O
poder constituinte reveste duas modalidades, que se correlacionam com a acepção
da Constituição em sentido material (segundo a qual, todo o Estado, pelo facto
de o ser, tem, ab initio, de forma explícita ou implícita, um conjunto de
regras superiores balizadoras da organização e do exercício do poder político,
ou seja, uma Constituição) e da Constituição em sentido formal (como o conjunto
de normas superiores aprovadas pelo órgão legislativo competente para reger no
Estado): poder constituinte material ou originário e poder constituinte formal.
O poder constituinte material ou originário
define-se como o “poder de auto-conformação do Estado segundo certa ideia de
Direito” (Miranda, 2002, p. 517), que se erige, historicamente, como triunfante
numa comunidade política que, ao adoptar “um novo sistema constitucional”,
“fixa um sentido para a acção do seu poder” e “assume um novo destino (Ibid.,
p. 519).
Conforme assinalam Alves e Silva (Ibid., p.
82), o poder constituinte material é, lógica e cronologicamente, “anterior à
Constituição” formal, pelo que não lhe está vinculado”, traduzindo-se na
faculdade de dotar o Estado ex-novo de uma Constituição.
O poder constituinte originário possui três
características, segundo Marcelo Rebelo de Sousa (1979, p. 61), citado por
Alves e Silva (Ibid., p. 85):
“-
Inicial, por não existir antes dele qualquer poder que lhe sirva de fundamento;
-
Autónomo, por ser independente, só a ele competirá decidir se, como e quando elaborar
a Constituição; e
-
Omnipotente, por não estar subordinado a nenhuma regra de fundo ou de forma”.
Entretanto, “não é (…) todos os dias que uma
comunidade política adopta um novo sistema constitucional”, mediante o exercício
do poder constituinte originário ou material (Miranda, Ibid., pág. 519). Tal
acontece em momentos de “viragem histórica, em épocas de crise, em ocasiões
privilegiadas irrepetíveis em que é possível ou imperativo escolher” (Ibid., p.
519).
Constituem
exemplos peculiares desses momentos de viragem histórica a proclamação de um
novo Estado e a revolução. No entanto, podem engendrar fenómenos constituintes
uma mudança política na continuidade, uma reforma política stricto sensu ou uma
transição constitucional (Miranda, Ibid.). Para que se surja o poder constituinte
material ou originário deve haver, pois, um contexto político de ruptura com a
situação política ou o regime político até então vigente, com a respectiva
tradução numa nova ordem constitucional. Neste caso, a entidade determinante do
conteúdo essencial dessa Constituição é a entidade (força política ou social,
movimento militar ou popular, monarca, órgão, grupo, etc.) que influencia a mudança
política.
O poder constituinte material exprime-se,
então, nos contextos em que “um Estado surge de novo, ou é restaurado, ou sofre
uma transformação radical da sua estrutura”, aparecendo, assim, “dotado de uma
Constituição – de uma Constituição material a que se seguirá uma Constituição
formal ou de uma Constituição material já acompanhada da Constituição formal”
(Miranda, Ibid., p. 522).
Uma vez estabelecida uma nova ideia de Direito,
ou seja, exercido o poder constituinte material, segue-se a respectiva formalização,
“que se traduz ou culmina no acto da decretação da Constituição formal ou acto
constituinte stricto sensu” (Miranda, Ibid., p.532), mediante o exercício do
poder constituinte formal pelo órgão competente (assembleia constituinte ou com
poderes constituintes).
Poder constituinte formal é, assim, o poder
outorgado a um órgão de aprovar a Constituição formal, vista como um conjunto
de normas jurídicas superiores escritas pelas quais se rege o Estado e às quais
se subordinam as demais normas do nosso ordenamento jurídico.
Miranda
apud Varela 2011. Pág. 29. admite a possibilidade de o poder constituinte
material se fazer acompanhar do poder constituinte formal, coincidindo praticamente
os momentos de adopção da Constituição material e da Constituição formal, a
sequenciação não é necessariamente imediata, ou seja, a Constituição formal,
aprovada pelo órgão legislativo competente, pode não surgir em conexão imediata
com a Constituição material decorrente da instauração da nova ideia de Direito
na comunidade política.
A
aprovação da Constituição formal culmina, pois, um processo de preparação e elaboração,
que pode ser mais ou menos longo, envolvendo, por vezes, negociações políticas
e consultas ao povo, nomeadamente sob a forma de referendo. Até à aprovação da
Constituição formal, com a efectivação do poder constituinte derivado ou
formal, existe, pois, um período em que, a par da Constituição em sentido
material, pode haver normas constitucionais provisórias, de valor reforçado em
relação às demais normas do ordenamento jurídico (Varela 2011. Pág. 30).
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