A teoria marxista teve ampla aceitação teórica e metodológica, assim como política e revolucionária. Já em 1864, em Londres, Karl Marx e Friedrich Engels estruturaram a Primeira Associação Internacional de Operários, ou Primeira Internacional, promovendo a organização e a defesa dos operários em nível internacional. Extinta em 1873, a difusão das ideias e das propostas marxistas ficou por conta dos sindicatos existentes em diversos países e nos partidos, especialmente os social-democratas.

A Segunda Internacional surgiu na época do centenário da Revolução Francesa (1889), quando diversos congressos socialistas tiveram lugar nas principais capitais europeias, com várias tendências, nem sempre conciliáveis. A Primeira Guerra Mundial pôs fim à Segunda Internacional como uma organização revolucionária da classe trabalhadora, em 1914. Em 1917, uma revolução inspirada nas ideias marxistas, a Revolução Bolchevique4, na Rússia, criava no mundo o primeiro Estado operário. Em 1919, inaugurava-se a Terceira Internacional ou Comintern, que, como a primeira, procurava difundir os ideais comunistas e organizar os partidos e a luta dos operários pela tomada do poder. O Comintern foi dissolvido em 1943, como gesto de amizade do antigo bloco soviético em relação aos aliados da Segunda Guerra Mundial.

4 Revolução Bolchevique: A Revolução Russa de 1917 foi uma série de eventos políticos na Rússia, que, após a eliminação da autocracia russa, e depois do Governo Provisório (Duma), resultou no estabelecimento do poder soviético sob o controle do partido bolchevique. O resultado desse processo foi a criação da União Soviética, que durou até 1991. No começo do século XX, a Rússia era um país de economia atrasada e dependente da agricultura, pois 80% de sua economia estava concentrada no campo (produção de gêneros agrícolas).

Os jacobinos eram membros do clube radical francês, fundado em 1789, que dirigiu a vida política do país durante a Revolução Francesa. Seu nome provém do lugar de reunião do clube, um antigo monastério dominicano (ordem que recebeu a designação popular de jacobina) de Paris.

A aceitação dos ideais marxistas não se restringia mais apenas à Europa. Difundia-se pelos quatro continentes, à medida que se desenvolvia o capitalismo internacional. À formação do operariado no restante do mundo seguia-se o surgimento de sindicatos e partidos marxistas. Os ideais marxistas também se adequavam perfeitamente à luta por soberania e autonomia, existente nos países latino-americanos no início do século XX, assim como à luta pela independência que surgia nas colônias europeias da África e da Ásia, após a Segunda Guerra Mundial.

Em 1919, surgiram partidos comunistas na América do Norte, na China e no México; em 1920, no Uruguai; em 1922, no Brasil e no Chile; e, em 1925, em Cuba. O movimento revolucionário tornava-se mais forte à medida que os Estados Unidos e a URSS emergiam como potências mundiais e passavam a disputar sua influência no mundo. Várias revoluções, como a chinesa, a cubana, a vietnamita e a coreana, instauraram governos revolucionários que, apesar das suas diferenças, organizavam um sistema político com algumas características comuns - forte centralização, economia altamente planejada, coletivização dos meios de produção, fiscalismo e uso intenso de propaganda ideológica e do culto ao dirigente.

Intensificava-se, nos anos 1950 e 1960, a oposição entre os dois blocos mundiais - o capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o socialista, liderado pela URSS. A polarização política e ideológica é transferida para o conjunto do método e da teoria marxista que passam a ser usados, sob o peso da direção do stalinismo na URSS e dos partidos comunistas a ele filiados, como um corpo doutrinário fechado para legitimar a tese do "socialismo em um só país", preconizada pela liderança soviética, e da gestão burocrática dos estados socialistas. O marxismo deixou de ser um método de análise da realidade social para transformar-se em ideologia, perdendo, assim, muito da sua capacidade de elucidar os homens em relação ao seu momento histórico e mobilizá-los para uma tomada consciente de posição.

Em razão dessa disseminação pelo mundo e de sua vulgarização, o marxismo começou a ser identificado com todo movimento revolucionário que se propunha combater as desigualdades sociais entre homens e mulheres, entre diferentes grupos nacionais, étnicos e religiosos. Todos eles são considerados movimentos de esquerda - uma referência aos jacobinos5, partido que, à época da Revolução Francesa, defendia ideais de igualdade e liberdade e sentava-se à esquerda na Assembleia. Todos se confundem com o marxismo, dificultando a identidade e a especificidade das teorias de Marx.

Entre 1989 e 1991, desfazia-se o bloco soviético após uma crise interna e externa bastante intensa - dificuldade em conciliar as diferenças regionais e étnicas, falta de recursos para manter um estado de permanente beligerância6, atraso tecnológico, gestão burocrática da economia e do Estado, baixa produtividade, escassez de produtos, inflação e corrupção, entre outros factores. O fim da União Soviética provocou um abalo nos partidos de esquerda do mundo todo e o redimensionamento das forças internacionais.

