ELABORADO
POR: EMILIO ABNER MAVIE
Querela, no sentido geral, é a queixa, feita em
juízo por via de requerimento ou promoção, de um crime cometido e das suas
respectivas circunstâncias, constantes de um corpo de delito que, nos processos
ordinários, deve ser previamente declarado subsistente. A petição de querela deve
conter o nome do querelante[1], sua profissão, morada,
quando não for o ministério publico…, a natureza, qualidade e circunstâncias do
facto, o lugar e tempo, em que foi praticado, sempre que for possível (vide n°.
1 e seguintes do art. 359° do CCP).
Também
é norma referir-se neste intróito da acusação a forma de processo
correspondente. Sendo o Ministério Público o acusador, bastará uma referência
do tipo “O Ministério Publico vem deduzir acusação, em processo de querela (ou
em processo de polícia correccional), contra….”
Da acusação deve constar a
narração dos factos relevantes para a imputação do crime e a determinação da
espécie e da medida da sanção, ou seja, os elementos constitutivos do crime[2].
−
Abrange, por isso, todos os elementos factuais – objectivos e
subjectivos – que constituam pressupostos da responsabilidade criminal – todos
eles são objecto de prova;
- «“…os factos têm relevância jurídico-penal quando fundamentam a
aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança porque integram um tipo
legal, isto é, violam bens jurídicos penalmente tutelados, tal como foram
definidos; quando são subsumíveis a um tipo legal de crime. O tipo legal
descreve o comportamento humano, proibido pela lei penal, que compreende uma
acção ou omissão típica, ilícita (antijurídica) e culposa. Por acção entende-se
a actividade do homem, determinada por processos causais, dirigida a um
determinado fim e que controla a apreensão do sentido, de entender o que se
quer.
A omissão é deixar de agir.
A acção é típica se prevista na lei. É ilícita quando traduz o específico
sentido de desvalor jurídico-penal que atinge um concreto comportamento humano
numa concreta situação, atentas todas as condições reais de que ele se reveste
ou em que tem lugar. É culposa quando o facto possa ser pessoalmente censurado
ao agente. O objecto do processo, definido pela acusação ou pelo requerimento
de abertura da instrução, é, pois, constituído por aquele facto naturalístico,
dela constante, situado no passado, com a sua identidade, imagem e valoração
social, que viola bens jurídicos penalmente tutelados, e por cuja prática o
agente é alvo de censura.[3]
O
rol de testemunhas e a indicação da demais prova (vide n.° 5 do art. 359° do
CP).
Em caso de omissão deste elemento na acusação, pode
o juiz, aquando da elaboração do despacho de pronúncia, notificar o acusador
para o vir indicar em dois dias – art.º 366.º, § único, do CPP.
A
data e a assinatura (vide n. 6 do art.
359 do CP):
Todo
o documento deve ser identificado para se determinar quem é o seu autor. A
identificação faz-se pela assinatura de quem o subscreve… A data é uma
exigência da peça acusatória, mas na prática é frequentemente substituída pelo
carimbo de entrada na secretaria[4].
Como condição processual de que depende sujeitar-se
alguém a julgamento – a jurisdição, na sua função específica de julgar, não
intervém oficiosamente (nemo iudex sine actore), carecendo de ser solicitada
através de um pedido de intervenção: a acusação – Germano Marques da Silva,
Curso de Processo Penal, Tomo I, pág. 76);
− Enquanto peça processual que define e fixa o
objecto do processo – a jurisdição não pode alargar o seu poder de julgar a
pessoas e factos distintos daqueles que são objecto da acusação (sententia
debet esse conformis libello) – Germano Marques da Silva, Curso de Processo
Penal, Tomo I, pág. 76.
Especificidades
das acusações em processo de querela e em processo de polícia correccional
Quer a querela, quer a acusação em processo de
polícia correccional devem obedecer aos requisitos enunciados no ponto
anterior, havendo apenas que apontar as seguintes especifidades em relação a
cada uma delas[5]:
− A querela deverá ser articulada (art.º 359.º do
CPP) e o número de testemunhas a constar do respectivo rol não poderá exceder a
vinte por cada infracção (art.º 360.º do CPP);
− A acusação em processo de polícia correccional não
tem de ser articulada (art.º 392.º do CPP) e o número de testemunhas a constar
do respectivo rol não poderá exceder a cinco por cada infracção (art.º 393.º do
CPP).
[1]
Aquele que é o
autor da queixa-crime
[2] SUSANO, Helena, JUSTIÇA CRIMINAL
EM MOÇAMBIQUE - NOTAS ESSENCIAIS, 2016:128
[3]
Acórdão da Relação do Porto de 5/12/2007.
[4] Cfr. Germano Marques da Silva – Curso de Processo
Penal, Tomo III, pág. 116.
[5]SUSANO,
Helena, JUSTIÇA CRIMINAL EM MOÇAMBIQUE - NOTAS
ESSENCIAIS , 2016:131
A lei atribui aos herdeiros o direito de exigir a partilha. Por essa ordem de motivos que, no n. 1 do artigo 2101 do CC, se estabelece: qualquer co-herdeiro ou cônjuge meeiro tem o direito de exigir a partilha quando lhe aprouver. Note-se que o direito de exigir a partilha pressupõe que se esteja perante uma de duas situações . Ou é necessário que haja mais de um herdeiro, após a aceitação da herança ou que se houver apenas um herdeiro, este não seja o cônjuge sobrevivente, e que, além dele, haja um cônjuge sobrevivente, que é ao mesmo tempo, meeiro.
Uma das características deste mesmo direito consiste no facto de se tratar, regra geral, de um direito irrenunciável ( vide n.2 do art. 2101 do CC).
As formas de partilha podem ser judicial ou extrajudicial nos termos do n. 1 do art. 2102 do CC.
Com base nas disposições do n. 1 do art. 2102 do CC, verifica-se que a partilha será feita extrajudicialmente, sempre que houver acordo de todas as partes interessadas, quanto à forma de divisão do patrimônio hereditário, não havendo situação que requeira o inventário obrigatório.
Ressalte-se, entretanto, que, de acordo com o disposto no inciso P, do art. 89 do Cartório Notarial, a partilha extrajudicial deverá ser feita em escritura pública, quando houver bens imóveis no patrimônio hereditário.
Já a divisão judicial ocorre em um processo especial, o chamado processo de inventário.
Observe que os herdeiros também podem ser colocados na posição de co-proprietário em relação a certos bens, etc.
segundo artigo 2080 do CC, pode ser cabeça do casal
- primeiro cônjuge sobrevivente,
- em segundo lugar, para o testamentário,
em terceiro lugar, para os membros da família que são herdeiros legais,
- em quarto lugar aos herdeiros testamentários.
Quanto à administração do bem comum do falecido, só funcionará se o falecido for casado segundo o regime de comunhão geral de bens ou segundo o regime de comunhão de direitos adquiridos.
Em 2005, foi levado a cabo um inquérito liderado pelo Instituto Nacional de Estatística de Moçambique sobre o Setor Informal. O Inquérito Nacional ao Setor Informal (INFOR) teve como objetivo conhecer a realidade desta economia não observada que pelo seu grande significado económico, alberga muitos trabalhadores e é fonte de geração de emprego e de rendimento, e que se constitui como uma alternativa ao combate à pobreza.
A Lei do Trabalho (Lei n.° 23/2007) em vigor em Moçambique não abrange os trabalhadores por conta própria nem as relações de trabalho que não sejam submetidas a contrato individual ou coletivo de trabalho. Muitos dos trabalhadores do sector informal não se encontram protegidos pela respetiva lei. A este facto junta-se todas as crianças trabalhadores que atuam no setor informal da economia.
Os resultados obtidos com este inquérito revelou que 504,3 milhares de crianças com idades compreendidas entre os 7 e os 14 anos de idade encontram-se a trabalhar no setor informal. Regista-se uma maior incidência de crianças trabalhadoras nas províncias de Tete (105,6 milhares), Manica (112 milhares), Sofala (61,4 milhares) e Inhambane (57,9 milhares). (O Sector Informal em Moçambique: Resultados do Primeiro Inquérito Nacional (2005), p. 89.).
A percentagem de meninas trabalhadoras (52,3%) é superior à dos meninos (47,7%) para o setor informal ao nível nacional. Encontra-se maior concentração de crianças trabalhadoras no centro do país (319,4 milhares).
Os sectores de actividade mais preponderantes ao trabalho informal são a agricultura, a indústria e construção, o comércio e o turismo e outros serviços. O sector de actividade que alberga mais crianças trabalhadoras com idades compreendidas entre os 7 e os 14 anos de idade é a agricultura, sobretudo no processo de produção de algodão. Registaram-se 497,2 milhares de crianças a trabalhar em actividades agrícolas, seguidas de 4,6 milhares em atividades relacionadas com o comércio e o turismo.
É natural que a maioria das crianças trabalhadoras ilegais trabalhem na agricultura, no sentido em que, dados recolhidos pelo Inquérito Integrado à Força de Trabalho, do INE, demonstram que 78.5% da população ativa moçambicana se dedica a actividades no ramo da agricultura, pecuária, caça, pesca e silvicultura.
A região centro de Moçambique é a região mais afetada pelo trabalho infantil, seguida pela região sul e depois pela região norte. Por outro lado, há maior incidência de trabalho infantil nas zonas rurais. Neste seguimento, o 2° relatório sobre a implementação da Convenção dos Direitos da Criança (CRC/C/MOZ/2) concluiu que na zona rural as crianças são frequentemente forçadas, quer pela família ou pela situação precária em que se encontram, a trabalhar na agricultura, trabalho doméstico e prostituição por causa do crónico problema de probreza, da falta de emprego dos adultos e problemas associados ao VIH/SIDA. (Segundo os resultados do Inquérito Integrado à Força de Trabalho (2004/2005), a taxa de desemprego da população de 15 e mais anos em Moçambique era de 18,7%).
Os dados aqui referidos remontam a 2005, não tendo sido realizado posteriormente outro estudo sobre o mesmo fenómeno. Desta forma, é difícil referir-se a qualquer evolução, positiva ou negativa, que tenha ocorrido, após a implementação de estratégias e programas do Governo no que diz respeito à promoção dos direitos das crianças, sobretudo na área do trabalho infantil.
