compete ao Administrador Distrital autorizar o exercício das actividades comerciais, nos termos da Lei, enquanto no âmbito da planificação e orçamentação, cabe ao Secretário Permanente Distrital autorizar as despesas do orçamento, dentro dos limites e parâmetros fixados.
Assim, por exemplo, a recusa não fundamentada de licenciamento para o exercício de uma determinada actividade comercial pelo Administrador Distrital pode ser contenciosamente recorrida ao tribunal administrativo, por se tratar de um acto administrativo definitivo e executório, visto ter sido praticado por um órgão, o Administrador, que faz parte de uma pessoa colectiva de direito público, o Estado-administração. Mas o mesmo recurso contencioso já não seria legalmente aceite caso se fundasse na ilegalidade da recusa do Secretário Permanente Distrital em autorizar a realização de uma despesa que coubesse nos limites e parâmetros legalmente abrangidos pelas suas competências, pois, este não é um órgão da administração pública, e, por conseguinte, a sua decisão não só não é definitiva, como nem acto administrativo é. Estamos perante uma situação em que a lei atribui competências a uma pessoa colectiva de direito público, para tomar decisões sobre determinadas matérias, sem que seja órgão. Assim, para lançar mão ao recurso contencioso, o interessado lesado pela decisão do Secretário Permanente teria de provocar a intervenção do superior hierárquico deste, o Administrador Distrital, para conferir a definitividade orgânica ao acto administrativo de recusa (se este também recusar).
No exemplo dado, os actos administrativos do Administrador Distrital, tanto no primeiro caso (da recusa do licenciamento da actividade comercial), como no segundo (da hipotética recusa da autorização da despesa), são organicamente definitivos e recorríveis, nos termos acima explicados, enquanto a decisão de recusa de autorização da despesa pelo Secretário Permanente Distrital, que tinha quase tudo para ser considerada horizontalmente definitiva, por consubstanciar a «conclusão de todo um processo que se vai desenrolando no tempo – o procedimento administrativo», não é contenciosamente recorrível, por ter sido praticado por quem, embora pertença a uma pessoa colectiva de direito público, não é legalmente qualificada como órgão.
Daqui decorre que, a despeito da ausência de disposição expressa da lei, por via da interpretação se chega à conclusão de que a definitividade dos actos administrativos, para efeitos de recurso contencioso, no nosso ordenamento jurídico, deve ser o que chamaremos de orgânica, e não horizontal nem vertical, pois, tanto a horizontalidade como a verticalidade não conferem, por si sós, definitividade aos actos, se os praticantes destes carecerem da qualidade de órgãos. Isto é, entre nós, a definitividade do acto administrativo não depende do facto de este ter sido praticado pelo órgão mais ou menos alto da hierarquia existente dentro da pessoa colectiva, nem do facto de o acto extinguir um determinado procedimento administrativo, mas tão-somente do facto de quem o tiver praticado ser um órgão dessa pessoa colectiva.
Assim, desde que seja um órgão114 de pessoa colectiva de direito público a praticar o acto, seja local, seja central, seja superior, seja inferior, os seus actos podem ser impugnados na jurisdição administrativa, sem necessidade de passar pelo crivo das garantias graciosas. Porém, se o particular assim o entender, pode usar primeiro a via graciosa das garantias, antes de lançar mão ao recurso contencioso, visto que, nos termos do nº 2 do artigo 153 do RELOLE, o recurso hierárquico não é sempre necessário, pode também ser facultativo, consoante a decisão administrativa a impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso, respectivamente. Ou seja, se a decisão for definitiva e executória, o particular pode, querendo, recorrer hierarquicamente, mas sem efeito suspensivo, nos termos do nº 11 do artigo 153 do RELOLE. Mas se a não for, o recurso será sempre necessário, suspendendo-se a eficácia da decisão recorrida, nos termos do nº 9 do mesmo artigo, a não ser que a lei disponha em contrário ou que o autor da decisão considere que a sua não execução imediata pode provocar grave prejuízo ao interesse público. O artigo 152, nºs 4 e 5, do RELOLE, segue igual solução para a reclamação.
Já na LPA, a regra geral quanto à reclamação é, por força do artigo 159, nº 1, a da eficácia do acto reclamado, a não ser que a lei disponha em contrário, ou quando o autor do acto, oficiosamente ou a pedido do interessado, considere que a execução do acto causaria prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para o seu destinatário; enquanto isso, o recurso hierárquico tem sempre efeito suspensivo, nos termos do artigo 166, nº 2, deste diploma legal. Logo, ao abrigo da LPA, é sempre preferível que o particular abdique da reclamação, que até é facultativa, sempre que não estejam preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso contencioso, indo directo ao recurso hierárquico, de forma a garantir a ineficácia do acto recorrido na pendência do recurso, e assim garantir a protecção do seu direito ou interesse.
Mas ainda que em alguns casos se mostre forçoso recorrer graciosamente para se obter a definitividade do acto, não vemos problema nisso, pois, julgamos que o principal objectivo do particular não é o acesso ao tribunal administrativo, mas sim a protecção do seu direito ou interesse, facto que se concretiza, na pendência dos recursos graciosos, que até podem vir a resolver o seu problema em definitivo, dispensando, por conseguinte, a via contenciosa.
Julgamos acertadas estas soluções do legislador, pois, se por um lado protegem os direitos ou interesses dos particulares, por outro inibem que estes lancem mãos a garantias administrativas inúteis, com possibilidade de causar prejuízos para si próprios, designadamente, a preclusão do prazo para o recurso contencioso.

O acto administrativo executório

O acto administrativo executório enquadra-se na classificação dos actos administrativos com base no critério da susceptibilidade de execução administrativa.


Legalmente, os actos administrativos são executórios desde que se mostrem aptos para a produção dos seus efeitos. Já para a doutrina de Diogo Freitas do AMARAL apud Estrelino DUVANE pág. 84, são executórios os actos administrativos simultaneamente exequíveis e eficazes cuja execução por via administrativa não seja vedada por lei, sendo exequíveis os actos que impõem deveres ou encargos estruturalmente passíveis de execução coerciva contra os particulares, e eficazes os actos que produzem actualmente os efeitos característicos do seu tipo legal ou outros que a lei lhes atribui.

Bibliografia
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Textos do Prof. Doutor Gilles Cistac (Docente da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane);
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ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE, Manual de Processo Administrativo, Edições Almedina
SILVA, VASCO PEREIRA DA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª ed., Almedina
http://direitomozeam.blogspot.com/p/blog-page.html
Lei nº 7/2014, de 28 de Fevereiro.
Lei nº 24/2013, de 01 de Novembro.
Lei 14/2011, de 10 de Agosto.

Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro
Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto



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