6 Beligerância: Participação em guerra ou conflito

Por outro lado, nas últimas décadas, em diferentes países, partidos socialistas conseguiram eleger deputados e até presidentes sem que a forma de poder ou a política económica  tenham se modificado significativamente. Assim, o carácter revolucionário dos partidos de inspiração marxista passa a ser questionado ao mesmo tempo que torna possível a convivência pacífica destes com o capitalismo, pois o objectivo desses partidos não é mais o de romper com o capitalismo, mas apenas o de reformá-lo. Rever as ideias de Karl Marx, entender que, para ele, a teoria não pode se distinguir da práxis sob pena de se tornar alienada e vazia, mas que a história não depende apenas da disposição humana torna-se fundamental para a compreensão da sociedade contemporânea e das crises que ora se apresentam. É importante também para rever conceitos que não foram criados para a especulação científica mas para a acção concreta sobre o mundo.

Toda essa explicação a respeito do marxismo se faz necessária por diversas razões.

Em primeiro lugar, porque a sociologia confundiu-se com socialismo em muitos países, em especial nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento - como são hoje chamados os países dependentes da América Latina e da Ásia, surgidos das antigas colónias  europeias. Nesses países, intelectuais e líderes políticos associaram de maneira categórica o desenvolvimento da sociologia ao desenvolvimento da luta política e dos partidos marxistas. Entre eles, a derrocada do império soviético foi sentida como uma condenação e quase como a inviabilidade da própria ciência.

É preciso lembrar que as teorias marxistas transcendem o momento histórico no qual são concebidas e têm uma validade que extrapola qualquer das iniciativas concretas que buscam viabilizar a sociedade justa e igualitária proposta por Marx. Nunca será bastante lembrar que a ausência da propriedade privada dos meios de produção é condição necessária, mas não suficiente da sociedade comunista teorizada por Marx. Assim, não se devem confundir tentativas de realizações levadas a efeito por inspiração das teorias marxistas com as propostas de Marx de superação das contradições capitalistas. Também é improcedente e de maneira ainda mais rigorosa - confundir a ciência com o ideário político de qualquer partido. Pode haver integração entre um e outro mas nunca identidade.

Em segundo lugar, é preciso entender que a história não termina em qualquer de suas manifestações particulares, quer na vitória comunista, quer na capitalista. Como Marx mostrou o próprio esforço por manter e reproduzir um modo de produção acarreta modificações qualitativas nas forças em oposição. Assim, em termos científicos e marxistas, é preciso voltar o olhar para a compreensão da emergência de novas forças sociais e de novas contradições. Enganam-se os teóricos de direita e de esquerda que vêem em dado momento a realização mítica de um modelo ideal de sociedade.

Em terceiro lugar, hoje se vive nas ciências, de maneira geral, um momento de particular cautela, pois, após dois ou três séculos de crença absoluta na capacidade redentora da ciência, em sua possibilidade de explicitar de maneira inequívoca e permanente a realidade, já não se acredita na infalibilidade dos modelos, e o trabalho permanente de discussão, revisão e complementação se coloca como necessário. Não poderia ser diferente com as ciências sociais, que, do contrário, adquiririam um estatuto de religião e fé, uma vez que se apoiariam em verdades eternas e imutáveis.

 

Contrariamente às formulações que preconizam o fim das lutas sociais entre as classes, é possível reconhecer, na sociedade contemporânea, a persistência dos antagonismos entre o capital social total e a totalidade do trabalho, ainda que particularizados pelos inúmeros elementos que caracterizam a região, país, economia, sociedade, sua inserção na estrutura produtiva global, bem como pelos traços da cultura, gênero, etnia, etc.

 

ANTUNES, Ricardo. A centralidade do trabalho hoje. In: FERRElRA, Leila da Costa. A sociologia no horizonte do século XXI.

São Paulo: Boitempo, 2002. p.l00.

Assim, o fim da União Soviética não significou o fim da história ou da sociologia, nem o esgotamento do marxismo como postura teórica das mais amplas e fecundas, com um poder de explicação não alcançado pelas análises posteriores. Tampouco terminou com a derrubada do Muro de Berlim o ideal de uma sociedade justa e igualitária. O que se torna necessário é rever essa sociedade cujas relações de produção se organizam sob novos princípios - enfraquecimento dos estados nacionais, mundialização do capitalismo, formação de blocos supranacionais e organização política de minorias étnicas, religiosas e até sexuais -, entendendo que as contradições não desapareceram mas se expressam em novas instâncias.

 

Em seu livro De volta ao palácio do barba azul, George Steiner mostra como a sociedade pós-clássica acabou por desmanchar os antagonismos mais agudos que existiam na sociedade ocidental. Os grupos etários se aproximam, as distinções comportamentais dos sexos desaparecem, o mundo rural e o urbano se integram numa estrutura única industrial, e assim por diante. É nessa perspectiva que ele propõe uma releitura da teoria marxista, tentando encontrar em diferentes conjunturas sociais formas de contradição e exploração como as que Marx distinguiu na realidade francesa e na inglesa. Por mais que pretendesse entender o desenvolvimento universal da sociedade humana, Marx jamais deixou de respeitar cientificamente a especificidade e a historicidade de cada uma de suas manifestações.


FONTE: Livro Sociologia Introdução à ciência da sociedade. Cristina Costa Ed. Moderna 3º ed 2005 pagina110 a 136

 

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