Marx considerava, tal como os clássicos, sobretudo Adam
Smith[1] e
David Ricardo, a força de trabalho como uma mercadoria que é vendida pelos
trabalhadores e comprada pelos capitalistas. O trabalhador, porque
tendencialmente apenas possui a sua força de trabalho como única mercadoria, é
obrigado a vendê-la ao capitalista no mercado de trabalho, cujo preço é
traduzido pelo salário.
O valor da força de trabalho expressa-se no salário. A
relação dos salários implica que a capacidade de trabalho dos assalariados, a sua
força de trabalho, se torna uma mercadoria. A capacidade de trabalho é o valor
de uso para produzir mercadorias. O seu valor de troca é representado pela taxa
de salário. Assim, a força de trabalho é uma mercadoria que os trabalhadores
oferecem no mercado de trabalho.
O valor da força de trabalho é determinado, como o de
qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho abstracto socialmente
necessário para a sua produção (e reprodução). O seu valor é, contudo, em
média, igual à subsistência do trabalhador (e sua reprodução), subsistência
definida como um mínimo cultural, evoluindo historicamente, significando que
esse mínimo, em termos absolutos, tende a subir diacronicamente, tendo em
consideração a evolução da humanidade, variando, também, espacialmente.
Marx, contrariamente a Adam Smith, considerava que o
salário de subsistência (o salário natural para Smith e Ricardo) evoluía ao longo
da história, o que Ricardo também considerava. Marx enfatizou, também, que o
salário real dos trabalhadores poderia ser aumentado através da sua luta:
“Ele (o trabalhador) não tem outro recurso senão tentar
impor, em alguns casos, um aumento dos salários, ainda que seja apenas para
compensar a baixa em outros casos. Se espontaneamente se resignasse a acatar a
vontade, os ditames do capitalista, como uma lei económica permanente
compartilharia de toda a miséria do escravo, sem compartilhar, em troca, da
segurança deste…. Falar da luta pelos salários independentemente de todas as
circunstâncias; não senão a variação dos salários; não ter em conta as outras
variações das quais ela resulta, é partir de premissas falsas para chegar a
conclusões falsas.”[2].
Esta posição de Marx contrasta com a posição de Lassalle,
que ficou conhecida por lei de bronze dos salários, segundo a qual os
salários deviam cair, inevitavelmente, para o nível mínimo de subsistência
física dos trabalhadores.
Também segundo a tese do “fundo de salários” defendida
por John Stuart Mill, segundo a qual, em cada situação dada, existe um fundo
pré-fixado para os salários, pelo que seria inútil tentar alterá-lo e obter
maiores salários reais por meio do aumento dos salários nominais.
Estas posições de Lassalle e de Stuart Mill são
determinísticas levando, se aceites, a que os trabalhadores se conformem com a
situação em cada momento, permitindo uma sobre-exploração, quer através da
criação de mais-valia extensiva – com o prolongamento do horário de trabalho
mantendo os mesmos salários – quer com a criação da mais-valia relativa,
traduzida numa maior intensidade de trabalho dentro do mesmo horário de
trabalho.
De acordo com Marx, a luta dos trabalhadores pode levar a
um aumento dos salários reais, dentro do sistema capitalista, nomeadamente, de
forma a manter a repartição relativa do rendimento entre os trabalhadores e os
capitalistas.
DONÁRIO ET BORGES DOS SANTOS, Teoria De Karl Marx Maio de 2016
Armados da Concepção
Materialista da História, Marx e Engels a aplicaram ao conhecimento das
formações económico-sociais pré-capitalistas (sociedades primitivas, sociedades
escravistas, sociedades feudais) e, particularmente e com mais força, ao estudo
do modo de produção capitalista e da sociedade burguesa a ele correspondente.
Foi possível a Marx investigar a origem, a organização, a dinâmica, as
contradições, as crises e as possibilidades de superação da sociedade
capitalista.[1]
Assim como os homens
foram capazes de construir, em determinadas condições histórias, diversas
formas de sociedade, são também os demiurgos do conhecimento, pensamento,
idéias. As categorias ou conceitos devem expressar o movimento da realidade
concreta. Marx e Engels não toleravam os pensadores e correntes que
divinizavam, mistificavam, o capitalismo e o transformavam numa sociedade fora
da história, chegando a defender que a sociedade burguesa era o próprio “fim da
história”. Para Marx e Engels, tanto a sociedade capitalista quanto as
categorias que expressam as suas relações sociais são históricas, transitórias,
superáveis.
Em O
Capital, Marx tinha uma clara visão que a Economia Política, isto é, a que
vê na ordem capitalista a configuração definitiva e última da produção social,
só pode assumir carácter científico enquanto a luta de classes permaneça
latente ou se revele apenas em manifestações esporádicas. Vejamos o exemplo da
Inglaterra. Sua economia política clássica aparece no período em que a luta de
classes não estava desenvolvida. Ricardo, seu último grande representante,
toma, por fim, conscientemente, como ponto de partida de suas pesquisas, a
oposição ente os interesses de classe, entre o salário e o lucro, entre o lucro
e a renda da terra, considerando, ingenuamente, essa ocorrência uma lei perene
e natural da sociedade. Com isso, a ciência burguesa da economia atinge um
limite que não pode ultrapassar (2002:22-23).
Para que a relação chamada capital possa
existir é preciso, como diz Marx em O Capital, que duas espécies bem
diferentes de possuidores de mercadorias tenham de confrontar-se e entrar em
relação um com outro:
De um lado, o proprietário de dinheiro, de
meios de produção e de meios de subsistência, empenhado em aumentar a soma de
valores que possui, comprando a força de trabalho alheia; e, do outro, os
trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, portanto, de
trabalho. Trabalhadores livres em dois sentidos, porque não são parte directa
dos meios de produção, como os escravos e servos, e porque não são donos dos
meios de produção, como o camponês autónomo, estando assim livres e
desembaraçados deles. Estabelecidos esses dois pólos de mercado, ficam dadas as
condições básicas da produção capitalista. O sistema capitalista pressupõe a
dissociação entre os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos quais
realizam o trabalho. Quando a produção capitalista se torna independente, não
se limita a manter essa dissociação, mas a reproduz em escala cada vez maior. O
processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira
ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que
transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e
converte em assalariados os produtores directos. A chamada acumulação primitiva
é apenas o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção
(2006, p. 828).
O capital, portanto, é uma relação
social, uma relação entre os capitalistas, de um lado, e os trabalhadores
assalariados, de outro. O objectivo central da sociedade capitalista é extração
da mais-valia, do trabalho excedente, por meio da exploração da força de
trabalho e da produção de mercadorias. Como Marx analisa, em O Capital,
a mercadoria é “A célula da sociedade burguesa é a forma mercadoria” (2002,
p.16). E acrescenta: “A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista
configura-se em imensa produção de mercadorias” (Idem: 57).
Ao contrário da Economia mercantil simples, presente nas
formações sociais pré-capitalistas, em que as trocas de produtos pelos
produtores direitos, como, por exemplo, os camponeses e artesãos, com o objectivo
de garantir a sua própria subsistência e da sua família (a fórmula da economia
mercantil simples é: M (mercadoria) – D (dinheiro) – M (mercadoria), a produção
capitalista é uma economia mercantil desenvolvida, que objectiva a produção de
mercadorias para a venda (mediação do dinheiro), para garantir o lucro e a
acumulação do capital (a fórmula da produção capitalista é: D (dinheiro) – M
(mercadoria) – D' (dinheiro).
Os produtos do trabalho humano constituem valor de uso,
isto é, um bem destinado a atender a uma determinada necessidade. No
capitalismo, porém, os produtos do trabalho e a própria força de trabalho
constituem mercadorias. Essa pode ser concebida sob um duplo aspecto: como
valor de uso e valor de troca. Como valor de uso se destina a atender a uma
determinada necessidade humana. Como valor de troca, objectiva ser
intercambiada por outras mercadorias (no capitalismo, como dissemos, as trocas
são, em regra, realizadas com a intermediação do dinheiro).
A concepção marxista tem como base a teoria do
valor-trabalho, elaborada em suas linhas iniciais pela Economia Política
clássica, em particular por Adam Smith (A riqueza das Nações) e David
Ricardo (Princípios da economia política e da tributação). Para essa
teoria, o trabalho é o fundamento da riqueza material, é a base do valor das
mercadorias. O marxismo assimilou e desenvolveu a teoria do valor-trabalho,
aplicando-a, de maneira consistente, à explicação do funcionamento do modo de
produção capitalista e do intercâmbio de mercadorias. Para Marx, o valor de
qualquer mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente
necessário para produzi-las, nas condições médias de produtividade do trabalho
humano e de desenvolvimento das forças produtivas. O preço da mercadoria é a
expressão em dinheiro do seu valor. Esse
é o centro de gravidade em torno do qual varia para cima ou para baixo o preço
das mercadorias.
Eis a explicação de Marx, contida em O Capital:
Como os
valores de troca das mercadorias não passam de funções sociais das mesmas, nada
tendo a ver com suas propriedades naturais, devemos, antes de mais nada,
perguntar: qual é a substância social comum a todas as mercadorias? É o
trabalho. Para produzir uma mercadoria, deve-se investir nela ou a ela
incorporar uma determinada quantidade de trabalho. E não simplesmente trabalho,
mas trabalho social. Aquele que produz um objecto para seu uso pessoal e directo,
para seu consumo, produz um produto, mas não uma mercadoria. Como produtor que
se mantém a si mesmo, nada tem a ver com a sociedade. Mas para produzir uma
mercadoria, não só é preciso um artigo que satisfaça uma necessidade social
qualquer, mas também o trabalho, nele incorporado, deverá representar uma parte
integrante da soma global de trabalho investido pela sociedade. Tem de estar
subordinado à divisão de trabalho dentro da sociedade. Ele nada é sem os demais
sectores do trabalho; por sua vez, ele é necessário para integrá-los (2002:99).
