Processo penal e seu objecto |
O objecto do
processo penal é o facto (ou comportamento humano) concreto, na sua existência
real, que importa averiguar e cuja verificação é pressuposto da aplicação da
pena.
O
objecto de processo não se apresenta delimitado desde o início deste. É
susceptível de diferente graus de apreciação, consoante a evolução que o
próprio processo vai tendo, quer dizer de acordo com as fases em que se
desenvolve. A um primeiro juízo de suspeita sobre o facto, segue-se uma fase
instrutória, destinada a obter a confirmação desse juízo de suspeita. Com
acusação e pronúncia, o juízo de suspeita transforma –se num juízo de
probabilidade. Por último para que a decisão final seja condenatória é
necessária a formulação de um juízo de certeza sobre o facto do processo, pois
é no momento de passagem do juízo de suspeita para um juízo de probabilidade –
com o transitado em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente que s fixa
em termos definitivo o objecto do processo. Dir-se-á que o objecto do processo
penal é a própria acusação.
A
acusação define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo penal.
Segundo princípio do acusatório, a actividade cognitiva e decisória do tribunal
está estritamente limitada pelo objecto da acusação (e da pronúncia), Pois trata-se
daquilo a que se chama, ’’vinculação temática do tribunal’’
e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade e da
consumpção do objecto do processo penal, isto é os princípios segundo os quais
o objecto do processo deve então manter-se o mesmo até ao trânsito em julgado
da sentença, deve ser conhecido na sua totalidade (unitária e indivisivelmente)
e deve considerar-se irrepetivelmente decidido.
Fundamentam-no
razões atinentes à existência de um efectivo e eficaz direito de defesa do
arguido. Compreende-se que, se ao tribunal permitido fosse modificar o objecto
do processo, poder-se-ia encontrar o arguido a braços com novos factos e novas
incriminações que não houvera tomado em conta aquando da preparação da sua
defesa. Dois simples exemplos:
a) A
é acusado de ter cometido um crime de homicídio em Maputo, num determinado dia
às duas horas da madrugada; baseia a sua defesa na prova de que, nesse mesmo
dia, à uma hora da manhã, se encontrava na Matola. A alteração dos factos
descritos na acusação, através da prova produzida em audiência, que se consubstancie,
por exemplo, em não ter o crime sido cometido às 2 mas às 6 horas da madrugada,
destruirá obviamente toda a defesa do réu.[1]
b) B
ê acusado de no dia N, almoçando no café Y, ter assassinado o seu colega de
almoço, através da administração de uma substância venenosa no seu vinho.
Qualquer que seja a estrutura da defesa preparada por B, ele estará obviamente
desarmado (quer se prove ou não o homicídio) face à incidental prova, em
audiência, do cometimento de um furto, por esse mesmo B, nessa mesma ocasião, e
na pessoa de um outro cliente do restaurante.
Tanto
o 1.° como o 2.° exemplos atentam claramente contra as garantias de defesa do
arguido. E isto é tanto mais assim quanto não esquecermos que, face ao
princípio da «presunção da inocência do arguido» até ao trânsito em julgado da
sentença de condenação, deveremos considerar estarmos em presença de um
inocente. A ele não se pode, obviamente, exigir a preparação de uma defesa que
preveja todas as possíveis nuances e alterações de uma acusação, todo o
possível aparecimento de factos novos e de novas incriminações, exactamente
porque sendo (ou presumindo-se) inocente não praticou ou não é criminalmente
responsável por tais factos (podendo por conseguinte ignorá-los). A preparação
de uma defesa desse género só seria exigível e possível a um verdadeiro
culpado.
Mas
se assim é, dir-nos-iam, bastará, em qualquer caso semelhante aos apontados, conceder
um novo prazo ao arguido para que ele possa «preparar» a sua defesa em atenção
aos factos novos surgidos, para que fiquem defendidos os interesses subjacente
ao princípio da identidade. E se assim parece ser no exemplo o), já no exemplo
b) nos parece, nesta fase ainda incipiente da presente análise e com base em
considerações de pura intuição, apresentar-se a questão em moldes muito mais
duvidosos: tria que o tribunal iria julgar B por um crime cuja investigação
teria começado já no julgamento, por iniciativa e actuação do próprio tribunal,
com prejuízo das garantias de imparcialidade e objectividade que o princípio do
acusatório visa salvaguardar. (Seria possível, isso sim, admitir a hipótese de
o próprio réu estar de acordo com o seu julgamento pela nova incriminação, caso
em que cessaria a necessidade de respeito estrito pelo princípio do acusatório
— garantia do acusado).
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