O Direito do Trabalho não é o Direito de todo o trabalho, não toma como objecto de regulação todas as modalidades de exercício de uma actividade humana produtiva ou socialmente útil.
Como ramo de Direito, o seu domínio é o dos fenómenos de relação; excluem-se dele as actividades desenvolvidas pelos indivíduos para satisfação imediata de necessidades próprias.
Tratar-se-á apenas de formas de trabalho livre, voluntariamente prestado;
afastam-se assim as actividades forçadas ou compelidas, isto é, de um modo geral, aquelas que não se fundam num compromisso livremente assumido mas numa imposição externa. Mas a “liberdade” que está em causa na definição do objecto deste ramo de Direito é uma liberdade formal: consiste na possibilidade abstracta de aceitar ou recusar um compromisso de trabalho, de escolher a profissão ou género de actividade (art. 84º CRM), e de concretizar tais escolhas mediante negócios jurídicos específicos. O Direito do Trabalho desenvolve-se em torno de um contrato – o contrato de trabalho – que é o título jurídico típico do exercício dessa liberdade.
O trabalho livre, em proveito alheio e remunerado traduz-se sempre na aplicação de aptidões pessoais, de natureza física, psíquica e técnica; para a pessoa que o realiza, trata-se de “fazer render” essas aptidões, de as concretizar de modo a obter, em contrapartida, um benefício económico.
Este objecto pode ser alcançado, desde logo, mediante a auto-organização do agente: tendo em vista a obtenção de um resultado pretendido por outra pessoa, ele programa a sua actividade no tempo e no espaço, combina-a com os meios técnicos necessários, socorre-se, eventualmente, da colaboração de outras pessoas, e fornece, enfim, esse resultado. O agente dispõe da sua aptidão profissional de acordo com o seu critério, define para si próprio as condições de tempo, de lugar e de processo técnico em que aplica esse potencial: auto-organiza-se, auto determina-se, trabalha com autonomia.
Mas o mesmo indivíduo poderá aplicar as suas aptidões numa actividade organizada e dirigida por outrem, isto é, pelo beneficiário do trabalho – deixando,
com isso, de ser responsável pela obtenção do resultado desejado. Dentro de certos limites de tempo e de espaço, caberá então ao destinatário do trabalho determinar o “quando”, o “onde” e o “como” da actividade a realizar pelo trabalhador; pode dispor, assim, da força de trabalho deste, mediante uma remuneração. O que caracteriza este outro esquema é, visivelmente, o facto de o trabalho ser dependente: é dirigido por outrem, e o trabalhador integra-se numa organização alheia. Trata-se de trabalho juridicamente subordinado, porque esta relação de dependência não é, como se verá, meramente factual: o
Direito reconhece-a, legitima-a e estrutura sobre ela o tratamento das situações em que ocorre.
São as relações de trabalho subordinado que delimitam o âmbito do Direito do Trabalho: as situações caracterizadas pela autonomia de quem realiza trabalho em proveito alheio estão fora desse domínio e são reguladas no âmbito de outros ramos de Direito. Em suma: o Direito do Trabalho regula as relações jurídico-privadas de trabalho livre, remunerado e subordinado.
O Direito do Trabalho não cria este modelo de relação de trabalho: limita-se a recolhê-lo da experiência social, reconhecendo-o e revestindo-o de um certo tratamento normativo. A dependência ou subordinação que caracteriza esse modelo não é imposição legal, é um dado da realidade: quando alguém transmite a outrem a disponibilidade da sua aptidão laboral, está não só a assumir o compromisso de trabalhar mas também o de se submeter à vontade alheia quanto às aplicações dessa aptidão.
O trabalho heterodeterminado ou dependente como realidade pré-jurídica, que constitui a chave do processo de aplicação do Direito do Trabalho.
Fala-se também do trabalho por conta alheia para caracterizar, como uma dominante económica ou patrimonial, o mencionado modelo de relação de trabalho.
O Direito do Trabalho é, pois, o ramo de Direito que regula o trabalho subordinado, heterodeterminado ou não-autónomo. À prestação de trabalho com esta característica corresponde um título jurídico próprio: o contrato de trabalho. É através dele que “uma pessoa, trabalhador, se obriga a prestar a sua actividade a outra pessoa, empregador, sob a autoridade e direcção desta, mediante remuneração (art. 18º LT).
O ordenamento legal do trabalho surgiu e desenvolveu-se como uma reacção ou “resposta” às consequências da debilidade contratual de uma das partes (o trabalhador), perante um esquema negocial originariamente paritário como qualquer contrato jurídico-privado. Essa disparidade originária entre os contraentes deve-se não só à diferente natureza das necessidades que levam cada um a contratar, mas também às condições do mercado de trabalho.
O Direito do Trabalho apresenta-se, assim, ao mesmo tempo, sob o signo da protecção ao trabalhador e como um conjunto de limitações à autonomia privada individual. O contrato de trabalho é enquadrado por uma constelação de normas que vão desde as condições pré-contratuais, passam pelos direitos e deveres recíprocos das partes, atendem com particular intensidade aos termos em que o vínculo pode cessar, e vão até aspectos pós-contratuais.
Não obstante a tipicidade da relação de trabalho subordinado como esquema polarizador e delimitador do Direito do Trabalho, é preciso notar que nela se não esgota o objecto deste ramo de Direito. Incluem-se nele, e com grande saliência, as relações colectivas que se estabelecem entre organizações de trabalhadores (as associações sindicais) e empregadores, organizados ou não. Essas relações apresentam, entre outras, a peculiaridade de, em simultâneo, serem objecto de regulamentação – porque exprimem a actuação de conflitos de interesses – e de terem, elas próprias, um importante potencial normativo, visto tenderem para o estabelecimento de regras aplicáveis às relações de trabalho em certo âmbito. As formas de acção colectiva laboral – a negociação, os meios conflituais – são reguladas pelo ordenamento do trabalho, na dupla perspectiva da “normalização” social e da “formalização” jurídica: as normas do chamado direito colectivo do trabalho visam oferecer meios de racionalização e disciplina dos conflitos de interesses colectivos profissionais e definir as condições da recepção, na ordem jurídica, das determinações que eles venham a produzir. Esse sector do Direito do Trabalho fundamenta-se no reconhecimento da autonomia e da autotutela colectivas.
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