A força de trabalho, como se disse, é transformada no
capitalismo em mercadoria, vendida e comprada no mercado de trabalho. Como toda
mercadoria, o valor da força de trabalho corresponde à quantidade de trabalho
socialmente necessário para a sua produção e reprodução, ou seja, a quantidade
de itens necessários à sobrevivência do trabalhador e da sua família. O preço
da força de trabalho é a expressão em dinheiro do seu valor. Como todas as
mercadorias, a lei da oferta e da procura incide sobre a alta e a baixa dos
preços da mercadoria força de trabalho, que varia para cima ou para baixo do
seu valor.
No quadro da sociedade capitalista, a relação entre
capital e trabalho aparece como uma relação de igualdade. É como se as duas
partes estivessem numa situação de equivalência diante da lei e das normas
trabalhistas. O contrato de trabalho, como expressão das relações económicas
burguesas entre capital e trabalho, apresenta-se como um acordo de livre
vontade, em que ambas as partes, dispondo das mesmas condições, decidem as
regras que irão reger a sua relação no processo de trabalho. Entretanto, trata
de uma igualdade meramente formal, que, do ponto de vista ideológico, esconde
as relações reais de desigualdades existentes entre capitalistas e
trabalhadores assalariados.
No capitalismo, adverte Marx, o trabalhador, envolto em
relações de produção burguesas, trabalha sob o controle do capitalista, a quem
pertence seu trabalho. O capitalista cuida em que o trabalho se realize de
maneira apropriada e em que se apliquem adequadamente os meios de produção, não
se desperdiçando matéria-prima e poupando-se o instrumental de trabalho, de
modo que só se gaste deles o que for imprescindível à execução do trabalho.
(...) o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o
trabalhador (2002:2018).
Uma vez realizado o contrato de trabalho, a força de
trabalho é posta pelo capitalista no processo de produção material, em contacto
com os meios de produção. O contrato de trabalho é o invólucro jurídico que
encobre o processo de exploração. Em geral, o contrato de trabalho estabelece
em média uma jornada de 8 horas diárias. Levando em conta as particularidades
da época dos fundadores do marxismo e a jornada de trabalho vigente, podemos,
com Marx, em Salário, Preço e Lucro, compreender como funciona o
mecanismo de exploração capitalista na esfera da produção no chão da fábrica:
Ao comprar a
força de trabalho do operário e ao pagar o seu valor, o capitalista adquire,
como qualquer outro comprador, o direito de consumir ou usar a mercadoria que
comprou. A força de trabalho de um homem é consumida, ou usada, fazendo-o
trabalhar, assim como se consome ou se usa uma máquina fazendo-a funcionar.
Portanto, ao comprar o valor diário, ou semanal, da força de trabalho do
operário, o capitalista adquire o direito de servir-se dela ou de fazê-la
funcionar durante todo o dia ou toda a semana. (...) Tomemos o exemplo do
tecelão. Para recompor diariamente a sua força de trabalho, esse operário
precisa reproduzir um valor diário de 3 xelins, o que faz com um trabalho
diário de 6 horas. Isso, porém, não lhe retira a capacidade de trabalhar 10, 12
ou mais horas diariamente. Mas, ao pagar o valor diário ou semanal da força de
trabalho do tecelão, o capitalista adquire o direito de usar essa força de
trabalho durante todo o dia ou toda a semana. Portanto, digamos que irá fazê-lo
trabalhar 12 horas diárias, ou seja, além das 6 horas necessárias para recompor
o seu salário, ou o valor de sua força de trabalho, terá de trabalhar outras 6
horas, a que chamarei “horas de sobre trabalho”, e esse sobre trabalho se
traduzirá em uma “mais-valia” e em um “sobre produto”. Se, por exemplo, nosso
tecelão, com o seu trabalho diário de 6 horas, acrescenta ao algodão um valor
de 3 xelins, valor que constitui um equivalente exacto de seu salário, em 12
horas acrescentará ao algodão um valor de 6 xelins e produzirá uma
“correspondente quantidade adicional de fio”. E, como vendeu sua força de
trabalho ao capitalista, todo o valor ou todo o produto por ele criado pertence
ao capitalista, que é dono, por um tempo determinado, de sua força de trabalho.
Portanto, desembolsando 3 xelins, o capitalista realizará o valor de 6 xelins,
pois pelo pagamento de 6 horas de trabalho recebeu em troca um valor relativo a
12 horas de trabalho. Ao se repetir, diariamente, tal operação, o capitalista
adiantará 3 xelins por dia e embolsará 6 xelins; desse montante, a metade
tornará a investir no pagamento de novos salários, enquanto a outra metade
formará a “mais-valia”, pela qual o capitalista não paga equivalente algum.
Esse tipo de troca entre o capital e o trabalho é que serve de base à produção
capitalista, ou ao sistema de trabalho assalariado e tem de conduzir, sem
cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como
capitalista. (2006: 113-15).
Numa parte da jornada de trabalho (tempo de trabalho
necessário) o trabalhador produz o suficiente para fazer retornar ao
capitalista o que este lhe antecipou na forma de salário (preço da mercadoria
força de trabalho). Na parte seguinte da jornada de trabalho (tempo de trabalho
excedente) o trabalhador produz uma quantidade de valor, isto é, de riqueza,
apropriada sem contrapartida pelo capitalista. É exactamente esse fenómeno que
Marx denomina de mais-valia. Estava explicado o mecanismo da exploração
capitalista, a que o trabalhador está submetido na sociedade burguesa.
Da Concepção Materialista da História resultava como
consequência a ideia axial de que de que não há qualquer sociedade imutável,
insuperável, dada de uma vez para sempre ou imune às transformações sociais,
económicas, políticas e culturais. O capitalismo, como as demais formações
económico-sociais, ao longo da história da humanidade, teve uma origem, desenvolveu-se
e se encontra numa crise profunda. No caso da sociedade burguesa, as forças
produtivas avançaram numa escala jamais vista.
Marx e Engels, em Manifesto Comunista, comentou
esse aspecto da história do capitalismo:
A sociedade burguesa, com suas relações de produção e de troca, o regime
burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos
meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode
controlar os poderes infernais que invocou. Há dezenas de anos, a história da
indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças
produtivas modernas contra as modernas relações de produção, contra as relações
de propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu domínio. Basta
mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada
vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise, destrói regularmente
não só uma grande massa de produtos fabricados, mas também uma grande parte das
próprias forças produtivas já criadas (1998:41).
[1] PEREIRA, Francisco. Karl Marx e o Direito:
Elementos para uma crítica marxista do Direito. Salvador-BA: LEMARX, 2019:21 ss.
ELABORADO
POR: EMILIO ABNER MAVIE
Querela, no sentido geral, é a queixa, feita em
juízo por via de requerimento ou promoção, de um crime cometido e das suas
respectivas circunstâncias, constantes de um corpo de delito que, nos processos
ordinários, deve ser previamente declarado subsistente. A petição de querela deve
conter o nome do querelante[1], sua profissão, morada,
quando não for o ministério publico…, a natureza, qualidade e circunstâncias do
facto, o lugar e tempo, em que foi praticado, sempre que for possível (vide n°.
1 e seguintes do art. 359° do CCP).
Também
é norma referir-se neste intróito da acusação a forma de processo
correspondente. Sendo o Ministério Público o acusador, bastará uma referência
do tipo “O Ministério Publico vem deduzir acusação, em processo de querela (ou
em processo de polícia correccional), contra….”
Da acusação deve constar a
narração dos factos relevantes para a imputação do crime e a determinação da
espécie e da medida da sanção, ou seja, os elementos constitutivos do crime[2].
−
Abrange, por isso, todos os elementos factuais – objectivos e
subjectivos – que constituam pressupostos da responsabilidade criminal – todos
eles são objecto de prova;
- «“…os factos têm relevância jurídico-penal quando fundamentam a
aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança porque integram um tipo
legal, isto é, violam bens jurídicos penalmente tutelados, tal como foram
definidos; quando são subsumíveis a um tipo legal de crime. O tipo legal
descreve o comportamento humano, proibido pela lei penal, que compreende uma
acção ou omissão típica, ilícita (antijurídica) e culposa. Por acção entende-se
a actividade do homem, determinada por processos causais, dirigida a um
determinado fim e que controla a apreensão do sentido, de entender o que se
quer.
A omissão é deixar de agir.
A acção é típica se prevista na lei. É ilícita quando traduz o específico
sentido de desvalor jurídico-penal que atinge um concreto comportamento humano
numa concreta situação, atentas todas as condições reais de que ele se reveste
ou em que tem lugar. É culposa quando o facto possa ser pessoalmente censurado
ao agente. O objecto do processo, definido pela acusação ou pelo requerimento
de abertura da instrução, é, pois, constituído por aquele facto naturalístico,
dela constante, situado no passado, com a sua identidade, imagem e valoração
social, que viola bens jurídicos penalmente tutelados, e por cuja prática o
agente é alvo de censura.[3]
O
rol de testemunhas e a indicação da demais prova (vide n.° 5 do art. 359° do
CP).
Em caso de omissão deste elemento na acusação, pode
o juiz, aquando da elaboração do despacho de pronúncia, notificar o acusador
para o vir indicar em dois dias – art.º 366.º, § único, do CPP.
A
data e a assinatura (vide n. 6 do art.
359 do CP):
Todo
o documento deve ser identificado para se determinar quem é o seu autor. A
identificação faz-se pela assinatura de quem o subscreve… A data é uma
exigência da peça acusatória, mas na prática é frequentemente substituída pelo
carimbo de entrada na secretaria[4].
Como condição processual de que depende sujeitar-se
alguém a julgamento – a jurisdição, na sua função específica de julgar, não
intervém oficiosamente (nemo iudex sine actore), carecendo de ser solicitada
através de um pedido de intervenção: a acusação – Germano Marques da Silva,
Curso de Processo Penal, Tomo I, pág. 76);
− Enquanto peça processual que define e fixa o
objecto do processo – a jurisdição não pode alargar o seu poder de julgar a
pessoas e factos distintos daqueles que são objecto da acusação (sententia
debet esse conformis libello) – Germano Marques da Silva, Curso de Processo
Penal, Tomo I, pág. 76.
Especificidades
das acusações em processo de querela e em processo de polícia correccional
Quer a querela, quer a acusação em processo de
polícia correccional devem obedecer aos requisitos enunciados no ponto
anterior, havendo apenas que apontar as seguintes especifidades em relação a
cada uma delas[5]:
− A querela deverá ser articulada (art.º 359.º do
CPP) e o número de testemunhas a constar do respectivo rol não poderá exceder a
vinte por cada infracção (art.º 360.º do CPP);
− A acusação em processo de polícia correccional não
tem de ser articulada (art.º 392.º do CPP) e o número de testemunhas a constar
do respectivo rol não poderá exceder a cinco por cada infracção (art.º 393.º do
CPP).
[1]
Aquele que é o
autor da queixa-crime
[2] SUSANO, Helena, JUSTIÇA CRIMINAL
EM MOÇAMBIQUE - NOTAS ESSENCIAIS, 2016:128
[3]
Acórdão da Relação do Porto de 5/12/2007.
[4] Cfr. Germano Marques da Silva – Curso de Processo
Penal, Tomo III, pág. 116.
[5]SUSANO,
Helena, JUSTIÇA CRIMINAL EM MOÇAMBIQUE - NOTAS
ESSENCIAIS , 2016:131
A lei atribui aos herdeiros o direito de exigir a partilha. Por essa ordem de motivos que, no n. 1 do artigo 2101 do CC, se estabelece: qualquer co-herdeiro ou cônjuge meeiro tem o direito de exigir a partilha quando lhe aprouver. Note-se que o direito de exigir a partilha pressupõe que se esteja perante uma de duas situações . Ou é necessário que haja mais de um herdeiro, após a aceitação da herança ou que se houver apenas um herdeiro, este não seja o cônjuge sobrevivente, e que, além dele, haja um cônjuge sobrevivente, que é ao mesmo tempo, meeiro.
Uma das características deste mesmo direito consiste no facto de se tratar, regra geral, de um direito irrenunciável ( vide n.2 do art. 2101 do CC).
As formas de partilha podem ser judicial ou extrajudicial nos termos do n. 1 do art. 2102 do CC.
Com base nas disposições do n. 1 do art. 2102 do CC, verifica-se que a partilha será feita extrajudicialmente, sempre que houver acordo de todas as partes interessadas, quanto à forma de divisão do patrimônio hereditário, não havendo situação que requeira o inventário obrigatório.
Ressalte-se, entretanto, que, de acordo com o disposto no inciso P, do art. 89 do Cartório Notarial, a partilha extrajudicial deverá ser feita em escritura pública, quando houver bens imóveis no patrimônio hereditário.
Já a divisão judicial ocorre em um processo especial, o chamado processo de inventário.
Observe que os herdeiros também podem ser colocados na posição de co-proprietário em relação a certos bens, etc.
segundo artigo 2080 do CC, pode ser cabeça do casal
- primeiro cônjuge sobrevivente,
- em segundo lugar, para o testamentário,
em terceiro lugar, para os membros da família que são herdeiros legais,
- em quarto lugar aos herdeiros testamentários.
Quanto à administração do bem comum do falecido, só funcionará se o falecido for casado segundo o regime de comunhão geral de bens ou segundo o regime de comunhão de direitos adquiridos.
Em 2005, foi levado a cabo um inquérito liderado pelo Instituto Nacional de Estatística de Moçambique sobre o Setor Informal. O Inquérito Nacional ao Setor Informal (INFOR) teve como objetivo conhecer a realidade desta economia não observada que pelo seu grande significado económico, alberga muitos trabalhadores e é fonte de geração de emprego e de rendimento, e que se constitui como uma alternativa ao combate à pobreza.
A Lei do Trabalho (Lei n.° 23/2007) em vigor em Moçambique não abrange os trabalhadores por conta própria nem as relações de trabalho que não sejam submetidas a contrato individual ou coletivo de trabalho. Muitos dos trabalhadores do sector informal não se encontram protegidos pela respetiva lei. A este facto junta-se todas as crianças trabalhadores que atuam no setor informal da economia.
Os resultados obtidos com este inquérito revelou que 504,3 milhares de crianças com idades compreendidas entre os 7 e os 14 anos de idade encontram-se a trabalhar no setor informal. Regista-se uma maior incidência de crianças trabalhadoras nas províncias de Tete (105,6 milhares), Manica (112 milhares), Sofala (61,4 milhares) e Inhambane (57,9 milhares). (O Sector Informal em Moçambique: Resultados do Primeiro Inquérito Nacional (2005), p. 89.).
A percentagem de meninas trabalhadoras (52,3%) é superior à dos meninos (47,7%) para o setor informal ao nível nacional. Encontra-se maior concentração de crianças trabalhadoras no centro do país (319,4 milhares).
Os sectores de actividade mais preponderantes ao trabalho informal são a agricultura, a indústria e construção, o comércio e o turismo e outros serviços. O sector de actividade que alberga mais crianças trabalhadoras com idades compreendidas entre os 7 e os 14 anos de idade é a agricultura, sobretudo no processo de produção de algodão. Registaram-se 497,2 milhares de crianças a trabalhar em actividades agrícolas, seguidas de 4,6 milhares em atividades relacionadas com o comércio e o turismo.
É natural que a maioria das crianças trabalhadoras ilegais trabalhem na agricultura, no sentido em que, dados recolhidos pelo Inquérito Integrado à Força de Trabalho, do INE, demonstram que 78.5% da população ativa moçambicana se dedica a actividades no ramo da agricultura, pecuária, caça, pesca e silvicultura.
A região centro de Moçambique é a região mais afetada pelo trabalho infantil, seguida pela região sul e depois pela região norte. Por outro lado, há maior incidência de trabalho infantil nas zonas rurais. Neste seguimento, o 2° relatório sobre a implementação da Convenção dos Direitos da Criança (CRC/C/MOZ/2) concluiu que na zona rural as crianças são frequentemente forçadas, quer pela família ou pela situação precária em que se encontram, a trabalhar na agricultura, trabalho doméstico e prostituição por causa do crónico problema de probreza, da falta de emprego dos adultos e problemas associados ao VIH/SIDA. (Segundo os resultados do Inquérito Integrado à Força de Trabalho (2004/2005), a taxa de desemprego da população de 15 e mais anos em Moçambique era de 18,7%).
Os dados aqui referidos remontam a 2005, não tendo sido realizado posteriormente outro estudo sobre o mesmo fenómeno. Desta forma, é difícil referir-se a qualquer evolução, positiva ou negativa, que tenha ocorrido, após a implementação de estratégias e programas do Governo no que diz respeito à promoção dos direitos das crianças, sobretudo na área do trabalho infantil.
Marx considerava, tal como os clássicos, sobretudo Adam
Smith[1] e
David Ricardo, a força de trabalho como uma mercadoria que é vendida pelos
trabalhadores e comprada pelos capitalistas. O trabalhador, porque
tendencialmente apenas possui a sua força de trabalho como única mercadoria, é
obrigado a vendê-la ao capitalista no mercado de trabalho, cujo preço é
traduzido pelo salário.
O valor da força de trabalho expressa-se no salário. A
relação dos salários implica que a capacidade de trabalho dos assalariados, a sua
força de trabalho, se torna uma mercadoria. A capacidade de trabalho é o valor
de uso para produzir mercadorias. O seu valor de troca é representado pela taxa
de salário. Assim, a força de trabalho é uma mercadoria que os trabalhadores
oferecem no mercado de trabalho.
O valor da força de trabalho é determinado, como o de
qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho abstracto socialmente
necessário para a sua produção (e reprodução). O seu valor é, contudo, em
média, igual à subsistência do trabalhador (e sua reprodução), subsistência
definida como um mínimo cultural, evoluindo historicamente, significando que
esse mínimo, em termos absolutos, tende a subir diacronicamente, tendo em
consideração a evolução da humanidade, variando, também, espacialmente.
Marx, contrariamente a Adam Smith, considerava que o
salário de subsistência (o salário natural para Smith e Ricardo) evoluía ao longo
da história, o que Ricardo também considerava. Marx enfatizou, também, que o
salário real dos trabalhadores poderia ser aumentado através da sua luta:
“Ele (o trabalhador) não tem outro recurso senão tentar
impor, em alguns casos, um aumento dos salários, ainda que seja apenas para
compensar a baixa em outros casos. Se espontaneamente se resignasse a acatar a
vontade, os ditames do capitalista, como uma lei económica permanente
compartilharia de toda a miséria do escravo, sem compartilhar, em troca, da
segurança deste…. Falar da luta pelos salários independentemente de todas as
circunstâncias; não senão a variação dos salários; não ter em conta as outras
variações das quais ela resulta, é partir de premissas falsas para chegar a
conclusões falsas.”[2].
Esta posição de Marx contrasta com a posição de Lassalle,
que ficou conhecida por lei de bronze dos salários, segundo a qual os
salários deviam cair, inevitavelmente, para o nível mínimo de subsistência
física dos trabalhadores.
Também segundo a tese do “fundo de salários” defendida
por John Stuart Mill, segundo a qual, em cada situação dada, existe um fundo
pré-fixado para os salários, pelo que seria inútil tentar alterá-lo e obter
maiores salários reais por meio do aumento dos salários nominais.
Estas posições de Lassalle e de Stuart Mill são
determinísticas levando, se aceites, a que os trabalhadores se conformem com a
situação em cada momento, permitindo uma sobre-exploração, quer através da
criação de mais-valia extensiva – com o prolongamento do horário de trabalho
mantendo os mesmos salários – quer com a criação da mais-valia relativa,
traduzida numa maior intensidade de trabalho dentro do mesmo horário de
trabalho.
De acordo com Marx, a luta dos trabalhadores pode levar a
um aumento dos salários reais, dentro do sistema capitalista, nomeadamente, de
forma a manter a repartição relativa do rendimento entre os trabalhadores e os
capitalistas.
DONÁRIO ET BORGES DOS SANTOS, Teoria De Karl Marx Maio de 2016
Armados da Concepção
Materialista da História, Marx e Engels a aplicaram ao conhecimento das
formações económico-sociais pré-capitalistas (sociedades primitivas, sociedades
escravistas, sociedades feudais) e, particularmente e com mais força, ao estudo
do modo de produção capitalista e da sociedade burguesa a ele correspondente.
Foi possível a Marx investigar a origem, a organização, a dinâmica, as
contradições, as crises e as possibilidades de superação da sociedade
capitalista.[1]
Assim como os homens
foram capazes de construir, em determinadas condições histórias, diversas
formas de sociedade, são também os demiurgos do conhecimento, pensamento,
idéias. As categorias ou conceitos devem expressar o movimento da realidade
concreta. Marx e Engels não toleravam os pensadores e correntes que
divinizavam, mistificavam, o capitalismo e o transformavam numa sociedade fora
da história, chegando a defender que a sociedade burguesa era o próprio “fim da
história”. Para Marx e Engels, tanto a sociedade capitalista quanto as
categorias que expressam as suas relações sociais são históricas, transitórias,
superáveis.
Em O
Capital, Marx tinha uma clara visão que a Economia Política, isto é, a que
vê na ordem capitalista a configuração definitiva e última da produção social,
só pode assumir carácter científico enquanto a luta de classes permaneça
latente ou se revele apenas em manifestações esporádicas. Vejamos o exemplo da
Inglaterra. Sua economia política clássica aparece no período em que a luta de
classes não estava desenvolvida. Ricardo, seu último grande representante,
toma, por fim, conscientemente, como ponto de partida de suas pesquisas, a
oposição ente os interesses de classe, entre o salário e o lucro, entre o lucro
e a renda da terra, considerando, ingenuamente, essa ocorrência uma lei perene
e natural da sociedade. Com isso, a ciência burguesa da economia atinge um
limite que não pode ultrapassar (2002:22-23).
Para que a relação chamada capital possa
existir é preciso, como diz Marx em O Capital, que duas espécies bem
diferentes de possuidores de mercadorias tenham de confrontar-se e entrar em
relação um com outro:
De um lado, o proprietário de dinheiro, de
meios de produção e de meios de subsistência, empenhado em aumentar a soma de
valores que possui, comprando a força de trabalho alheia; e, do outro, os
trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, portanto, de
trabalho. Trabalhadores livres em dois sentidos, porque não são parte directa
dos meios de produção, como os escravos e servos, e porque não são donos dos
meios de produção, como o camponês autónomo, estando assim livres e
desembaraçados deles. Estabelecidos esses dois pólos de mercado, ficam dadas as
condições básicas da produção capitalista. O sistema capitalista pressupõe a
dissociação entre os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos quais
realizam o trabalho. Quando a produção capitalista se torna independente, não
se limita a manter essa dissociação, mas a reproduz em escala cada vez maior. O
processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira
ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que
transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e
converte em assalariados os produtores directos. A chamada acumulação primitiva
é apenas o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção
(2006, p. 828).
O capital, portanto, é uma relação
social, uma relação entre os capitalistas, de um lado, e os trabalhadores
assalariados, de outro. O objectivo central da sociedade capitalista é extração
da mais-valia, do trabalho excedente, por meio da exploração da força de
trabalho e da produção de mercadorias. Como Marx analisa, em O Capital,
a mercadoria é “A célula da sociedade burguesa é a forma mercadoria” (2002,
p.16). E acrescenta: “A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista
configura-se em imensa produção de mercadorias” (Idem: 57).
Ao contrário da Economia mercantil simples, presente nas
formações sociais pré-capitalistas, em que as trocas de produtos pelos
produtores direitos, como, por exemplo, os camponeses e artesãos, com o objectivo
de garantir a sua própria subsistência e da sua família (a fórmula da economia
mercantil simples é: M (mercadoria) – D (dinheiro) – M (mercadoria), a produção
capitalista é uma economia mercantil desenvolvida, que objectiva a produção de
mercadorias para a venda (mediação do dinheiro), para garantir o lucro e a
acumulação do capital (a fórmula da produção capitalista é: D (dinheiro) – M
(mercadoria) – D' (dinheiro).
Os produtos do trabalho humano constituem valor de uso,
isto é, um bem destinado a atender a uma determinada necessidade. No
capitalismo, porém, os produtos do trabalho e a própria força de trabalho
constituem mercadorias. Essa pode ser concebida sob um duplo aspecto: como
valor de uso e valor de troca. Como valor de uso se destina a atender a uma
determinada necessidade humana. Como valor de troca, objectiva ser
intercambiada por outras mercadorias (no capitalismo, como dissemos, as trocas
são, em regra, realizadas com a intermediação do dinheiro).
A concepção marxista tem como base a teoria do
valor-trabalho, elaborada em suas linhas iniciais pela Economia Política
clássica, em particular por Adam Smith (A riqueza das Nações) e David
Ricardo (Princípios da economia política e da tributação). Para essa
teoria, o trabalho é o fundamento da riqueza material, é a base do valor das
mercadorias. O marxismo assimilou e desenvolveu a teoria do valor-trabalho,
aplicando-a, de maneira consistente, à explicação do funcionamento do modo de
produção capitalista e do intercâmbio de mercadorias. Para Marx, o valor de
qualquer mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente
necessário para produzi-las, nas condições médias de produtividade do trabalho
humano e de desenvolvimento das forças produtivas. O preço da mercadoria é a
expressão em dinheiro do seu valor. Esse
é o centro de gravidade em torno do qual varia para cima ou para baixo o preço
das mercadorias.
Eis a explicação de Marx, contida em O Capital:
Como os
valores de troca das mercadorias não passam de funções sociais das mesmas, nada
tendo a ver com suas propriedades naturais, devemos, antes de mais nada,
perguntar: qual é a substância social comum a todas as mercadorias? É o
trabalho. Para produzir uma mercadoria, deve-se investir nela ou a ela
incorporar uma determinada quantidade de trabalho. E não simplesmente trabalho,
mas trabalho social. Aquele que produz um objecto para seu uso pessoal e directo,
para seu consumo, produz um produto, mas não uma mercadoria. Como produtor que
se mantém a si mesmo, nada tem a ver com a sociedade. Mas para produzir uma
mercadoria, não só é preciso um artigo que satisfaça uma necessidade social
qualquer, mas também o trabalho, nele incorporado, deverá representar uma parte
integrante da soma global de trabalho investido pela sociedade. Tem de estar
subordinado à divisão de trabalho dentro da sociedade. Ele nada é sem os demais
sectores do trabalho; por sua vez, ele é necessário para integrá-los (2002:99).
A força de trabalho, como se disse, é transformada no
capitalismo em mercadoria, vendida e comprada no mercado de trabalho. Como toda
mercadoria, o valor da força de trabalho corresponde à quantidade de trabalho
socialmente necessário para a sua produção e reprodução, ou seja, a quantidade
de itens necessários à sobrevivência do trabalhador e da sua família. O preço
da força de trabalho é a expressão em dinheiro do seu valor. Como todas as
mercadorias, a lei da oferta e da procura incide sobre a alta e a baixa dos
preços da mercadoria força de trabalho, que varia para cima ou para baixo do
seu valor.
No quadro da sociedade capitalista, a relação entre
capital e trabalho aparece como uma relação de igualdade. É como se as duas
partes estivessem numa situação de equivalência diante da lei e das normas
trabalhistas. O contrato de trabalho, como expressão das relações económicas
burguesas entre capital e trabalho, apresenta-se como um acordo de livre
vontade, em que ambas as partes, dispondo das mesmas condições, decidem as
regras que irão reger a sua relação no processo de trabalho. Entretanto, trata
de uma igualdade meramente formal, que, do ponto de vista ideológico, esconde
as relações reais de desigualdades existentes entre capitalistas e
trabalhadores assalariados.
No capitalismo, adverte Marx, o trabalhador, envolto em
relações de produção burguesas, trabalha sob o controle do capitalista, a quem
pertence seu trabalho. O capitalista cuida em que o trabalho se realize de
maneira apropriada e em que se apliquem adequadamente os meios de produção, não
se desperdiçando matéria-prima e poupando-se o instrumental de trabalho, de
modo que só se gaste deles o que for imprescindível à execução do trabalho.
(...) o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o
trabalhador (2002:2018).
Uma vez realizado o contrato de trabalho, a força de
trabalho é posta pelo capitalista no processo de produção material, em contacto
com os meios de produção. O contrato de trabalho é o invólucro jurídico que
encobre o processo de exploração. Em geral, o contrato de trabalho estabelece
em média uma jornada de 8 horas diárias. Levando em conta as particularidades
da época dos fundadores do marxismo e a jornada de trabalho vigente, podemos,
com Marx, em Salário, Preço e Lucro, compreender como funciona o
mecanismo de exploração capitalista na esfera da produção no chão da fábrica:
Ao comprar a
força de trabalho do operário e ao pagar o seu valor, o capitalista adquire,
como qualquer outro comprador, o direito de consumir ou usar a mercadoria que
comprou. A força de trabalho de um homem é consumida, ou usada, fazendo-o
trabalhar, assim como se consome ou se usa uma máquina fazendo-a funcionar.
Portanto, ao comprar o valor diário, ou semanal, da força de trabalho do
operário, o capitalista adquire o direito de servir-se dela ou de fazê-la
funcionar durante todo o dia ou toda a semana. (...) Tomemos o exemplo do
tecelão. Para recompor diariamente a sua força de trabalho, esse operário
precisa reproduzir um valor diário de 3 xelins, o que faz com um trabalho
diário de 6 horas. Isso, porém, não lhe retira a capacidade de trabalhar 10, 12
ou mais horas diariamente. Mas, ao pagar o valor diário ou semanal da força de
trabalho do tecelão, o capitalista adquire o direito de usar essa força de
trabalho durante todo o dia ou toda a semana. Portanto, digamos que irá fazê-lo
trabalhar 12 horas diárias, ou seja, além das 6 horas necessárias para recompor
o seu salário, ou o valor de sua força de trabalho, terá de trabalhar outras 6
horas, a que chamarei “horas de sobre trabalho”, e esse sobre trabalho se
traduzirá em uma “mais-valia” e em um “sobre produto”. Se, por exemplo, nosso
tecelão, com o seu trabalho diário de 6 horas, acrescenta ao algodão um valor
de 3 xelins, valor que constitui um equivalente exacto de seu salário, em 12
horas acrescentará ao algodão um valor de 6 xelins e produzirá uma
“correspondente quantidade adicional de fio”. E, como vendeu sua força de
trabalho ao capitalista, todo o valor ou todo o produto por ele criado pertence
ao capitalista, que é dono, por um tempo determinado, de sua força de trabalho.
Portanto, desembolsando 3 xelins, o capitalista realizará o valor de 6 xelins,
pois pelo pagamento de 6 horas de trabalho recebeu em troca um valor relativo a
12 horas de trabalho. Ao se repetir, diariamente, tal operação, o capitalista
adiantará 3 xelins por dia e embolsará 6 xelins; desse montante, a metade
tornará a investir no pagamento de novos salários, enquanto a outra metade
formará a “mais-valia”, pela qual o capitalista não paga equivalente algum.
Esse tipo de troca entre o capital e o trabalho é que serve de base à produção
capitalista, ou ao sistema de trabalho assalariado e tem de conduzir, sem
cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como
capitalista. (2006: 113-15).
Numa parte da jornada de trabalho (tempo de trabalho
necessário) o trabalhador produz o suficiente para fazer retornar ao
capitalista o que este lhe antecipou na forma de salário (preço da mercadoria
força de trabalho). Na parte seguinte da jornada de trabalho (tempo de trabalho
excedente) o trabalhador produz uma quantidade de valor, isto é, de riqueza,
apropriada sem contrapartida pelo capitalista. É exactamente esse fenómeno que
Marx denomina de mais-valia. Estava explicado o mecanismo da exploração
capitalista, a que o trabalhador está submetido na sociedade burguesa.
Da Concepção Materialista da História resultava como
consequência a ideia axial de que de que não há qualquer sociedade imutável,
insuperável, dada de uma vez para sempre ou imune às transformações sociais,
económicas, políticas e culturais. O capitalismo, como as demais formações
económico-sociais, ao longo da história da humanidade, teve uma origem, desenvolveu-se
e se encontra numa crise profunda. No caso da sociedade burguesa, as forças
produtivas avançaram numa escala jamais vista.
Marx e Engels, em Manifesto Comunista, comentou
esse aspecto da história do capitalismo:
A sociedade burguesa, com suas relações de produção e de troca, o regime
burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos
meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode
controlar os poderes infernais que invocou. Há dezenas de anos, a história da
indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças
produtivas modernas contra as modernas relações de produção, contra as relações
de propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu domínio. Basta
mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada
vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise, destrói regularmente
não só uma grande massa de produtos fabricados, mas também uma grande parte das
próprias forças produtivas já criadas (1998:41).
[1] PEREIRA, Francisco. Karl Marx e o Direito:
Elementos para uma crítica marxista do Direito. Salvador-BA: LEMARX, 2019:21 ss.
ELABORADO
POR: EMILIO ABNER MAVIE
Querela, no sentido geral, é a queixa, feita em
juízo por via de requerimento ou promoção, de um crime cometido e das suas
respectivas circunstâncias, constantes de um corpo de delito que, nos processos
ordinários, deve ser previamente declarado subsistente. A petição de querela deve
conter o nome do querelante[1], sua profissão, morada,
quando não for o ministério publico…, a natureza, qualidade e circunstâncias do
facto, o lugar e tempo, em que foi praticado, sempre que for possível (vide n°.
1 e seguintes do art. 359° do CCP).
Também
é norma referir-se neste intróito da acusação a forma de processo
correspondente. Sendo o Ministério Público o acusador, bastará uma referência
do tipo “O Ministério Publico vem deduzir acusação, em processo de querela (ou
em processo de polícia correccional), contra….”
Da acusação deve constar a
narração dos factos relevantes para a imputação do crime e a determinação da
espécie e da medida da sanção, ou seja, os elementos constitutivos do crime[2].
−
Abrange, por isso, todos os elementos factuais – objectivos e
subjectivos – que constituam pressupostos da responsabilidade criminal – todos
eles são objecto de prova;
- «“…os factos têm relevância jurídico-penal quando fundamentam a
aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança porque integram um tipo
legal, isto é, violam bens jurídicos penalmente tutelados, tal como foram
definidos; quando são subsumíveis a um tipo legal de crime. O tipo legal
descreve o comportamento humano, proibido pela lei penal, que compreende uma
acção ou omissão típica, ilícita (antijurídica) e culposa. Por acção entende-se
a actividade do homem, determinada por processos causais, dirigida a um
determinado fim e que controla a apreensão do sentido, de entender o que se
quer.
A omissão é deixar de agir.
A acção é típica se prevista na lei. É ilícita quando traduz o específico
sentido de desvalor jurídico-penal que atinge um concreto comportamento humano
numa concreta situação, atentas todas as condições reais de que ele se reveste
ou em que tem lugar. É culposa quando o facto possa ser pessoalmente censurado
ao agente. O objecto do processo, definido pela acusação ou pelo requerimento
de abertura da instrução, é, pois, constituído por aquele facto naturalístico,
dela constante, situado no passado, com a sua identidade, imagem e valoração
social, que viola bens jurídicos penalmente tutelados, e por cuja prática o
agente é alvo de censura.[3]
O
rol de testemunhas e a indicação da demais prova (vide n.° 5 do art. 359° do
CP).
Em caso de omissão deste elemento na acusação, pode
o juiz, aquando da elaboração do despacho de pronúncia, notificar o acusador
para o vir indicar em dois dias – art.º 366.º, § único, do CPP.
A
data e a assinatura (vide n. 6 do art.
359 do CP):
Todo
o documento deve ser identificado para se determinar quem é o seu autor. A
identificação faz-se pela assinatura de quem o subscreve… A data é uma
exigência da peça acusatória, mas na prática é frequentemente substituída pelo
carimbo de entrada na secretaria[4].
Como condição processual de que depende sujeitar-se
alguém a julgamento – a jurisdição, na sua função específica de julgar, não
intervém oficiosamente (nemo iudex sine actore), carecendo de ser solicitada
através de um pedido de intervenção: a acusação – Germano Marques da Silva,
Curso de Processo Penal, Tomo I, pág. 76);
− Enquanto peça processual que define e fixa o
objecto do processo – a jurisdição não pode alargar o seu poder de julgar a
pessoas e factos distintos daqueles que são objecto da acusação (sententia
debet esse conformis libello) – Germano Marques da Silva, Curso de Processo
Penal, Tomo I, pág. 76.
Especificidades
das acusações em processo de querela e em processo de polícia correccional
Quer a querela, quer a acusação em processo de
polícia correccional devem obedecer aos requisitos enunciados no ponto
anterior, havendo apenas que apontar as seguintes especifidades em relação a
cada uma delas[5]:
− A querela deverá ser articulada (art.º 359.º do
CPP) e o número de testemunhas a constar do respectivo rol não poderá exceder a
vinte por cada infracção (art.º 360.º do CPP);
− A acusação em processo de polícia correccional não
tem de ser articulada (art.º 392.º do CPP) e o número de testemunhas a constar
do respectivo rol não poderá exceder a cinco por cada infracção (art.º 393.º do
CPP).
[1]
Aquele que é o
autor da queixa-crime
[2] SUSANO, Helena, JUSTIÇA CRIMINAL
EM MOÇAMBIQUE - NOTAS ESSENCIAIS, 2016:128
[3]
Acórdão da Relação do Porto de 5/12/2007.
[4] Cfr. Germano Marques da Silva – Curso de Processo
Penal, Tomo III, pág. 116.
[5]SUSANO,
Helena, JUSTIÇA CRIMINAL EM MOÇAMBIQUE - NOTAS
ESSENCIAIS , 2016:131
A lei atribui aos herdeiros o direito de exigir a partilha. Por essa ordem de motivos que, no n. 1 do artigo 2101 do CC, se estabelece: qualquer co-herdeiro ou cônjuge meeiro tem o direito de exigir a partilha quando lhe aprouver. Note-se que o direito de exigir a partilha pressupõe que se esteja perante uma de duas situações . Ou é necessário que haja mais de um herdeiro, após a aceitação da herança ou que se houver apenas um herdeiro, este não seja o cônjuge sobrevivente, e que, além dele, haja um cônjuge sobrevivente, que é ao mesmo tempo, meeiro.
Uma das características deste mesmo direito consiste no facto de se tratar, regra geral, de um direito irrenunciável ( vide n.2 do art. 2101 do CC).
As formas de partilha podem ser judicial ou extrajudicial nos termos do n. 1 do art. 2102 do CC.
Com base nas disposições do n. 1 do art. 2102 do CC, verifica-se que a partilha será feita extrajudicialmente, sempre que houver acordo de todas as partes interessadas, quanto à forma de divisão do patrimônio hereditário, não havendo situação que requeira o inventário obrigatório.
Ressalte-se, entretanto, que, de acordo com o disposto no inciso P, do art. 89 do Cartório Notarial, a partilha extrajudicial deverá ser feita em escritura pública, quando houver bens imóveis no patrimônio hereditário.
Já a divisão judicial ocorre em um processo especial, o chamado processo de inventário.
Observe que os herdeiros também podem ser colocados na posição de co-proprietário em relação a certos bens, etc.
segundo artigo 2080 do CC, pode ser cabeça do casal
- primeiro cônjuge sobrevivente,
- em segundo lugar, para o testamentário,
em terceiro lugar, para os membros da família que são herdeiros legais,
- em quarto lugar aos herdeiros testamentários.
Quanto à administração do bem comum do falecido, só funcionará se o falecido for casado segundo o regime de comunhão geral de bens ou segundo o regime de comunhão de direitos adquiridos.
Em 2005, foi levado a cabo um inquérito liderado pelo Instituto Nacional de Estatística de Moçambique sobre o Setor Informal. O Inquérito Nacional ao Setor Informal (INFOR) teve como objetivo conhecer a realidade desta economia não observada que pelo seu grande significado económico, alberga muitos trabalhadores e é fonte de geração de emprego e de rendimento, e que se constitui como uma alternativa ao combate à pobreza.
A Lei do Trabalho (Lei n.° 23/2007) em vigor em Moçambique não abrange os trabalhadores por conta própria nem as relações de trabalho que não sejam submetidas a contrato individual ou coletivo de trabalho. Muitos dos trabalhadores do sector informal não se encontram protegidos pela respetiva lei. A este facto junta-se todas as crianças trabalhadores que atuam no setor informal da economia.
Os resultados obtidos com este inquérito revelou que 504,3 milhares de crianças com idades compreendidas entre os 7 e os 14 anos de idade encontram-se a trabalhar no setor informal. Regista-se uma maior incidência de crianças trabalhadoras nas províncias de Tete (105,6 milhares), Manica (112 milhares), Sofala (61,4 milhares) e Inhambane (57,9 milhares). (O Sector Informal em Moçambique: Resultados do Primeiro Inquérito Nacional (2005), p. 89.).
A percentagem de meninas trabalhadoras (52,3%) é superior à dos meninos (47,7%) para o setor informal ao nível nacional. Encontra-se maior concentração de crianças trabalhadoras no centro do país (319,4 milhares).
Os sectores de actividade mais preponderantes ao trabalho informal são a agricultura, a indústria e construção, o comércio e o turismo e outros serviços. O sector de actividade que alberga mais crianças trabalhadoras com idades compreendidas entre os 7 e os 14 anos de idade é a agricultura, sobretudo no processo de produção de algodão. Registaram-se 497,2 milhares de crianças a trabalhar em actividades agrícolas, seguidas de 4,6 milhares em atividades relacionadas com o comércio e o turismo.
É natural que a maioria das crianças trabalhadoras ilegais trabalhem na agricultura, no sentido em que, dados recolhidos pelo Inquérito Integrado à Força de Trabalho, do INE, demonstram que 78.5% da população ativa moçambicana se dedica a actividades no ramo da agricultura, pecuária, caça, pesca e silvicultura.
A região centro de Moçambique é a região mais afetada pelo trabalho infantil, seguida pela região sul e depois pela região norte. Por outro lado, há maior incidência de trabalho infantil nas zonas rurais. Neste seguimento, o 2° relatório sobre a implementação da Convenção dos Direitos da Criança (CRC/C/MOZ/2) concluiu que na zona rural as crianças são frequentemente forçadas, quer pela família ou pela situação precária em que se encontram, a trabalhar na agricultura, trabalho doméstico e prostituição por causa do crónico problema de probreza, da falta de emprego dos adultos e problemas associados ao VIH/SIDA. (Segundo os resultados do Inquérito Integrado à Força de Trabalho (2004/2005), a taxa de desemprego da população de 15 e mais anos em Moçambique era de 18,7%).
Os dados aqui referidos remontam a 2005, não tendo sido realizado posteriormente outro estudo sobre o mesmo fenómeno. Desta forma, é difícil referir-se a qualquer evolução, positiva ou negativa, que tenha ocorrido, após a implementação de estratégias e programas do Governo no que diz respeito à promoção dos direitos das crianças, sobretudo na área do trabalho infantil.
Marx considerava, tal como os clássicos, sobretudo Adam
Smith[1] e
David Ricardo, a força de trabalho como uma mercadoria que é vendida pelos
trabalhadores e comprada pelos capitalistas. O trabalhador, porque
tendencialmente apenas possui a sua força de trabalho como única mercadoria, é
obrigado a vendê-la ao capitalista no mercado de trabalho, cujo preço é
traduzido pelo salário.
O valor da força de trabalho expressa-se no salário. A
relação dos salários implica que a capacidade de trabalho dos assalariados, a sua
força de trabalho, se torna uma mercadoria. A capacidade de trabalho é o valor
de uso para produzir mercadorias. O seu valor de troca é representado pela taxa
de salário. Assim, a força de trabalho é uma mercadoria que os trabalhadores
oferecem no mercado de trabalho.
O valor da força de trabalho é determinado, como o de
qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho abstracto socialmente
necessário para a sua produção (e reprodução). O seu valor é, contudo, em
média, igual à subsistência do trabalhador (e sua reprodução), subsistência
definida como um mínimo cultural, evoluindo historicamente, significando que
esse mínimo, em termos absolutos, tende a subir diacronicamente, tendo em
consideração a evolução da humanidade, variando, também, espacialmente.
Marx, contrariamente a Adam Smith, considerava que o
salário de subsistência (o salário natural para Smith e Ricardo) evoluía ao longo
da história, o que Ricardo também considerava. Marx enfatizou, também, que o
salário real dos trabalhadores poderia ser aumentado através da sua luta:
“Ele (o trabalhador) não tem outro recurso senão tentar
impor, em alguns casos, um aumento dos salários, ainda que seja apenas para
compensar a baixa em outros casos. Se espontaneamente se resignasse a acatar a
vontade, os ditames do capitalista, como uma lei económica permanente
compartilharia de toda a miséria do escravo, sem compartilhar, em troca, da
segurança deste…. Falar da luta pelos salários independentemente de todas as
circunstâncias; não senão a variação dos salários; não ter em conta as outras
variações das quais ela resulta, é partir de premissas falsas para chegar a
conclusões falsas.”[2].
Esta posição de Marx contrasta com a posição de Lassalle,
que ficou conhecida por lei de bronze dos salários, segundo a qual os
salários deviam cair, inevitavelmente, para o nível mínimo de subsistência
física dos trabalhadores.
Também segundo a tese do “fundo de salários” defendida
por John Stuart Mill, segundo a qual, em cada situação dada, existe um fundo
pré-fixado para os salários, pelo que seria inútil tentar alterá-lo e obter
maiores salários reais por meio do aumento dos salários nominais.
Estas posições de Lassalle e de Stuart Mill são
determinísticas levando, se aceites, a que os trabalhadores se conformem com a
situação em cada momento, permitindo uma sobre-exploração, quer através da
criação de mais-valia extensiva – com o prolongamento do horário de trabalho
mantendo os mesmos salários – quer com a criação da mais-valia relativa,
traduzida numa maior intensidade de trabalho dentro do mesmo horário de
trabalho.
De acordo com Marx, a luta dos trabalhadores pode levar a
um aumento dos salários reais, dentro do sistema capitalista, nomeadamente, de
forma a manter a repartição relativa do rendimento entre os trabalhadores e os
capitalistas.
DONÁRIO ET BORGES DOS SANTOS, Teoria De Karl Marx Maio de 2016
Armados da Concepção
Materialista da História, Marx e Engels a aplicaram ao conhecimento das
formações económico-sociais pré-capitalistas (sociedades primitivas, sociedades
escravistas, sociedades feudais) e, particularmente e com mais força, ao estudo
do modo de produção capitalista e da sociedade burguesa a ele correspondente.
Foi possível a Marx investigar a origem, a organização, a dinâmica, as
contradições, as crises e as possibilidades de superação da sociedade
capitalista.[1]
Assim como os homens
foram capazes de construir, em determinadas condições histórias, diversas
formas de sociedade, são também os demiurgos do conhecimento, pensamento,
idéias. As categorias ou conceitos devem expressar o movimento da realidade
concreta. Marx e Engels não toleravam os pensadores e correntes que
divinizavam, mistificavam, o capitalismo e o transformavam numa sociedade fora
da história, chegando a defender que a sociedade burguesa era o próprio “fim da
história”. Para Marx e Engels, tanto a sociedade capitalista quanto as
categorias que expressam as suas relações sociais são históricas, transitórias,
superáveis.
Em O
Capital, Marx tinha uma clara visão que a Economia Política, isto é, a que
vê na ordem capitalista a configuração definitiva e última da produção social,
só pode assumir carácter científico enquanto a luta de classes permaneça
latente ou se revele apenas em manifestações esporádicas. Vejamos o exemplo da
Inglaterra. Sua economia política clássica aparece no período em que a luta de
classes não estava desenvolvida. Ricardo, seu último grande representante,
toma, por fim, conscientemente, como ponto de partida de suas pesquisas, a
oposição ente os interesses de classe, entre o salário e o lucro, entre o lucro
e a renda da terra, considerando, ingenuamente, essa ocorrência uma lei perene
e natural da sociedade. Com isso, a ciência burguesa da economia atinge um
limite que não pode ultrapassar (2002:22-23).
Para que a relação chamada capital possa
existir é preciso, como diz Marx em O Capital, que duas espécies bem
diferentes de possuidores de mercadorias tenham de confrontar-se e entrar em
relação um com outro:
De um lado, o proprietário de dinheiro, de
meios de produção e de meios de subsistência, empenhado em aumentar a soma de
valores que possui, comprando a força de trabalho alheia; e, do outro, os
trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, portanto, de
trabalho. Trabalhadores livres em dois sentidos, porque não são parte directa
dos meios de produção, como os escravos e servos, e porque não são donos dos
meios de produção, como o camponês autónomo, estando assim livres e
desembaraçados deles. Estabelecidos esses dois pólos de mercado, ficam dadas as
condições básicas da produção capitalista. O sistema capitalista pressupõe a
dissociação entre os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos quais
realizam o trabalho. Quando a produção capitalista se torna independente, não
se limita a manter essa dissociação, mas a reproduz em escala cada vez maior. O
processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira
ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que
transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e
converte em assalariados os produtores directos. A chamada acumulação primitiva
é apenas o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção
(2006, p. 828).
O capital, portanto, é uma relação
social, uma relação entre os capitalistas, de um lado, e os trabalhadores
assalariados, de outro. O objectivo central da sociedade capitalista é extração
da mais-valia, do trabalho excedente, por meio da exploração da força de
trabalho e da produção de mercadorias. Como Marx analisa, em O Capital,
a mercadoria é “A célula da sociedade burguesa é a forma mercadoria” (2002,
p.16). E acrescenta: “A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista
configura-se em imensa produção de mercadorias” (Idem: 57).
Ao contrário da Economia mercantil simples, presente nas
formações sociais pré-capitalistas, em que as trocas de produtos pelos
produtores direitos, como, por exemplo, os camponeses e artesãos, com o objectivo
de garantir a sua própria subsistência e da sua família (a fórmula da economia
mercantil simples é: M (mercadoria) – D (dinheiro) – M (mercadoria), a produção
capitalista é uma economia mercantil desenvolvida, que objectiva a produção de
mercadorias para a venda (mediação do dinheiro), para garantir o lucro e a
acumulação do capital (a fórmula da produção capitalista é: D (dinheiro) – M
(mercadoria) – D' (dinheiro).
Os produtos do trabalho humano constituem valor de uso,
isto é, um bem destinado a atender a uma determinada necessidade. No
capitalismo, porém, os produtos do trabalho e a própria força de trabalho
constituem mercadorias. Essa pode ser concebida sob um duplo aspecto: como
valor de uso e valor de troca. Como valor de uso se destina a atender a uma
determinada necessidade humana. Como valor de troca, objectiva ser
intercambiada por outras mercadorias (no capitalismo, como dissemos, as trocas
são, em regra, realizadas com a intermediação do dinheiro).
A concepção marxista tem como base a teoria do
valor-trabalho, elaborada em suas linhas iniciais pela Economia Política
clássica, em particular por Adam Smith (A riqueza das Nações) e David
Ricardo (Princípios da economia política e da tributação). Para essa
teoria, o trabalho é o fundamento da riqueza material, é a base do valor das
mercadorias. O marxismo assimilou e desenvolveu a teoria do valor-trabalho,
aplicando-a, de maneira consistente, à explicação do funcionamento do modo de
produção capitalista e do intercâmbio de mercadorias. Para Marx, o valor de
qualquer mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente
necessário para produzi-las, nas condições médias de produtividade do trabalho
humano e de desenvolvimento das forças produtivas. O preço da mercadoria é a
expressão em dinheiro do seu valor. Esse
é o centro de gravidade em torno do qual varia para cima ou para baixo o preço
das mercadorias.
Eis a explicação de Marx, contida em O Capital:
Como os
valores de troca das mercadorias não passam de funções sociais das mesmas, nada
tendo a ver com suas propriedades naturais, devemos, antes de mais nada,
perguntar: qual é a substância social comum a todas as mercadorias? É o
trabalho. Para produzir uma mercadoria, deve-se investir nela ou a ela
incorporar uma determinada quantidade de trabalho. E não simplesmente trabalho,
mas trabalho social. Aquele que produz um objecto para seu uso pessoal e directo,
para seu consumo, produz um produto, mas não uma mercadoria. Como produtor que
se mantém a si mesmo, nada tem a ver com a sociedade. Mas para produzir uma
mercadoria, não só é preciso um artigo que satisfaça uma necessidade social
qualquer, mas também o trabalho, nele incorporado, deverá representar uma parte
integrante da soma global de trabalho investido pela sociedade. Tem de estar
subordinado à divisão de trabalho dentro da sociedade. Ele nada é sem os demais
sectores do trabalho; por sua vez, ele é necessário para integrá-los (2002:99).
A força de trabalho, como se disse, é transformada no
capitalismo em mercadoria, vendida e comprada no mercado de trabalho. Como toda
mercadoria, o valor da força de trabalho corresponde à quantidade de trabalho
socialmente necessário para a sua produção e reprodução, ou seja, a quantidade
de itens necessários à sobrevivência do trabalhador e da sua família. O preço
da força de trabalho é a expressão em dinheiro do seu valor. Como todas as
mercadorias, a lei da oferta e da procura incide sobre a alta e a baixa dos
preços da mercadoria força de trabalho, que varia para cima ou para baixo do
seu valor.
No quadro da sociedade capitalista, a relação entre
capital e trabalho aparece como uma relação de igualdade. É como se as duas
partes estivessem numa situação de equivalência diante da lei e das normas
trabalhistas. O contrato de trabalho, como expressão das relações económicas
burguesas entre capital e trabalho, apresenta-se como um acordo de livre
vontade, em que ambas as partes, dispondo das mesmas condições, decidem as
regras que irão reger a sua relação no processo de trabalho. Entretanto, trata
de uma igualdade meramente formal, que, do ponto de vista ideológico, esconde
as relações reais de desigualdades existentes entre capitalistas e
trabalhadores assalariados.
No capitalismo, adverte Marx, o trabalhador, envolto em
relações de produção burguesas, trabalha sob o controle do capitalista, a quem
pertence seu trabalho. O capitalista cuida em que o trabalho se realize de
maneira apropriada e em que se apliquem adequadamente os meios de produção, não
se desperdiçando matéria-prima e poupando-se o instrumental de trabalho, de
modo que só se gaste deles o que for imprescindível à execução do trabalho.
(...) o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o
trabalhador (2002:2018).
Uma vez realizado o contrato de trabalho, a força de
trabalho é posta pelo capitalista no processo de produção material, em contacto
com os meios de produção. O contrato de trabalho é o invólucro jurídico que
encobre o processo de exploração. Em geral, o contrato de trabalho estabelece
em média uma jornada de 8 horas diárias. Levando em conta as particularidades
da época dos fundadores do marxismo e a jornada de trabalho vigente, podemos,
com Marx, em Salário, Preço e Lucro, compreender como funciona o
mecanismo de exploração capitalista na esfera da produção no chão da fábrica:
Ao comprar a
força de trabalho do operário e ao pagar o seu valor, o capitalista adquire,
como qualquer outro comprador, o direito de consumir ou usar a mercadoria que
comprou. A força de trabalho de um homem é consumida, ou usada, fazendo-o
trabalhar, assim como se consome ou se usa uma máquina fazendo-a funcionar.
Portanto, ao comprar o valor diário, ou semanal, da força de trabalho do
operário, o capitalista adquire o direito de servir-se dela ou de fazê-la
funcionar durante todo o dia ou toda a semana. (...) Tomemos o exemplo do
tecelão. Para recompor diariamente a sua força de trabalho, esse operário
precisa reproduzir um valor diário de 3 xelins, o que faz com um trabalho
diário de 6 horas. Isso, porém, não lhe retira a capacidade de trabalhar 10, 12
ou mais horas diariamente. Mas, ao pagar o valor diário ou semanal da força de
trabalho do tecelão, o capitalista adquire o direito de usar essa força de
trabalho durante todo o dia ou toda a semana. Portanto, digamos que irá fazê-lo
trabalhar 12 horas diárias, ou seja, além das 6 horas necessárias para recompor
o seu salário, ou o valor de sua força de trabalho, terá de trabalhar outras 6
horas, a que chamarei “horas de sobre trabalho”, e esse sobre trabalho se
traduzirá em uma “mais-valia” e em um “sobre produto”. Se, por exemplo, nosso
tecelão, com o seu trabalho diário de 6 horas, acrescenta ao algodão um valor
de 3 xelins, valor que constitui um equivalente exacto de seu salário, em 12
horas acrescentará ao algodão um valor de 6 xelins e produzirá uma
“correspondente quantidade adicional de fio”. E, como vendeu sua força de
trabalho ao capitalista, todo o valor ou todo o produto por ele criado pertence
ao capitalista, que é dono, por um tempo determinado, de sua força de trabalho.
Portanto, desembolsando 3 xelins, o capitalista realizará o valor de 6 xelins,
pois pelo pagamento de 6 horas de trabalho recebeu em troca um valor relativo a
12 horas de trabalho. Ao se repetir, diariamente, tal operação, o capitalista
adiantará 3 xelins por dia e embolsará 6 xelins; desse montante, a metade
tornará a investir no pagamento de novos salários, enquanto a outra metade
formará a “mais-valia”, pela qual o capitalista não paga equivalente algum.
Esse tipo de troca entre o capital e o trabalho é que serve de base à produção
capitalista, ou ao sistema de trabalho assalariado e tem de conduzir, sem
cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como
capitalista. (2006: 113-15).
Numa parte da jornada de trabalho (tempo de trabalho
necessário) o trabalhador produz o suficiente para fazer retornar ao
capitalista o que este lhe antecipou na forma de salário (preço da mercadoria
força de trabalho). Na parte seguinte da jornada de trabalho (tempo de trabalho
excedente) o trabalhador produz uma quantidade de valor, isto é, de riqueza,
apropriada sem contrapartida pelo capitalista. É exactamente esse fenómeno que
Marx denomina de mais-valia. Estava explicado o mecanismo da exploração
capitalista, a que o trabalhador está submetido na sociedade burguesa.
Da Concepção Materialista da História resultava como
consequência a ideia axial de que de que não há qualquer sociedade imutável,
insuperável, dada de uma vez para sempre ou imune às transformações sociais,
económicas, políticas e culturais. O capitalismo, como as demais formações
económico-sociais, ao longo da história da humanidade, teve uma origem, desenvolveu-se
e se encontra numa crise profunda. No caso da sociedade burguesa, as forças
produtivas avançaram numa escala jamais vista.
Marx e Engels, em Manifesto Comunista, comentou
esse aspecto da história do capitalismo:
A sociedade burguesa, com suas relações de produção e de troca, o regime
burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos
meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode
controlar os poderes infernais que invocou. Há dezenas de anos, a história da
indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças
produtivas modernas contra as modernas relações de produção, contra as relações
de propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu domínio. Basta
mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada
vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise, destrói regularmente
não só uma grande massa de produtos fabricados, mas também uma grande parte das
próprias forças produtivas já criadas (1998:41).
[1] PEREIRA, Francisco. Karl Marx e o Direito:
Elementos para uma crítica marxista do Direito. Salvador-BA: LEMARX, 2019:21 ss.
ELABORADO POR: EMÍLIO ABNER A lei atribui aos herdeiros o…
Em 2005, foi levado a cabo um inquérito liderado pelo Instituto Nacional de Est…
Art.° 2.° Definição de Criança À luz da legislação Moçambicana, ao abrigo do …
Marx considerava, tal como os clássicos, sobretudo Adam Smith [1] e David Ri…
Armados da Concepção Materialista da História, Marx e Engels a aplicaram ao c…